DOI: 10.14483/udistrital.jour.gdla.2017.v12n1.a3

A NATUREZA DA CIÊNCIA E O ERRO: REFLEXÕES SOBRE O CONTO“ÓTIMA É A ÁGUA”POR ALUNOS DE ENSINO MÉDIO

The Nature of Science and Error: Reflections on the Short Story “Excellentis the Water” for High School Student

Débora Piai Cedran1

Alex Lino2

Marcos Cesar Danhoni Neves3

Neide Maria Michellan Kiouranis4

Para citar como este artículo: Cedran, D. P.; Lino A.; Neves, M. C. D. y Kiouranis, N. M. M. (2017). A natureza da Ciência e o erro: reflexões sobre o conto “Ótima é a Água” por alunos de Ensino Médio. Góndola, Enseñ Aprend Cienc, 12(1), 43-56. doi: 10.14483/udistrital.jour.gdla.2017.v12n1.a3.

Recibido: 5 de agosto 2016 / Aceptado: 21 de octubre de 2016


1 Doutoranda em Educação. Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e a Matemática. Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, Brasil. Correio eletrônico: depiai@yahoo.com.br

2 Doutorando em Educação. Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e a Matemática. Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, Brasil. Correio eletrônico: alexlinoassis@gmail.com

3 Doutor em Educação. Docente do Departamento de Física e Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática. Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR.Correio eletrônico: macedane@yahoo.com

4 Doutora em Ensino de Ciências. Docente do Departamento de Química e Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática. Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR. Correio eletrônico: nmmkiouranis@gmail.com


Resumo

Este artigo apresenta resultados parciais de um estudo que teve como objetivo analisar as concepções de Ciências, do perfil do cientista e do desenvolvimento científico, de alunos do Ensino Médio por intermédio de atividades realizadas com base no conto denominado “Ótima é a água” de Primo Levi. Seu conteúdo possibilitou a discussão acerca da importância de se romper com a visão empírico-indutiva da Ciência, bem como a importância do erro no desenvolvimento científico. A epistemologia de Bachelard norteou o estudo que teve como instrumento de recolha de dados um questionário composto de questões abertas, respondido pelos alunos, no final da atividade. O principal contributo deste estudo relaciona-se com as reflexões e contradições geradas e a compreensão da importância de se considerar o erro na construção da Ciência e do desenvolvimento científico.

Palavras chaves:: concepção de ciências, erro, epistemologia de Bachelard.

Abstract

This paper presents results of a study that aimed to analyze conceptions of science, scientist´s profile and scientific development of high school´s students through activities based on so-called short story "Great is Water” by Primo Levi. Its contents promote discussions about the importance of breaking empirical-inductive view of science as well as the importance of error in scientific development. Bachelard's epistemology guided the study using as a data collection instrument a questionnaire with open questions answered by students at the end of the activity. The main contribution of this study relates to generating reflections and contradictions and, understanding the importance of error in constructions of science and scientific development.

Keywords:science conception, error, Bachelard´s epistemology.


Introducción

Os avanços proporcionados pelo conhecimento científico e tecnológico têm transformado nosso mundo moderno de forma irreversível. Daí a importância de se refletir sobre a própria construção da Ciência e dos aspectos, sociais, econômicos, políticos e éticos inerentes a essa concepção. Um dos objetivos do ensino de Ciências é o de contribuir para que os estudantes conheçam o funcionamento interno das Ciências, seus métodos de validade e suas relações com a tecnologia e com a sociedade. No entanto, nem sempre estes aspectos relacionais são explorados, de fato, no contexto escolar, de maneira a desenvolver nos estudantes capacidade crítica para interagir e intervir no seu mundo físico e social, o que pode implicar em concepções deturpadas sobre a natureza da Ciência.

Vários pesquisadores têm concluído estudos que permitem questionar as diferentes visões de Ciência, dentre eles Delizoicov, Ferrari e Scheid (2007), Kosminsky e Giordan (2002), Petrucci e DibarUre (2001), Silva, Laburú e Nardi (2012), Oleques, Boer e Bartholomei-Santos (2013). Esses autores trazem à tona questões fundamentais relacionadas à percepção sobre a natureza da Ciência, tais como: os estudantes consideram o conhecimento científico absoluto; o principal objetivo dos cientistas é o de descobrir leis naturais e verdades; os fundamentos da Ciência são triviais e imutáveis; a Ciência é feita apenas por grandes gênios e suas descobertas independem da participação e validação de outros grupos de pessoas; apresentam atitudes negativas em relação à Ciência.

De acordo com Pompeu e Zimmermann (2009), estas visões dos estudantes são influenciadas ou podem até ser construídas, tanto pela postura dos professores como pela abordagem em suas aulas, muitas vezes centrada na visão de Ciência como verdade absoluta, ahistórica e neutra, desconsiderando o enfoque histórico-epistemológico. Concordamos com Acevedo Diaz, et al. (2005) que, para garantir aos estudantes uma concepção adequada da natureza da Ciência é fundamental a compreensão de seu funcionamento interno e externo, de sua construção e desenvolvimento em relação ao conhecimento produzido, dos métodos utilizados para validar este conhecimento, dos valores implícitos ou explícitos nas atividades da comunidade científica, dos vínculos com a tecnologia, das relações com a sociedade e com o sistema técnico-científico e das contribuições deste conhecimento para a cultura e para o progresso da sociedade.

Mediante os dizeres de Matthews (1994), ensinar sobre as Ciências implica a discussão da dinâmica da atividade científica e a complexidade que envolve o processo por meio de hipóteses, leis, teorias, conceitos e definições, na geração de produtos da Ciência, bem como o processo de validação e divulgação do conhecimento científico.

Nesta perspectiva, o presente estudo teve como objetivo investigar as concepções de Ciência e concepções de desenvolvimento científico por estudantes do Ensino Médio, utilizando a questão do erro como aspecto de discussão e reflexão. Utilizamos como instrumento, para o debate histórico-epistemológico, o conto “Ótima é a Água” de Primo Levi (2005), o qual permite discutir a questão do desenvolvimento científico.

Valemo-nos do filósofo francês Gaston Bachelard como referencial epistemológico que destaca em suas obras, A formação do espírito científico (1996) e O materialismo racional (1953), a filosofia e a arte, dialetizando o real e o imaginário. Assim, os estudos realizados com base no conto tiveram por objetivo principal proporcionar reflexões acerca da Ciência e do conhecimento científico no contexto da vida cotidiana. Consideramos importante investigar estas concepções de Ciência, pois quando conhecidas pelo professor, tornam-se relevantes para serem trabalhadas em sala de aula. De imediato, as primeiras concepções que os discentes têm em relação à natureza da Ciência, são visões positivistas e lineares (PETRUCCI, DIBARURE, 2001), ou seja, não têm familiaridade com os erros ocorridos na Ciência, e não percebem que esses erros podem ocasionar, por exemplo, rupturas e desenvolvimento científico. Abordaremos a questão do erro no desenvolvimento cientifico tomando como referencial o pensamento bachelardiano.

O Erro e o Desenvolvimento Científico em Bachelard

A Ciência, à medida que se estabeleceu institucionalmente e alcançou legitimidade social, tem se reproduzido, privilegiando, muitas vezes, as vias empiristas e positivistas e, isso não ocorre sem consequências para o processo de produção do conhecimento científico. A escolha pelas vertentes filosóficas empiristas e positivistas deve-se, geralmente, à formação científica desses protagonistas, pois a Ciência é ensinada, na maioria das vezes, sem qualquer questionamento acerca de seu caráter dinâmico e complexo. Os métodos de repetição nos laboratórios de Física e de Química, na maioria das vezes, são empregados apenas para seguir um roteiro pré-definido, sem reflexão acerca dos fenômenos envolvidos, e sem referência ao que realmente é praticado no meio científico.

Os professores de Ciências imaginam que o espírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode fazer entender uma demonstração repetindo-a ponto por ponto. Não levam em conta que o adolescente entra na aula de Física com conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana. (BACHELARD, 1996, p.23)

Ainda, este tipo de abordagem não oferece chances de pensar sobre o erro e aprender com base nele, o que torna impossível compreender ou aceitar qualquer dado desviante em um experimento. Em nossas práticas científicas, deparamo-nos com diversos contratempos que, em alguns casos, consideramos erros derivados das mãos do técnico ou experimentador. Em alguns casos, a tendência é atribuir o problema no procedimento experimental ou erro na manipulação e obtenção de dados, ao invés de duvidar da teoria, reforçando a ideia de paradigmas científicos, discutidos por Kuhn (2003), mesmo que as condições de pesquisa sejam feitas e refeitas e as contradições entre o empírico e sua explicação continuem manifestandose.

A crítica tecida por Bachelard à acomodaçãodos cientistas a padrões e normas em detrimento da aventura da busca do conhecimento é notória em vários de seus trabalhos, e caracteriza-se pela defesa de uma posição epistemológica, segundo a qual a Ciência não existe sem o exercício constante da reflexão. Para Bachelard (1996, p.24), “a tarefa mais difícil: colocar a cultura científica em estado de mobilização permanente, substituir o saber fechado, e estático por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão razões para evoluir”.

Bachelard (1996) discorre que há um equívoco em tomar-se da Ciência apenas os resultados, sem referências aos mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento do pensamento, assim, será apresentada uma Ciência morta ou, no mínimo, fechada e cristalizada, como se ela fosse a descrição de uma realidade determinista que não depende de nossa razão. Ao ensinar subentende-se que “há algo a aprender e se a ciência é muito mais um processo de construção de conhecimento que um contato com o saber estabelecido, então ensinar ciência pode significar ensinar como a Ciência opera para construir o saber” (SILVA, 1999, p. 132).

Nessa perspectiva, concepções epistemológicas podem ser transpostas para a sala de aula e influenciar o pensamento do aluno acerca do desenvolvimento da Ciência, auxiliando-o na compreensão da mutabilidade científica, isto é, uma postura de pensamento que difere de uma concepção de Ciência como verdade absoluta. A principal ideia proposta por Bachelard é a de que, ao ensinar, ao apresentar conceitos, devemos considerar o processo, com os avanços, os impasses e os erros cometidos até que tal teoria seja “afirmada”, demonstrando aos alunos a trajetória desenvolvida pelo processo de produção de conhecimento, da vigência do erro até sua superação. Assumindo esse ponto de vista, a ideia de linearidade no processo de produção do conhecimento científico pode ser substituída por uma perspectiva histórica.

A valorização do erro e o ensino das teorias a partir do exercício de sua superação pode ser, para o professor, uma forma de reorganização de sua prática. O erro pode ainda revelar ao professor a forma como seus alunos organizam, elaboram suas ideias e apresentam argumentos para validar suas concepções. Na sala de aula, por exemplo, ao se instaurarem novas polêmicas sobre os saberes já estabelecidos, contra os saberes, sob certa forma, cristalizados, tanto professores quanto alunos rompem com a possibilidade do acomodamento nas primeiras certezas, tão mal vistas por Bachelard, por conferirem um “sabor escolar” ao pensamento (SILVA, 1999).

Diante desta noção inicial da natureza da Ciência e da concepção de erro na Ciência, este trabalho tem por objetivo investigar as concepções de estudantes de Ensino Médio sobre o que é Ciência, o que é desenvolvimento científico e qual é a importância do erro para a Ciência.

O Processo e o Universo da Pesquisa

Para compreender as concepções dos estudantes, levando em conta os objetivos deste estudo, utilizamos como objeto de discussão o conto denominado “Ótima é a água” de Primo Levi (2005). Nesse conto, o autor descreve um personagem, Boero, que realiza medições da viscosidade da água e encontra valores desviantes aos estabelecidos, considerados padrão e expressão da veracidade científica. Ao deparar-se com os resultados, Boero se vê diante da contradição entre o que observava no mundo real e os dados reconhecidos pela comunidade científica, além da convicção de seu superior, que defendia a legitimidade da consagrada tabela de Landolt, ao invés de se surpreender diante dos dados desviantes. O tempo perdido no debate entre a defesa da verdade científica estabelecida e o dado da realidade, que a contradizia, condenou o planeta e a humanidade ao fim.

Nesse sentido, o estudo visou responder à seguinte questão de investigação: o conto “Ótimo é a água”, por apresentar aspectos relacionados à veracidade, conduta, desenvolvimento e perfil das pessoas que trabalham com Ciência, contribui para a discussão a respeito do conhecimento e da questão do erro nas Ciências?

Considerando as características deste estudo e, de acordo com Flick (2009), a opção por uma metodologia qualitativa de natureza interpretativa torna-se coerente com os propósitos e instrumentos utilizados no trabalho realizado com 58 alunos, sendo 35 do segundo ano do Ensino Médio e 23 do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola particular do Estado de São Paulo, durante seis aulas. O docente e também investigador buscou registrar suas ações e intervenções nas atividades que se desenvolveram nas etapas que seguem descritas a subsequentes.

A primeira diz respeito à leitura individual do conto, com a orientação de que cada aluno buscasse compreender a mensagem do texto e, num segundo momento discutissem em grupos escolhidos aleatoriamente, com a finalidade de fomentar o debate e reflexão sobre a temática orientada pelos seguintes questionamentos: O que faz um cientista? Qual é a importância de uma descoberta inesperada para a Ciência? O que é Ciência para você? Qual é o papel da Ciência para a sociedade? Como a Ciência se desenvolve? Neste momento, o professor investigador mediou a discussão, no sentido de garantir que o debate nos grupos ocorresse e, pudesse registrar as falas mais significativas dos estudantes, por meio de gravações e relatos escritos. Na terceira etapa, o debate ampliou-se para o grupo todo, cada grupo socializou seus pontos de vista, também sob mediação do professor investigador.

Embora as questões apresentadas pelo professor pesquisador fossem abrangentes inicialmente, o foco foi direcionado para a noção da “verdade na Ciência” bem como o papel do erro no desenvolvimento científico. Nesse sentido, o objetivo era promover a reflexão dos educandos a esse respeito, contrapondo suas concepções com as questões que emergiram da discussão do conto.

Por fim, os alunos responderam a um questionário constituído por sete questões abertas sobre as quais puderam expressar suas opiniões sobre Ciências e seu desenvolvimento, bem como o papel do erro. O questionário constituiu-se no principal instrumento para obtenção dos dados e as respostas foram analisadas, considerando também os registros escritos do pesquisador acerca das discussões relativas às duas primeiras etapas, já que buscava-se as relações entre as respostas e os sentidos que podem ser atribuídos a elas (GOMES, 2009).

Reflexões Sobre Resultados

Como a perspectiva lançada no conto “Ótima é a água” é uma discussão sobre o desenvolvimento da Ciência, o papel do cientista diante uma descoberta e a reformulação de conceitos científicos, consideramos pertinente questionar os estudantes sobre suas concepções de Ciênciaa partir da questão: Para você o que é Ciência?

As respostas sobre o que é Ciência indicaram que 87,93% formularam respostas baseadas em concepções generalistas, sobre as quais entende-se que a Ciência tem o papel de responder e solucionar todos os questionamentos e problemas da sociedade. Isso pode ser evidenciado nas diferentes respostas dos alunos (A) a seguir:

A7 –“É um estudo racional de tudo que há no mundo, de forma com que explica e comprova suas teorias”.

A39–“A ciência é um estudo que procura entender a vida a fim de encontrar respostas e soluções para os fatos que ela virá a apresentar”.

A47 – “A ciência é o estudo de quase tudo que há no universo, o experimento, criação de conceitos, invenção de algumas coisas, teorias”.

Conceituar Ciência não é tarefa fácil, mesmo que tenha-se concepções simplistas da mesma. Percebe-se que na maioria das repostas, os alunos consideram a Ciência complexa, no sentido de abarcar “tudo”, no entanto, o conceito é constituído por ideias de Ciência restrita, desvinculada dos interesses humanos, marcadas pela neutralidade de pensamentos e ações, já que em sua finalidade, deve ir à busca da verdade e das soluções para os problemas.

Neste caso, fica claro que impera o caráter normativo da Ciência entre os educandos, marcado pelo ideal positivista de Comte, em que o interesse da Ciência era voltado para as relações lógicas dos enunciados científicos observáveis do mundo físico (ALVES-MAZZOTI, GEWANDSZNAJDER, 1998). Nessa perspectiva, a busca constante do homem na Ciência era desvendar os mistérios da natureza, e nesse trajeto, não existe lugar para as influências sociais. A idealidade então parece tangenciar a concepção de Ciência que este percentual de alunos possui, assim como evidenciado em outras pesquisas também preocupadas com as visões de Ciência de estudantes (DELIZOICOV, FERRARI, SCHEID, 2007; KOSMINSKY, GIORDAN, 2002).

Ainda que a maioria dos alunos tenham apresentado esse tipo de reflexão, alguns, por meio de suas respostas, evidenciaram concepções em relação às ações humanas nas construções científicas:

A13–“Ciência é uma arte, uma ideologia onde é visado a busca de conhecimento”.

A45– “Para mim, a ciência é um estudo que busca compreender os mistérios sobre as mudanças e sobre as anomalias que acontecem ao nosso redor, pois é a curiosidade que o homem busca saber e explicar tudo o que vê e não vê”.

Parece então, que existe a relação entre a Ciência e o homem nos trechos supracitados, já que a manifestação dos termos arte, ideologia e curiosidade implicam em ações humanas diretas. As ações humanas mencionadas podem representar diretamente a maneira como estes alunos se relacionam com a Ciência, ou mesmo, como seus educadores lhes apresentam a Ciência, já que não a percebem distante de si.

Além da construção humana, na resposta do aluno (A45) acima, é possível inferir que o estudante indica o movimento da Ciência, contrapondo em termos às ideias da maior parte dos alunos pesquisados, a de linearidade e imutabilidade científica, sendo isto notável quando utiliza o termo anomalia. Este termo consagrado pelos escritos de Tomas Kuhn (OSTERMANN, 1996), e por muitas vezes encontrado em Bachelard, retrata a realidade científica em que as revoluções mais importantes na Ciência dão-se a partir das perturbações e não das afirmações tiradas das generalizações, mostrando, então, o caráter descontínuo da Ciência. É interessante notar que outros discentes também mencionam as mudanças presentes na Ciência, nos dando a percepção de que estes não a compreendem como imutável, imóvel:

A57– “É uma forma de mostrar e estudar a vida na terra, onde busca informações e explicações para tudo, mas é algo que está em constante mudança, e nunca terá um fim, sempre terá coisas novas”.

Dessa forma, podemos concluir que os conceitos, assim como a concepções de Ciência podem até ser baseados em pressupostos, em visões gerais, no entanto, a mobilidade do pensamento científico deve ser considerada, já que esse pensamento é remetido em contraposição a outro pensamento, dando o caráter humano ao desenvolvimento científico. A ideia de mobilidade científica retifica o pensamento de Ciência absoluta, o que pode ser construído no espaço escolar, “em ruptura com esta visão de pendor empirista/indutivista, importa que os alunos possam tomar consciência da construção dinâmica do conhecimento, das suas limitações, da constante luta em busca da verdade e não de certezas, mais de um melhor e mais útil conhecimento”(CACHAPUZ, GIL-PÉREZ, PRAIA,2002,p.130).

A percepção de desenvolvimento científico também é tratada no conto, se apresentando como uma forma de concepção de Ciência, no entanto se faz necessária uma reflexão para que se tenha seu entendimento, pois não é suficientemente explicita. Assim, achamos necessário questionar os alunos sobre a maneira que a Ciência se constrói. Fizemos então o seguinte questionamento utilizando o conto como base de comparação e reflexão: Você acha que a Ciência se desenvolve assim como o relatado no conto “ótima é a água”? Apresente e justifique os elementos (trechos) do texto que reforçam sua ideia de desenvolvimento da Ciência.

A percepção de desenvolvimento científico também é tratada no conto, se apresentando como uma forma de concepção de Ciência, no entanto se faz necessária uma reflexão para que se tenha seu entendimento, pois não é suficientemente explicita. Assim, achamos necessário questionar os alunos sobre a maneira que a Ciência se constrói. Fizemos então o seguinte questionamento utilizando o conto como base de comparação e reflexão: Você acha que a Ciência se desenvolve assim como o relatado no conto “ótima é a água”? Apresente e justifique os elementos (trechos) do texto que reforçam sua ideia de desenvolvimento da Ciência.

Assim, na análise de todas as respostas, verificamos que emergem termos de Ciência positiva, empirista, e neste sentido linear, em 53,45% dos casos:

A42– “Sim, a ciência se desenvolve como o descrito, pois há medições, experimentos e conclusões. Partiu como um foguete para o laboratório, para testar suas hipóteses”.

A58– “Sim, a ciência é empírica e se desenvolve numa cadeia de acontecimentos, hipóteses, tentativa de comprovação e publicação”.

A12–“A ciência se desenvolve por meio da repetição de experimentos, pois a ciência deve ser baseada na verdade: Dedicou toda a sua vida à repetição das checagens”.

Aparece como consenso, verificado não somente nas respostas acima, como dentre mais da metade dos alunos pesquisados, termos, ou até mesmo sequências de métodos científicos, bem determinados conceitualmente por eles. Podemos até inferir que um caminho linear é percorrido pelo método científico, em que se tem como base o empirismo, e nesse caso, é salientada através do conto a importância da repetição dos experimentos, esperando que a partir da checagem se tenha a base segura para construção de certezas. Nesse sentido, Bachelard critica a ideia de método, afirmando que:

Costuma-se dizer também que a Ciência é ávida de unidade, que tende a considerar fenômenos de aspectos diversos como idênticos, que busca simplicidade ou economia nos princípios e nos métodos. Tal unidade seria logo encontrada se a Ciência pudesse contentar-se com isso. Ao inverso, o progresso científico efetua suas etapas mais marcantes quando abandona os fatores filosóficos de unificação fácil, tais como a unidade de ação do Criador, a unidade de organização da Natureza, a unidade lógica. (BACHELARD, 1996, p. 20)

No conto, a repetição dos experimentos aparece para confirmar as medidas de viscosidade da água, do qual o personagem repete incansavelmente, verificando a quarta ou quinta cifras, tabeladas. Sendo assim, Bachelard afirma que as tabelas são, no fundo, ideias constitutivas do empirismo clássico, e são a base de um conhecimento estático (BACHELARD, 1996), já que remete-se à elas e às suas tendências, desconsiderando as anomalias ali presentes, assim como no conto. Parte dos alunos trouxe excertos que comprovam que as suas ideias de desenvolvimento científico estão ligadas a demonstração e certificação do que já é consagrado, contrapondo ao que Bachelard considera como válido ao desenrolar da Ciência.

Oposta à ideia de Ciência linear tratada na primeira parte do conto, na segunda parte, as medidas desviantes de viscosidade obrigaram a desacreditar nos dados empíricos tabelados. Nesse caso, foi possível perceber a descontinuidade da teoria científica, e deste fato, 39,66% dos alunos apresentaram respostas que ressaltavam e concordavam com o movimento no desenvolvimento científico, baseados na ocorrência de não haverem comprovações e teorias absolutas:

A8– “Sim, pois a ciência apresenta mais e mais mudanças, não tem como chegar em um resultado e permanecer apenas nele”.

A13– “Não, acredito que na ciência tudo se renova com o tempo, e não se deve deixar algo totalmente imutável como a tabela de Landolt”.

A45– “A ciência é um estudo constante do universo, onde sempre haverá teses e contradições, que podem ser verídicas ou não como por exemplo, a mudança no estado da água”.

A1– “Sim, as teorias podem ser mudadas, Newton, por exemplo, já teve suas teorias “completadas” por Einstein”.

Mesmo constituindo a menor parte das respostas, foi expressiva, a nosso ver, a quantidade de alunos com a visão mais reflexiva de Ciência, baseada nos descontinuísmos, concordando com as proposições de Bachelard, e isso fica aparente quando utilizam termos como mudanças, não imutável, contradições. O aluno (A1) chega a mencionar a Física relativista na resposta acima, exemplificando as mudanças ocorridas, indicando que sua concepção de Ciência pode ser mais abrangente e reflexiva, corroborando com o pensamento de Bachelard, quando afirma “que julgamos que o progresso científico manifesta sempre uma ruptura, perpétuas rupturas, entre o conhecimento comum e o conhecimento científico, contanto que se aborde uma Ciência evoluída, uma Ciência que, exatamente por estas rupturas, leva a marca da modernidade” (BACHELARD, 1953, p.241-242).

Para Bachelard os valores, pensamentos e reflexões comuns devem ser refeitos, dando lugar à intencionalidade do conhecimento científico, para que a Ciência se desenvolva. No entanto, o pensamento refeito não pode ser simplesmente considerado retrocesso, devendo, antes, ser tratado como elemento integrante e indispensável ao avanço da Ciência. Nesse contexto, observamos a relevância do aspecto positivo do erro, ou do pensamento retificado na construção do conhecimento científico.

Consequentemente questionamos os alunos: Você considera importante o erro para o desenvolvimento científico? Por quê?

A esse questionamento, 93,10% dos alunos afirmaram ser importante o erro para o desenvolvimento científico, sendo que dos 58 alunos, 56,90% deles justificaram a importância afirmando que a partir dos erros é que se pode determinar o que é certo ou verdadeiro. Isso pode ser evidenciado nas seguintes repostas:

Embora sejam necessários estudos de outra ordem que permitam estabelecer relações sobre a inserção da NC e NT em sala de aula com a atuação dos professores, os resultados aqui apresentados nos permitem inferir que um dos fatores que dificulta o trabalho do professor com esta temática é seu despreparo. A professora explicitou claramente que não aborda esta temática em sala de aula pois sente-se insegura, já que em sua formação inicial NC e NT não foram trabalhadas em profundidade. Assim podemos inferir a necessidade de que os cursos de formação inicial e continuada de professores abordem esta temática, na busca de preparar os professores para ações desta natureza.

A25– “Sim, pois aprendendo o erro você também aprende o acerto, fazendo com que você chegue mais perto da verdade”.

A2 –“Sim, muitas vezes o erro gera crescimento, porque ao se notar um erro nasce uma ânsia pelo certo, pelo que é verdade, o que provoca uma dedicação e um estudo maior sobre as coisas”.

A7–“Sim, porque antes de acertar sempre há erros”.

Apesar de ser um problema histórico evidente esta visão da Ciência que possui um vetor que orienta-se sempre para o sentido melhor ao viés de suas falhas, notamos aqui concepções idealistas que podem ser trabalhadas e melhoradas a partir da racionalização da epistemologia de determinado conhecimento científico. Neste estudo, pode se mostrar que a Ciência, de fato, não necessariamente orienta-se sempre para o melhor. Aqui se tem a noção ilegítima de que um cientista ou filósofo que supera o erro de seu antecessor acaba tornando-se o mais hábil. Esta visão, mantida pela maioria de nossos alunos, deve ser superada e a proposta que melhor se apresenta como efeito é a discussão epistemológica das contribuições desenvolvidas pelos participantes de tal conhecimento.

Nesse sentido, 29,31% dos alunos apresentaram respostas que indicam a dependência do erro para que haja o desenvolvimento científico, considerando-o assim importante para a Ciência:

A54– “Sim. Pois através do erro que pode ser percebido um novo conceito. Quando tudo dá certo, supõe-se que nada mais precisa ser descoberto”.

A40– “Sim, pois a partir do erro que você toma um partido para descobrir algo inovador, que pode mudar conceitos que eram considerados verdades”.

A56– “Sim, pois com o erro há a possibilidade de novos resultados, novas descobertas ou simplesmente a concretização do pensamento inicial”.

Aqui notamos uma evidente diferença na perspectiva das respostas em confronto com as anteriores. Nestas, podemos inferir que os estudantes estão cientes da importância do erro para o desenvolvimento científico. Ressaltar a importância conferida ao erro é lembrar que ele se remete à tentativa de explicar determinado fenômeno que, até então, não tinha sido pensado, seja pelo cientista, seja pelo educando. Lopes afirma em defesa à teoria de Bachelard que “precisamos errar em Ciência, pois o conhecimento científico só se constrói pela retificação desses erros. Como seu objetivo não é validar as Ciências já prontas, tal qual pretendem os partidários das correntes epistemológicas lógicas, o erro deixa de ser interpretado como um equívoco” (LOPES, 1996, p.252-253).

O erro, então, não pode ser considerado algo vazio de ideias ou de pensamentos lógicos, tal como é representado na Ciência positivista ou na educação tradicional. Ao contrário, ele sempre deve ser remetido à construção do conhecimento. Também, para reiterar a ideia de erro e sua relevância, solicitamos aos alunos que nos mostrassem, a partir do conto, qual a importância do erro. Dessa forma, obtivemos respostas baseadas na percepção de mobilidade científica através do erro:

A17– “O erro mostrou que a ciência é vulnerável a mudanças”.

A12– “O erro fez com que o cientista se questionasse e duvidasse de si mesmo, pois ia contra os dados presentes na tabela”.

A1– “Esse erro foi importante para a ciência se desenvolver e para uma nova teoria, mais aceita ou elaborada”.

A4 – “Foi importante, mostra que tudo pode sofrer uma transformação, como ocorreu na tabela, mostrando que não pode ser algo certamente correto”.

A5 – “O erro mostrou que a ciência nem sempre é exata”.

A41– “O crescimento da ciência e dos cientistas”.

A6– “A relevância do erro foi que assim como o mundo a ciência vive em constante transformação, e sempre há necessidade de novos testes para se atualizar, assim como no conto”.

A42– “O erro em relação a tabela mostrou que havia algo diferente do normal e o incentivou a pensar mais sobre a questão”.

Segundo a epistemologia bachelardiana, é a partir do questionamento dos erros que se atinge a superação e, consequentemente, um avanço no conhecimento científico. Ou seja, a prática científica não é caracterizada como um caminho linear e ascendente em que o conhecimento acumula-se sem conflito e sem enfrentar trajetórias tortuosas. Na situação oposta, quando o erro, em vez de ser o caminho para a superação, é defendido e protegido, ele transforma-se em obstáculo epistemológico.

Percebemos, então, que os alunos deram relevância ao erro, assim como proposto por Bachelard, talvez de maneira um pouco intuitiva, mas consideraram o erro importante, assim como demonstrado no conto. Isso pode ser confirmado quando perguntado: Você acha que a Ciência se constrói mais baseada em erros ou acertos? Por quê?

Deste modo, 12,07% dos discentes disseram que se baseia e se constrói a partir dos “erros” que aparecem pelo caminho, como forma de reflexão de pensamento e, novamente, de mobilidade científica:

A44– “Em erros, pois acertos culminam em resultados iguais e consequentemente em uma estatificação da ciência. Se erros não auxiliassem, a física quântica não surgiria, pois como dito por Kelvin, em sua época “já se sabia” tudo sobre ela”.

A38– “Erros, pois são eles que movem o desenvolvimento científico”.

A1– “Em erros, pois os acertos apenas comprovam teorias que foram provavelmente elaboradas com os erros”.

Lopes (1996, p.253) afirma que “não podemos mais nos referir à verdade, instância que se alcança em definitivo, mas apenas às verdades múltiplas, históricas, pertencentes à esfera da veracidade, da capacidade de gerar credibilidade e confiança”. Nessa perspectiva, é importante refletir acerca da verdade nas Ciências, o papel do erro e as implicações nos avanços científicos e tecnológicos.

Outros 6,90% dos alunos apresentaram respostas que não se enquadram em erros ou acertos propriamente ditos, no entanto apresentaram repostas bem articuladas sobre o assunto:

A9– “Não há definição para basear a ciência; nem sempre todos acertam e erram, portanto definir um padrão, transformaria a ciência em exatas, e não haveria aquela liberdade, e vontade de querer descobrir”.

A39– “Nos dois, pois os erros são a busca da verdade e tentativas que ainda levarão a uma resposta. E os acertos são a conclusão e as respostas que realmente precisamos e o mérito das pessoas que os atingiram”.

lém do percentual acima de alunos que disseram que a Ciência se baseia mais em erros, outros 67,24% dos alunos apresentaram a mesma resposta. Todavia, ao justificá-la, assim como questionado, revelaram que o erro era preponderante, mas somente como busca de posterior verdade, ou como decisão de tomada de outras direções, enfatizando novamente o determinismo científico, presente na maioria das respostas a estas questões:

A7– “Primeiro se erra para chegar no acerto de forma com que assim se possa comprovar porque está certo”.

A19– “Em erros, pois é preciso ter erros para haver acertos”.

A20– “Em erros. Pois errando, os cientistas conseguem saber como chegar a algum acerto, prevenindo cada vez mais os erros”.

Levando em consideração esses dados, notamos que o professor, de fato, deve mostrar por meio de exemplos da história que a Ciência não reproduz uma verdade, e que não existem critérios para atestar sua veracidade. É importante ainda referir que para romper com o obstáculo da imutabilidade, deve-se desenvolver junto aos alunos o pensamento de que a Ciência é construída a partir de “verdades provisórias”.

Como o conto trata por vezes da postura do cientista (nomeado Boero, neste caso) e da dependência de sua conduta no desenrolar da Ciência, fizemos o seguinte questionamento aos alunos: O perfil de Boero se enquadra ao perfil que você imagina de cientista? Justifique.

Como resposta 86,21% dos alunos responderam sim. No entanto, ao justificar notamos que existiram diferenças nas interpretações da postura do cientista. Nesse caso, classificamos todas as respostas em três possibilidades, sendo que a primeira refere-se ao cientista determinado, meticuloso e observador. Estas características foram apresentadas em 65,52% das respostas:

A56– “Sim, pois é um homem simples e intelectual que tem seu interesse despertado pelo erro e a partir daí uma busca insaciável pelos resultados corretos, assim como acontece com bons cientistas”.

A4– “Sim, pois o cientista é aquele que investiga, vai atrás das coisas, e Boero vai atrás, ele se preocupa com a água, vai aos laboratórios fazer pesquisas, esse é o verdadeiro cientista”.

A5– “Sim, pois Boero tinha um perfil persistente indo sempre em busca do certo e não ficando sossegado enquanto não acertasse, esse para mim é o perfil de cientista”.

A19– “Sim, pois apesar de errar ele continuou tentando até comprovar”.

A25– “Sim, pois era persistente e procurava entender o fato”.

Já 12,07% dos alunos apresentaram respostas, que na maioria negam o perfil de Boero, pois acreditam que o cientista deva exercer grande papel social e ficar sempre à procura de grandes descobertas:

A11– “Não, eu imagino um cientista como alguém que exerce um papel importante na sociedade e que faz coisas mais importantes do que ficar em um banquinho verificando algo que é incontestável, mesmo que haja algum erro, nada vai mudar”.

A8– “Não, pois eu imaginava um cientista fazendo pesquisas que fossem revolucionar o mundo, tipo uma pesquisa para solucionar o câncer, e não alguém pesquisando sobre a viscosidade da água”.

A3–“Em certo ponto sim, ele é curioso e almejava uma grande conquista”.

Os demais alunos (12,07%) enquadraram-se em respostas que colocam o cientista no papel de experimentador, dotado por vezes de características humanas e até curiosas:

A7– “Sim, alguém que pesquisa e faz e refaz seus experimentos para comprovar sua descoberta”.

A20– “Sim. Pois ele pegou amostras, descobriu a diferença entre a água normal e a viscosa”.

A10– “Não, pois a imagem que pensamos de um cientista é de uma pessoa diferente, com ideias contrárias e loucas”.

A9– “Não, pois a imagem padrão que deduzimos de qualquer cientista é um indivíduo diferente, que explode o que vê pela frente”.

A58– “Sim, apesar de racional, permanece humano e não vive sempre feliz, mas em altos e baixos”.

Dentre essas respostas, destacamos ainda, outras que nos permitem verificar o pensamento amadurecido e reflexivo sobre o cientista e seu papel na Ciência:

A57– “Sim, uma pessoa que está sempre pensando e buscando achar o correto, e quando ele e suas pesquisas são contrariados, vai filosofar e buscar uma maneira de provar sua teoria, e assim tenta novamente provar, até conseguir”.

A1– “Sim, uma pessoa observadora, que não altera os resultados só porque eles vão contra as teorias e “verdades científicas” já estabelecidas”.

Mais uma vez a maioria dos alunos imagina o cientista como o profissional que busca responder aos anseios da sociedade e, empiricamente, “descobre” a verdade por meio da ciência.

Dessa forma, o conjunto de concepções apresentadas pelos alunos fornece elementos a favor da epistemologia de Bachelard, no que diz respeito à maneira de pensar e atuar na ciência. O cientista é ser social,

acima de tudo, dependente de métodos e, deve sempre se especializar, no entanto, deve dinamizar seus pensamentos, tratando a ciência da mesma forma:

A especialização é uma vitória da sociedade dos sábios. Não se trata de um indivíduo sozinho, arraigado a seus primeiros hábitos, aprisionado ao mesmo instrumento ou ao mesmo método dos primeiros trabalhos. A especialização científica é o contrário dessa escravidão primitiva. Ela dinamiza o espírito por inteiro (BACHELARD, 1951, APUD PARENTE, 1990, p. 14).

Assim, como nossa ferramenta de investigação e reflexão foi o conto, achamos necessário questionar sobre os aspectos considerados mais importantes na leitura do mesmo. Foram muitos os aspectos que se revelaram importantes para se colocar em prática tudo o que essa atividade proporcionou como reflexão.

A56– “Ter consciência do trabalho do cientista, do objetivo dele que muda de acordo com os resultados atingidos durante a pesquisa”.

A44– “Sobre a ciência e suas formas de estudo, além é claro da demonstração de nossa dependência de algo que pessoas considerem desprezível, a viscosidade da água”

A49– “Apresenta o modo de agir e pensar dos cientistas e o modo como é apresentado o fato acaba forçando o leitor a sentir o que ocorre”.

A50– “Que um erro, mudou o mundo e os padrões da ciência”.

A52– “A partir do conto, podemos concluir que tudo pode ser alterado, que não existe mais nada permanente nesse mundo”.

A54– “Os processos de teste e provar algo. A conclusão através da reflexão”.

A57– “A busca do cientista para comprovação de seus estudos, e mostrar que a ciência e a vida estão em constante mudança, e provar, suas teorias contraditórias a tabela”.

Considerando esse estudo a tabela 1 mostra resumidamente os dados obtidos com as respostas dos alunos:

Tabela 1. Dados obtidos da análise das respostas do questionário aplicado aos alunos.

Fonte: Elaboração própria.

Destarte, o professor tem o papel fundamental no desenvolvimento de tais concepções nos alunos, para tanto, o rompimento desses obstáculos se faz necessário, principalmente com o obstáculo de que o erro é algo prejudicial à Ciência. Pedagogicamente, também devemos levar em consideração o erro de nossos alunos, e mostrar que a partir deles podemos avançar, assim o professor não deve desprezar os equívocos cometidos em sala de aula, e sim utilizá-los como um instrumento potencialmente significativo para romper com os entraves cognitivos, seja de cunho epistemológico ou pedagógico.

O erro em Bachelard difere, de forma significativa, do erro em que estamos habituados a pensar a partir do senso comum. Geralmente o erro é visto como algo “impuro” e não premeditado ou mesmo pensado. A Ciência em geral descarta o erro, assim como, em geral, professores descartam os erros conceituais ou formais cometidos em sala de aula. Para Bachelard, ao contrário, o erro tem outro significado e sua manifestação no processo de produção do conhecimento vem de forma sutil, auxiliar no crescimento do conhecimento científico.

Considerações Finais

Os resultados encontrados permitem algumas reflexões relativas à visão de Ciências, não apenas para os alunos, mas também para os professores que buscam superar dificuldades inerentes ao processo de promover significativas aprendizagens sobre Ciências. Outra implicação desse estudo, diz respeito à necessidade de estimular a reflexão sobre os benefícios de atividades que envolvem a leitura e discussão de textos da literatura sobre Ciência e erro, na evolução do conhecimento científico, por meio de experiências diversificadas e contextos diferenciados. Nessa perspectiva, valorizar as concepções espontâneas dos alunos e questionamentos que possibilitem o exercício do raciocínio, as resoluções dos problemas de forma crítica e criativa, podem contribuir para que os educandos possam superar suas dificuldades de aprendizagem e atingir uma aproximação mais eficaz em relação ao conhecimento científico.

Percebemos que, por vezes, as respostas apresentadas foram contraditórias à visão de Ciência apresentada no começo da atividade. Também, vale ressaltar a importância das discussões sobre a Ciência e o “fazer científico”, pois, conforme afirma Bachelard: “No fundo, o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização” (BACHELARD, 1996, p. 17), retificando o que julgávamos ser saber sedimentado, e desta forma, não existem saberes prévios ou anteriores, mas sim, erros primeiros que necessitam ser irrigados de novas interrogações racionalizadas com o objetivo de mudança.

O conto “Ótimo é a água”, por apresentar um alto potencial de discussão e reflexão acerca de aspectos relacionados à veracidade, conduta, desenvolvimento e perfil dos cientistas, contribui para a discussão acerca do conhecimento e à questão do erro nas Ciências. Essa questão é apresentada como ponto de partida para a atividade investigativa deste estudo. Esse questionamento mobilizou os alunos nas discussões e reflexões acerca do conhecimento científico, dos erros e dos desafios exigidos na realização das tarefas relacionadas ao conto.

Com a utilização do conto foi possível levar à sala de aula ponderações necessárias para o entendimento do erro e sua posição no desenrolar científico, já que este é fruto do pensamento humano, que são meras interpretações sobre o que, de maneira simples, denominamos de “verdade”, o conhecimento cientificamente aceito. A aplicação do conto, se podemos assim dizer, fomentou a contradição no pensamento dos alunos, gerando um dinamismo às suas interpretações. Dessa forma, entende-se que para haver a compreensão do erro, na perspectiva do conhecimento científico abordada no conto, parece importante consideraras bases epistemológicas de Bachelard, notadamente, acerca do pensamento científico.


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