OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS SOBRE A ÁGUA EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS DO SEXTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL, NO PNLD 2017 DO BRASIL

EPISTEMOLOGICALOBSTACLESONWATER IN DIDACTICSCIENCEBOOKS OF SIXTH GRADE OF BASICEDUCATION, IN THE PNLD 2017 OF BRAZIL

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS SOBRE EL AGUA EN LIBROS DIDÁCTICOS DE CIENCIAS PARA GRADO SEXTO, EN EL PNLD 2017 DE BRASIL

Natiely Quevedo dos Santos*, Eduarda Maria Schneider**, Lourdes Aparecida Della Justina***

Cómo citar este artículo: Santos, N. Q., Schneider, E. M., y Justina, L. A. D. (2019). Obstáculos epistemológicos sobre a água em livros didáticos de Ciências do sexto ano do ensino fundamental, no PNLD 2017 do Brasil. Gdola, Ensen­za y Aprendizaje de las Ciencias, 14(2), 376-391. DOI: http://doi.org/10.14483/23464712.13855

Recibido: 18 de septiembre de 2018; aprobado: 23 de abril de 2019 


* Mestranda em Educação em Ciências e Educação Matemática, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel – Paraná. Correio eletrônico: natielyquevedo@gmail.com - ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1104-4132

** Doutora em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática, Docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Santa Helena– Paraná. Correio eletrônico: emschneider@utfpr.edu.br - ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5142-6608

*** Doutora em Educação para a Ciência, Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel– Paraná. Correio eletrônico: lourdesjustina@gmail.com - ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6013-7234 


Resumo 

O presente artigo aborda um estudo epistemológico do conteúdo sobre a água presente em sete livros didáticos da disciplina de Ciências que foram aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático 2017 no Brasil, do sexto ano do ensino fundamental. Ressaltamos a importância da análise de livros quanto aos obstáculos epistemológicos, tendo em vista que, podem representar um entrave à construção do conhecimento, dificultando o processo de ensino-aprendizagem, no entanto, quando estes são identificados, podem colaborar para mudança na postura tanto do professor quanto do aluno em relação ao conteúdo estudado, e contribuir para melhorar o ensino de Ciências. Nosso objetivo foi o de evidenciar se existe a presença ou não de obstáculos epistemológicos sobre o tema da água nos livros didáticos, tendo em vista que estes são um dos recursos mais utilizados em sala de aula para nortear o ensino nas escolas. A pesquisa teve caráter qualitativo, baseando-se na análise de conteúdo, na qual, evidenciou a presença do obstáculo do conhecimento quanti­tativo nos sete livros analisados e que apresentam também, os demais obstáculos propostos por Bachelard, sendo o obstáculo substancialista, evidenciado em seis dos sete livros analisados, já o obstáculo do conhecimento geral foi encontrado em quatro obras analisadas, o obstáculo verbal pode ser observado em três e tanto os obstáculos de experiência primeira, unitário e pragmático, realista e animista foram evidenciados em uma obra dentre as sete analisadas. Estudos relacionados aos obstá­culos epistemológicos devem ser encarados como uma maneira de permitir avanços na formação de alunos e professores alertando para uma maior preocupação com o processo de ensino-aprendizagem e com recursos utilizados em sala de aula, como o livro didático, possibilitando a reflexão quanto a sua escolha e maneira de utilização.

Palavras chaves: ciências da educação, epistemologia, aprendizagem, Bachelard, livros escolares. 

Abstract 

This article deals with an epistemological study of the content about water, present in seven didactic books of science for sixth grade, approved by the National Program of the Didactic Book 2017, in Brazil. The importance of book analysis based on epistemologi­cal obstacles is highlighted, bearing in mind that they can represent an impediment to the construction of knowledge, which hinders the teaching-learning process. However, when identifying obstacles, they allow changes in the perspective of both the teacher and the student regarding the content studied, and contribute to the improvement of science education. Our objective was to study if exist or not epistemological obstacles about water contents on didactic books, taking into account that it is an important resource in the classroom to guide teaching processes. The research had qualitative character, based on content analysis, where we showed the presence of the obstacle of quantitative knowledge in the seven books studied, which also present other ob­stacles proposed by Bachelard. The substantial obstacle appears in six into seven books analyzed, while the obstacle by general knowledge is shown in six books. The verbal obstacle in three books, but the obstacles about the first experience, pragmatic, realist and animist, are presented each one on a paper. Investigations about epistemological obstacles facilitate advances in students and teacher’s education, and in turn, highlight the concern about resources commonly used in the teaching-learning process. Particu­larly, this kind of research stimulates reflections about how and why to choose didactic books to improve classes developing.

Keywords: education science, epistemology, learning, Bachelard, school books.

Resumen 

El presente artículo aborda un estudio epistemológico del contenido sobre el agua, presente en siete libros didácticos de ciencias para sexto grado, que fueron aprobados por el Programa Nacional del Libro Didáctico 2017 en Brasil. Se resalta la importancia del análisis de libros a partir de los obstáculos epistemológicos, teniendo en cuenta que pueden representar un impedimento para la construcción del conocimiento, lo cual dificulta el proceso de enseñanza/aprendizaje. Sin embargo, cuando estos son identificados, posibilitan cambios en la perspectiva tanto del profesor como del estu­diante respecto al contenido estudiado, y contribuye al mejoramiento de la enseñanza de las ciencias. Nuestro objetivo fue evidenciar si existe o no obstáculos epistemoló­gicos sobre el tema del agua en los libros didácticos, teniendo en cuenta que es uno de los recursos más utilizados en el aula para orientar la enseñanza en las escuelas. La investigación tuvo carácter cualitativo, basándose en el análisis de contenido, en donde evidenciamos la presencia del obstáculo del conocimiento cuantitativo en los siete libros estudiados, que también presentan los demás obstáculos propuestos por Bachelard. El obstáculo sustancialista se encontró en seis de siete libros analizados, mientras el obstáculo por conocimiento general fue encontrado en cuatro obras; el obstáculo verbal se observó en tres, y los obstáculos de experiencia primera, uni­taria y pragmática, realista y animista fueron evidenciados en una obra cada uno. Los estudios relacionados con los obstáculos epistemológicos deben considerarse un camino que facilita avances en la formación de alumnos y profesores, y a su vez resaltan la preocupación sobre los recursos utilizados en el proceso de enseñanza/ aprendizaje, específicamente la reflexión sobre los criterios de elección y uso del libro didáctico, posibilitando la reflexión en cuanto a su elección y forma de utilización.

Palabras clave: ciencias de la educación, epistemología, aprendizaje, Bachelard, libro de escolaridad. 


Introdução

A organização didática do ensino brasileiro é orientada pela Lei de Diretrizes e Bases da Edu­cação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB 9.394/96), ela estabelece a finalidade da educação no Brasil e como deve estar organi­zada, visando proporcionar a todos uma educa­ção inicial para o exercício da cidadania. Mesmo sendo muitas as mudanças ocorridas nas leis que regem o ensino no Brasil, a educação básica, de qualidade deve ser garantida pelas esferas fede­rais, estaduais e municipais em que, cada um, com suas responsabilidades, devem proporcionar todo apoio e incentivo necessário à promoção da educação para todos.

A formação básica oferecida nas escolas deve ter o intuito de capacitar os cidadãos para aprender o domínio da leitura, da escrita, do cálculo, da com­preensão do meio natural, social, político, tecno­lógico, cultural e de valores (KRASILCHIK, 2000). A educação nos anos iniciais e finais do ensino fundamental possui papel importante na vida dos educandos, onde estes aprendem valores, a convi­ver em sociedade, a adquirir habilidades, conhe­cimentos e a enxergar possibilidades e condições favoráveis para o seu desenvolvimento.

No que tange o ensino de Ciências, sua meta é preparar o cidadão para pensar sobre questões que exigem um posicionamento e, portanto, despertar seu senso crítico, instigando-o a buscar conheci­mento, a desenvolver competências e responsabi­lidades e refletir sobre suas ações (SANTOS et al. 2011; TRIVELATO, SILVA, 2011). Esta meta não é fácil de ser alcançada, exigindo um trabalho coletivo visando novas técnicas e metodologias de ensino para alcançar bons resultados.

Para que ocorram mudanças no ensino de Ciên­cias, uma necessidade emergencial está na postura epistemológica do professor, sendo este, um media­dor e construtor de conhecimentos, estabelecendo relações e reflexões que visam contribuir para uma aprendizagem significativa dos educandos (SCHEI­FELE et al. 2014). É de fundamental importância a participação ativa do aluno, questionando, argumentando e construindo seu conhecimento frente a um novo conceito ou informação.

São muitas as estratégias utilizadas pelo professor para tornar o ensino mais atrativo e tentar facilitar a compreensão do conteúdo desenvolvido em sala de aula. Diante dessas estratégias, estão as analogias e metáforas, que são meios comparativos para explicar algo mais complexo e que muitas vezes, podem ser utilizadas de forma equivocada, ocorrendo a falta de compreensão do fenômeno por parte do educando (GOMES, OLIVEIRA, 2007).

Analogias e metáforas são na maioria das vezes, utilizadas com a intenção de facilitar a compreensão de um determinado assunto ou conteúdo, no entanto, é preciso utilizá-las de maneira organizada e sistematizada para que não ocorra a assimilação de noções inadequadas, ou fora de contexto por parte dos educandos, sendo que desta maneira, podem resultar na constituição de obstáculos epistemoló­gicos que dificultam a construção do conhecimento científico (BACHELARD, 1996).

Entre os epistemólogos das ciências, Gaston Bachelard em seu livro “A formação do espírito científico”, faz um alerta para os perigos da má utilização de analogias e metáforas como recurso ou método de ensino de Ciências e estabeleceu a noção de obstáculo epistemológico para a formação do conhecimento científico, sendo esses obstáculos relacionados com a concepção de ruptura entre o conhecimento sensível ou do senso comum e o conhecimento científico.

Tendo em vista que no contexto educacional brasileiro, professores de ciências e de diversas ou­tras disciplinas utilizam em sala de aula o livro di­dático como um recurso essencial para promover o processo de ensino-aprendizagem dos alunos, ANDRADE, ZYLBERSZTAJN, FERRARI (2000) aler­tam que é preciso ter cuidado com as analogias, metáforas, imagens e modelos que se encontram presentes nestes livros.

Nesse contexto em que articulamos a questão metodológica, o livro didático e seus usos, bem como a epistemologia subjacente aos conteúdos, torna-se relevante uma análise dos obstáculos epis­temológicos avaliando se encontram presentes ou não nos livros, tendo em vista que estes são um dos recursos mais utilizados em sala de aula e que devemos levar em consideração que uma distorção dos conteúdos neles apresentados pode ocasionar problemas de aprendizagem e assimilação de con­ceitos importantes.

Dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula no ensino de Ciências selecionamos o tema água, que nos livros didáticos é trabalhado com mais frequência nas séries finais do Ensino Fundamen­tal, especificamente no sexto ano. E é diante da importância deste recurso fundamental para a existência da vida, que se torna necessário com­preender como é apresentada nos livros, qual a visão retratada, os conceitos e conhecimento abor­dados, as habilidades a serem desenvolvidas pelos educandos, se há presença ou não de obstáculos epistemológicos que podem distorcer alguns con­ceitos e dificultar a construção do conhecimento científico dos alunos.

Sendo assim, apresentamos na sequência uma análise geral sobre o ensino de ciências destacan­do alguns de seus objetivos e perspectivas, e sobre o tema água as competências a serem alcançadas e qual o conhecimento que se deve ter a respeito deste tema, sempre destacando sua importância. 

1. O ensino de Ciências e o tema água

Segundo KRASILCHIK (2000), o atual modelo curri­cular presente na maioria dos cursos de graduação e também dos cursos de ensino fundamental e mé­dio, ainda são baseados na mera reprodução dos conhecimentos e apesar dos debates e pesquisas o currículo tradicional ainda permanece nas escolas brasileiras. Nesse modelo, o ensino de Ciências ain­da é caracterizado pela transmissão e memorização das informações no qual o professor apresenta o conteúdo escolar de forma expositiva, considerando o aluno um sujeito passivo e receptivo, realizando tarefas sem que haja questionamentos a respeito do que lhe foi ensinado.

Para SANTOS et al. (2011), o ensino de Ciências necessita permitir ao aluno responsabilizar-se pelo seu próprio desenvolvimento intelectual, tornando-se capaz de fazer questionamentos, reflexões e raciocinar sobre o mundo, formando assim um indivíduo que saiba buscar, analisar e discutir o conhecimento que está sendo construído.

Nessa perspectiva, o ensino de Ciências deve ter como objetivo, estabelecer as condições para que o aluno possa identificar problemas por meio de observações de um fato e conseguir levantar hipóteses ou suposições sobre ele, trabalhando de forma a tirar suas próprias conclusões de maneira crítica e responsável (BRASIL, 1998).

SILVA, TRIVELATO, em 1999, já ressaltavam que no ensino de Ciências o livro didático era um material de apoio bastante utilizado nas práticas pedagógicas, em muitos casos, usado de maneira exclusiva. Muitas vezes, o livro é o único veículo estruturado de acesso aos conhecimentos científi­cos disponíveis aos alunos e que acaba norteando o ensino em salas de aula, mesmo que, por muitas vezes, não corresponda aos anseios pedagógicos dos professores.

Como aponta MEGID NETO, FRACALANZA (2003) muitos professores deixaram de usar o livro didático como um manual, utilizando-o ainda como material para desenvolvimento de atividades em sala de aula ou como apoio bibliográfico comple­mentar na prática escolar, para desenvolvimento e planejamento de aulas, para leitura dos alunos e do próprio professor, notando-se assim certa mudança na forma de utilização do livro didático.

Os livros didáticos são ainda muito utiliza­dos em sala de aula como principal material de apoio e pensando nisso, SANTANA, SOUZA, SHUVARTZ (2012) destacam que o livro didático é apenas um recurso que auxilia no desenvolvi­mento da aula, o autor ressalta que o professor como mediador do conhecimento tem o papel de avaliar e escolher os livros, bem como, utilizá-los da melhor maneira possível, de preferência como um material de apoio em conjunto com outros recursos didáticos. 

Segundo GOMES, SILVA (2014), o livro didático se constitui de uma ferramenta importante para o ensino, devido a sua fácil acessibilidade e dispo­nibilidade, além de ser um material de pesquisa e amparo ao professor na preparação e desenvolvi­mento das aulas, sendo também utilizado como uma fonte de estudo para os alunos.

Por outro lado, SILVA, TRIVELATO (1999) afirmam que o livro detém um conhecimento simplificado e resumido ao nível do aluno, trazendo informações, conforme relata o autor, “prontas” para o consumo. Neste sentido, não permite que o educando consiga por si só refletir e questionar informações necessárias à construção do seu conhecimento, muito embora, o livro didático possa facilitar a prática dos professo­res quanto ao conteúdo a ser desenvolvido em sala de aula, ele requer uma maior atenção no sentido de como ele está contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem dos alunos.

MEGID NETO, FRACALANZA (2003) argumen­tam que os conteúdos apresentados nos livros di­dáticos muitas vezes apresentam o conhecimento científico como sendo uma verdade absoluta e des­vinculada do contexto histórico, social e cultural dos educandos e que apesar das várias mudanças ocorridas ao longo do tempo, não modificou o tra­tamento dado aos conteúdos presentes nele e que remetem a um conhecimento científico apresenta­do como uma verdade, que uma vez determinada, sempre será verdade, sustentando assim a visão positivista de ciência.

Para BRASIL (2016), os livros didáticos estão a todo momento passando por reformulações e atualizações frente as temáticas emergenciais, no que tange so­bre as questões sociais, de saúde e meio ambiente despertando novas maneiras de ensinar e aprender, sendo que, devem aparecer como instrumentos de apoio, de problematização, estruturação de conceitos, uma fonte de pesquisa para estudantes e professores.

Existem atualmente três programas governamen­tais que são voltados ao livro didático, sendo eles: o Programa Nacional do Livro Didático para o ensino fundamental (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). Uma vez inscritos no PNLD e aprovados em avaliações pedagógicas os materiais são distribuídos pelo MEC às escolas públicas da educação básica. As coleções didáticas aprovadas passam a integrar o Guia de Livros Didáticos que trazem uma descrição dos requisitos para avaliação e uma resenha da obra, sendo assim um instrumento que auxilia na definição do livro, que é disponibili­zado tanto para às escolas como para toda sociedade no site do MEC, contudo a escolha acaba sendo feita apenas pelos professores, coordenadores e diretores das escolas (OTALARA, 2008).

Diante da importância que os livros didáticos possuem no contexto da prática docente em sala de aula e que por muitas vezes acaba sendo o único material de apoio ao qual professores e alunos têm acesso, este artigo tem como objetivo realizar uma análise dos obstáculos epistemológicos do conteúdo água nos livros didáticos do PNLD 2017, buscando saber quais os conhecimentos sobre o tema estão sendo apresentados em livros didáticos de Ciências da Natureza voltadas para o sexto ano do ensino fundamental, e aprovadas na última edição do Pro­grama Nacional do Livro Didático-PNLD 2017.

Dentre temas trabalhados em sala de aula no ensino de Ciências no 6º ano do Ensino Fundamen­tal, destacamos a água, por ser uma temática que está presente no cotidiano dos alunos, tendo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que trata-se de um documento com caráter normativo, que será referência obrigatória para orientar na elaboração dos currículos da educação básica, indicando os conhecimentos e competências que se espera que os estudantes desenvolvam ao longo das etapas e modalidades da educação (BRASIL, 2016).

Com relação à temática água, conforme BRASIL (2016), as competências a serem alcançadas são sobre reconhecer a importância da água para a ma­nutenção da vida no planeta, a presença e ausência de água, os estados físicos, ciclo hidrológico, usos da água na agricultura, geração de energia, equilíbrio dos ecossistemas, problemas decorrentes do uso da água, qualidade e potabilidade da água, entre outros. 

Tendo em vista os avanços proporcionados por meio do conhecimento científico e tecnológico, torna-se importante refletir sobre construção da Ciência e suas implicações nos aspectos econômi­cos, políticos e sociais para compreender de que maneira esta tem contribuído para a formação do cidadão (CEDRAN et al. 2017). Quando se trata de temas relacionados ao cotidiano dos alunos, estes permitem maiores discussões e apontamentos que contribuem para o processo de ensino. 

2. Epistemologia bachelardiana e obstáculos epistemológicos

Um dos eixos norteadores da obra de Gaston Bache­lard, em “A formação do espírito científico”, são os conceitos de obstáculos epistemológicos que estão relacionados com a quebra entre o conhecimento científico e o conhecimento do senso comum e que “pode ser estudada no desenvolvimento his­tórico do pensamento científico e na prática da educação” (BACHELARD, 1996, p. 21). Além do conceito de obstáculos epistemológicos, Bachelard também ressalta o conceito de ruptura, sendo este uma descontinuidade entre o conhecimento comum e conhecimento científico (JUSTINA, 2011).

Os obstáculos epistemológicos, entendidos como barreiras à apropriação do conhecimento científico, estão fundamentados na experiência primeira, no obstáculo verbal, no conhecimento geral, unitário e pragmático, no obstáculo substancialista, realista, animista, no uso abusivo de imagens usuais e no conhecimento quantitativo (ANDRADE, ZYLBERS­ZTAJN, FERRARI, 2000).

Experiência primeira: segundo BACHELARD (1996, p. 29), “na formação do espírito científico, 
o primeiro obstáculo é a experiência primeira”, onde esta é “colocada antes e acima da crítica”. Para STADLER et al. (2012), quando se faz uma releitura do conceito para o estudante, este é um obstáculo relacionado com conhecimento já adquirido pelo aluno sobre os temas estudados, ou seja, como suas ideias e explicações baseadas no senso comum en­tendem os fenômenos.

Conhecimento geral: para BACHELARD (1996, p. 69), “Nada prejudicou tanto o progresso do conhe­cimento científico quanto a falsa doutrina do geral, que dominou de Aristóteles a Bacon, inclusive, e que continua sendo, para muitos, uma doutrina fun­damental do saber”. O conhecimento geral fornece mesma resposta a todas as questões, são respostas vagas, seguras e gerais seja a qualquer questiona­mento (SANTOS, 1998). Falar sobre um tema específico, como no caso da água, apenas abordando que esta passa por transformações sem explicar de fato como estas ocorrem na natureza, não exemplifi­cando o fenômeno em questão, caracteriza-se como um conhecimento vago sobre o assunto, fazendo com que o aluno saiba que a água passa por trans­formações, no entanto, não compreendendo como isso ocorre e quais transformações seriam estas, que neste caso envolvem transformações físico-químicas e que envolvem o ciclo contínuo da água.

Obstáculo verbal: Para BACHELARD (1996, p. 27) o obstáculo verbal é tido como “a falsa expli­cação obtida com a ajuda de uma palavra explica­tiva” onde, conforme o autor é atribuído a algumas palavras um poder mágico de explicação. Segundo SANTOS (1998), são utilizados em algumas situa­ções pedagógicas termos do senso comum, para tentar facilitar a compreensão do fenômeno cien­tífico, estabelecendo-se como barreira ao ensino formal das Ciências. Ao tentar facilitar a compreen­são do fenômeno por parte do aluno, alguns termos como água pura são utilizados em referência para uma água potável, por exemplo, não se atentando a estabelecer que a água é uma mistura de vários elementos.

Conhecimento unitário e pragmático: explana-se na procura do caráter utilitário de um fenômeno como princípio de uma explicação única e direta, sem fazer relação com outros contextos (SANTOS, 1998). Geralmente a água é vista por seu aspecto utilitário, destacando seus usos em diferentes seg­mentos como indústria, comércio, agricultura e utilidades domésticas, se atentando a vê-la apenas diante de sua importância econômica e necessidade perante seu consumo. 

Substancialista: o substancialismo se alterna do interior para o exterior, buscando no profundo jus­tificativas do evidente. “É constituído por intuições muito dispersas e até opostas” (BACHELARD, 1996, p. 121). Quando tenta-se explicar um fenômeno de forma simplificada, em que os objetos são conhe­cidos por meio da função que desempenham e de suas qualidades superficiais e evidentes (LOPES, 1993). É comum ao abordar o tema água, atribuir a ela características como doce ou salgada, não explicitando que trata-se de uma mistura de vários elementos.

Realismo: é caracterizado por manter preso o pensamento na observação ou no dado primeiro, bloqueando assim as informações que podem con­tribuir para a formação do conhecimento científico (SCHEIFELE et al. 2014). Ao se ter a visão de que a água é apenas um recurso de uso pessoal, não evidenciando sua importância para a manutenção da vida não só humana, mas de todos os seres existentes no planeta.

Animismo: este obstáculo explica-se numa ten­dência de modo ingênuo para animar, atribuir vida e muitas vezes características humanas para objetos inanimados. No ensino de Ciências, o obstáculo ani­mista compõe-se como uma dificuldade à apropria­ção dos conceitos científicos (SANTOS, 1998). Ao conceder vida a água, como por exemplo dizer que a água viva que corre pelos rios, acaba por ofuscar a compreensão deste elemento ao supervalorizar a vida, não se atentando a explicar que ela é fun­damental para a vida como componente essencial para diversas reações metabólicas que os seres vivos realizam, mas que esta, por si só não possui vida.

Conhecimento quantitativo: BACHELARD (1996, p. 259) afirma: “A grandeza não é automaticamente objetiva, e basta dar as costas aos objetos usuais para que se admitam as determinações geométricas mais esquisitas, as determinações quantitativas mais fantasiosas”. Há maior preocupação com a mensu­ração do que com a realidade que permeia o objeto.

Sendo assim, conforme LOPES (1993) torna-se necessário a análise dos obstáculos epistemológi­cos no campo da Educação de forma a contribuir para a superação dos obstáculos epistemológicos que podem ser vistos como entraves que acabam impedindo construção do conhecimento científico por parte do educando.

Nesse sentido, faz-se pertinente estender a análi­se dos obstáculos epistemológicos a recursos como os livros didáticos, tendo em vista que são bastante utilizados em sala de aula e buscando entender como alguns temas relacionados ao cotidiano dos alunos, como por exemplo, o tema água, encontra­-se presente nos livros didáticos. O conhecimento destes obstáculos evidenciados anteriormente po­dem auxiliar no entendimento de como ocorrem à construção de um determinado conceito e apontar as razões pelas quais encontramos dificuldades em desenvolver um modelo adequado para explicar fenômenos da ciência, neste caso tratando-se do tema água, como este deve ser apresentado para que proporcione ao aluno uma aprendizagem e com­preensão dos fenômenos que a permeiam. Diante disto, na sequência apresentamos algumas consi­derações sobre o ensino do tema água na disciplina de Ciências. 

3. Ensino do tema água

Vista como um elemento vital para a humanidade, a água já foi objeto de veneração e temor em que se criavam mitos e símbolos para explicar as forças da natureza. Assim, as civilizações antigas, por meio de experiências se organizavam em torno das bacias hidrográficas e costas marítimas (PITERMAN, GRECO, 2005). Foi possível escrever a história ao longo do tempo, criar culturas e hábitos mediante a presença ou ausência de água (BACCI, PATACA, 2008).

A água tem importância básica para a manuten­ção da vida no planeta, sendo assim, ao nos referir­mos a ela estamos ao mesmo tempo nos referindo a nossa sobrevivência bem como a conservação e equilíbrio da biodiversidade (BACCI, PATACA, 2008). Segundo OLIVEIRA (2008), a água é um recurso natural essencial a todas as atividades humanas e demais organismos vivos, sendo um fator de equi­líbrio dos ecossistemas. 

Estando a água tão presente em nosso dia-a-dia, destaca-se a necessidade de se realizar discussões que visam proporcionar a conscientização em re­lação à preservação deste recurso tão importante para a manutenção da vida.

Espera-se também que os alunos possam reco­nhecer a importância, por exemplo, da água, em seus diferentes estados, para a agricultura, o clima, a preservação do solo, a geração de energia elétri­ca, a qualidade do ar atmosférico e o equilíbrio dos ecossistemas (BRASIL, 2016, p. 277).

O conhecimento sobre o tema água deve estar pautado desde o reconhecimento da porcentagem de água presente nos seres vivos, onde conforme TUNDISI, TUNDISI (2011) dentre as necessidades humanas com relação à água, temos em primeiro lugar a demanda fisiológica, onde cerca de 60% a 70% de nosso peso corporal é constituído por moléculas de água que atua como solvente e con­tribui para o desenvolvimento de nossas funções metabólicas.

Outro conhecimento sobre o tema bastante pre­sente em livros didáticos é o de que a água é uma substância constituída por dois átomos de hidrogê­nio e um de oxigênio e que pode ser encontrada na natureza em três estados físicos: líquido, sólido e gasoso e é por meio desses diferentes estados físicos que ela forma um ciclo o qual é conhecido como ciclo hidrológico (OTALARA, 2008).

Para MICELI, FREIRE (2014), ao ser trabalhada a temática água na sala de aula, esta pode apresentar várias interfaces, exigindo assim uma interdiscipli­naridade entre diferentes áreas do conhecimento, pois ao envolver a gestão das águas, por exemplo, 
o tema deixa de ser somente um conteúdo de Ci­ências e passa a relacionar-se com questões como a química da água, o ciclo hidrológico, a porcen­tagem de água nos seres vivos entre outros, como também assume uma dimensão política e social.

A água é um recurso natural essencial à exis­tência e manutenção da vida, ao bem estar social e ao desenvolvimento socioeconômico. No Brasil, a promoção de seu uso sustentável vem sendo pau­tada por discussões nos âmbitos local, regional e nacional, na perspectiva de se estabelecerem ações articuladas e integradas que garantam a manutenção de sua disponibilidade em condições adequadas para as futuras gerações (BRASIL, 2006).

Diante dos diversos usos da água e da utiliza­ção cada vez maior dos recursos hídricos, cresce as preocupações relacionadas não apenas com sua quantidade, mas principalmente com sua qualida­de. Vale ressaltar que inicialmente sua utilização era restrita ao consumo doméstico e a criação de animais e que atualmente, devido ao seu uso di­versificado, ela torna-se cada vez mais disputada (POLETO, GONÇALVES, 2012).

Para analisar como este tema se apresenta nos livros didáticos e se os conhecimentos sobre ele podem ou não configurar-se de obstáculos episte­mológicos para o ensino e aprendizagem dos alu­nos, apresentamos na sequência os procedimentos metodológicos norteadores desta pesquisa. 

4. Procedimentos metodológicos

O presente artigo consiste em uma pesquisa bibliográfica e de reflexões epistemológicas so­bre o tema água. O pressuposto metodológico fundamenta-se na pesquisa de caráter qualitativo. FLICK (2009 p. 20) aponta a pesquisa qualitativa como sendo “de particular relevância ao estudo das relações sociais devido à pluralização das es­feras da vida”.

Para FLICK (2009), os aspectos fundamentais de uma pesquisa qualitativa consistem na escolha apro­priada de teorias e métodos; identificação e análise de perspectivas diferentes; reflexões a respeito da pesquisa por parte dos pesquisadores como sendo parte do processo de produção do conhecimento; e na diversidade de métodos e abordagens. 
Sob esse pressuposto, foram selecionados sete livros didáticos dentre os treze aprovados pelo Pro­grama Nacional do Livro Didático (PNLD/2017) de Ciências do 6º ano do Ensino Fundamental no qual a temática água é abordada. A descrição de todos os livros aprovados pelo PNLD/2017 é apresentada no Apêndice 1. 

Para escolha dos livros analisados, seguimos os seguintes critérios: ano de edição que deve ser refe­rente ao ano de 2015 e editoras diferentes, no caso de livros da mesma editora foi selecionado apenas um deles, a critério dos autores. A Tabela 1 apresenta os livros selecionados para análise.

A partir da escolha dos livros, as unidades refe­rentes ao tema água foram submetidas à análise de conteúdo, em que foram realizadas leituras preli­minares (análise flutuante) das unidades/capítulos e/ou partes que abordam o tema água.

A análise de conteúdo, conforme BARDIN (1977) é um método que envolve um conjunto de técni­cas de análise das comunicações entre os seres humanos, dentre elas, a da linguagem escrita, por que estas são mais estáveis e constituem um material objetivo, sendo aperfeiçoado constantemente o qual podemos consultar quantas vezes forem necessárias.

Para facilitar a discussão dos resultados, identi­ficamos os livros conforme apresentado na Tabela 1, com códigos, sendo Obra 01 referente ao livro 01, Obra 02, referente ao livro 02 [...] até a Obra 07 referente ao sétimo livro analisado. 

5. Resultados e discussões 

A interpretação dos dados envolveu o aprofunda­mento da análise buscando desvelar a presença de obstáculos epistemológicos nos fragmentos selecio­nados na etapa anterior para análise, com base na Tabela 2 apresentada na sequência.

Na Tabela 2, estão os resultados da pesquisa bi­bliográfica e de reflexões epistemológicas sobre o tema água realizadas nos sete livros didáticos com o intuito de indicar alguns dos possíveis obstáculos epistemológicos presentes nas obras.

Na Obra 01 de Eduardo Canto, Ciências natu­rais -Aprendendo com o cotidiano, o tema água é abordado na Unidade C: Água e sua importân­cia, em dois capítulos, sendo o Capítulo 7. A água: bem precioso e Capítulo 8. Contaminação da água. Os dois capítulos apresentam o conteúdo na visão antropocêntrica, direcionado para a água como recurso que atende as atividades humanas. Essa característica desencadeia uma série de obstáculos à aprendizagem do aluno, como, por exemplo, o próprio título do Capítulo 7 – “Água: bem precioso” (p. 91), já representa um obstáculo realista ao repre­sentá-la como um recurso da sociedade e não do meio, este obstáculo pode dificultar a construção do conhecimento científico já que conforme STADLER et al. (2012) o aluno se contenta com a explicação concreta bloqueando informações que são impor­tantes para sua formação, como neste caso, o fato da água estar presente em todos os organismos vivos e participando de reações metabólicas essenciais, tanto humanas, como em vegetais auxiliando no seu crescimento e desenvolvimento.

O primeiro capítulo deste livro inicia com o uso da água que só se refere à utilidade humana, como por exemplo, usos domésticos, industriais, agrícolas e na geração de energia. Sendo este um conhecimento a ser desenvolvido com os alunos, este pode desencadear um obstáculo pragmático, levando-o a interpretar a água apenas sob o ponto de vista utilitarista, e ainda apenas em relação às atividades humanas e não em todas as relações entre meio e biodiversidade onde segundo ANDRADE, ZYLBERSZTAJN, FERRARI (2000) não se relacionam outros contextos e se refere apenas aos seus aspec­tos utilitários como princípio de uma explicação sobre o fenômeno. 

O segundo capítulo referente ao tema, enfoca apenas a poluição da água e sua consequente ge­ração de doenças também relacionadas aos seres humanos. O livro não aborda os conteúdos: ciclo hidrológico e estados físicos, que conforme BRASIL (2016) são conteúdos importantes e que devem ser trabalhados com os alunos para que os mesmos desenvolvam habilidades referentes a aplicação dos conhecimentos sobre as mudanças de estado físico da água para explicar o ciclo hidrológico e analisar suas implicações na agricultura, no clima, na gera­ção de energia, no provimento de água potável e no equilíbrio dos ecossistemas regionais (ou locais).

Ainda com relação à Obra 01, ela aborda ques­tões relacionadas aos usos da água, sua poluição, captação e distribuição, citando questões relacio­nadas à como a água chega até nossas residências, abordando a importância da economia da água e dizendo que a água “[...] pode se esgotar nas épocas sem chuvas” (p. 102) não se atentando a explicar sobre o ciclo hidrológico e os estados fí­sicos da água, sem uma explicação científica para esses fenômenos, podendo levar a um obstáculo no pensamento do professor ou do aluno, não eviden­ciando o movimento contínuo que a água realiza e seu processo de transformação na natureza. Esta falta de explicação de como os fenômenos ocorrem é caracterizado conforme BACHELARD (1996) como obstáculo do conhecimento geral, um conhecimento vago, sem explicações científicas de como aconte­cem os fenômenos.

A Obra 02 traz o tema em sua Unidade 2: Água: substância vital. Abordando os conteúdos em três capítulos: 1. A água no ambiente e nos seres vivos; 2. Água uma substância fundamental; 3. A impor­tância da água para a saúde humana. Este livro, diferente da Obra 01, aborda a água no ambiente e nos seres vivos englobando plantas, animais, não se reportando somente ao ser humano. Descreve os estados físicos e ciclo da água, sua importância e utilidades. No primeiro capítulo o livro atribui qualidade a água “[...] água salgada dos oceanos e mares” (p. 56) evidenciando um obstáculo subs­tancialista ao elencar qualidades a água, nos quais a água salgada seria referente a grande quantidade de sais dissolvidos nesta e água tida como doce na realidade seria aquela que possui menor concentra­ção destes sais. Pela quantidade e aprofundamento do tema nesta obra não evidenciamos a presença de outros fatores que podem caracterizar a constituição de obstáculos epistemológicos.

Na Obra 03, intitulada Ciências Novo Pensar, o tema água encontra-se na Unidade 4: A água, estando dividida em cinco capítulos, Capítulo 11. Existência e composição da água; Capítulo 12. A água na natureza; Capítulo 13. Propriedades da água; Capítulo 14. Água potável e saneamento bá­sico; Capítulo 15. Água e saúde. O referido livro didático não apresenta maiores considerações sobre a importância da água no equilíbrio dos ecossiste­mas. Atribui características a água “água salgada” 
(p. 190) e “água doce” (p. 190), assim como a Obra 02. Quanto aos usos da água na agricultura, não detalha como estes ocorrem, apenas apresenta um texto intitulado “Falta de água ameaça segurança alimentar dos brasileiros” (p. 219) ressaltando a diminuição da produção agrícola em decorrência da falta de chuvas em algumas regiões, mas não detalha a importância que a água tem para o de­senvolvimento das plantas, apresentando no início da unidade a informação de que “Numa planta a água geralmente representa 80% do organismo” (p. 167), caracterizando um obstáculo do conhe­cimento geral, não abordando que é por meio de suas raízes que a planta consegue absorver grandes quantidades de água dentre outros elementos que são essenciais ao seu desenvolvimento e manuten­ção de suas atividades metabólicas.

Este livro também apresenta o termo “água vir­tual” (p. 173), que foi empregado para denominar a água utilizada para fabricação de diversos produ­tos, sendo então aquela que de certa maneira não é contabilizada ou percebida por não ser diretamente consumida como, por exemplo, a água utilizada para consumo nas residências. O termo pode ca­racterizar-se como obstáculo verbal, já que faz uso de analogias para exemplificar os fatos, o que para Bachelard (1996) ocorre com a finalidade de facilitar a compreensão de uma estrutura, mecanismo ou determinado fenômeno natural, mas que pode levar a formação de ideias confusas ou errôneas acerca de um conhecimento.

Na Obra 04, Companhia das Ciências, a temática está na Unidade 4: A água na natureza, compre­endendo oito capítulos. Capítulo 15. A água nos seus estados físicos; Capítulo 16. O ciclo da água; Capítulo 17. Água: solvente universal; Capítulo 18. Pressão da água; Capítulo 19. A água nos seres vi­vos; Capítulo 20. Poluição da água; Capítulo 21. Saneamento básico; Capítulo 22. As doenças e a água. Neste livro, assim como na Obra 03, o termo “Água virtual” (p. 159) é utilizado, o que represen­ta um obstáculo verbal, em que conforme LOPES (1996), a não atenção para com o novo sentido de um termo pode se constituir como um obstáculo à compreensão do conhecimento científico. O livro também atribui características a água classificando ela como “água salgada” (p. 174) e “água doce” (p. 174), assim como a Obra 02 e 03, evidencian­do um possível obstáculo substancialista. O livro ainda aborda o tema “Água: solvente universal” (p. 170), não é explicitado que ela não é o único solvente existente, ocorrendo assim uma falta de informação de parte do conhecimento científico representando um obstáculo do conhecimento ge­ral, onde conforme CARVALHO FILHO (2006) esse obstáculo não permite que o sujeito tenha a noção exata do fenômeno em estudo, neste caso o livro ressalta que “Dada a importância de dissolver um grande número de substâncias, a água é chamada de solvente universal” (p. 171), porém não aponta exemplos de outros elementos que também conse­guem dissolver substâncias. 

A Obra 05, Para viver juntos - Ciências da natu­reza, o tema encontra-se em 3 capítulos: Capítulo 1. Água: estados físicos e propriedades; Capítulo 2. Água e os seres vivos; Capítulo 3. A água na na­tureza. O Capítulo 1 inicia abordando os estados físicos da água e suas propriedades e apresenta um obstáculo substancialista ao atribuir qualidade à água, no texto apresenta-se como “substância tão conhecida e valiosa” (p. 20). Ao decorrer do livro o autor aborda o termo “Água virtual: ela está em tudo que você consome” (p. 76) como evidenciado também nas Obras 03 e 04 e o termo “O planeta tem sede” (p. 66), caracterizando um obstáculo verbal, que para BACHELARD (1996) é visto como uma explicação falsa alcançada com auxílio de uma palavra explicativa, neste caso o planeta não tem sede, sendo esta uma característica fisiológica dos seres vivos que nele habitam, sendo também caracterizado como um obstáculo animista, assim como em outro trecho deste mesmo livro em que aborda o ciclo da água e ao final, utiliza a frase “A água superficial alimenta as nascentes dos rios [...]” (p. 26), ofuscando a compreensão deste elemento ao supervalorizar a vida, não se atentando a explicar que ela é fundamental para a vida como compo­nente essencial para diversas reações metabólicas que os seres vivos realizam, mas que, por si só não possui vida. 

A Obra 06, Ciências, aborda o tema em duas unidades, Unidade 1. Água no ambiente, contando com o Capítulo 1. A água na Terra; Capítulo 2. Ciclo e propriedades da água. Unidade 2. Água – Trata­mento e saúde, trazendo o Capítulo 1. Qualidade da água; Capítulo 2. Usos da água. Ao abordar o tema qualidade de água, o autor refere-se à água potável como “água límpida” (p. 38), o qual conforme LO­PES (1993) indica um obstáculo substancialista, em que os objetos são caracterizados conforme a função que desempenham e também de acordo com suas qualidades sejam elas superficiais ou evidentes. O livro aborda as propriedades da água e apresenta qualidade a ela empregando o termo “água pura” (p. 24), porém, ele explica em uma nota de rodapé que a água pura se refere a “água que não apresenta sais minerais, outras substâncias ou partículas mis­turadas” (p. 24). 

Na Obra 07 o tema encontra-se na Unidade 3: A água no ambiente, sendo dividido em três capí­tulos: Capítulo 12. A água e a vida; Capítulo 13. A água e seus estados físicos; Capítulo 14. Tratamento de água e de esgoto para todos. No livro o autor retrata que “a água é invisível” (p. 154), o que pode gerar um obstáculo substancialista. MELZER et al. (2009) ressaltam que o obstáculo substancialista apresenta-se nos livros didáticos quando aspectos da aparência são enfatizados o que causa a abstração do aluno em relação a determinado fenômeno, no caso da água, dando a entender que trata-se de algo oculto, despercebido ou imperceptível.

Ao final da unidade, este livro, apresenta um ca­pítulo falando sobre a importância do tratamento da água e de esgoto, porém não aborda as doenças que podem estar relacionadas a esta questão, podendo assim representar um obstáculo do conhecimento geral, em que conforme SANTOS (1998), seria um conhecimento vago que não traz informações mais completas sobre o assunto em questão. Ao decorrer do livro, o autor apresenta um texto com o título “A crise da água” (p. 180), sendo assim um obstáculo de experiência primeira, onde faz surgir a ideia de medo da falta de água sem explicar os motivos ou razões para tal fato, STADLER et al. (2012), aponta que este conhecimento está apoiado no senso co­mum, aquele já adquirido pelo aluno e não apre­senta reflexões sobre o fenômeno permanecendo assim apenas as impressões primeiras sobre ele.

Todos os livros analisados apresentam o obstá­culo do conhecimento quantitativo, em que, sen­tem a necessidade de apresentar a representação da quantidade de água disponível por meio de um gráfico de setores, no qual constam as porcentagens relacionadas a quantidade total de água disponível no mundo e a quantidade que está disponível para consumo. Buscam com essas representações e nú­meros, uma forma de enfatizar que a água disponível para o consumo é pequena quando comparada ao total de água que se encontra disponível no mundo e que, no entanto, não serve para consumo humano e que assim, essa necessidade de quantificação e representação, pode gerar um impacto logo que se recebe esta informação, trazendo reflexões, angús­tias e medo perante uma possível falta de água, por esta se encontrar em quantidade tão baixa.

Diante da noção dos obstáculos epistemológicos propostos por Gaston Bachelard, sendo estes o ali­cerce para a interpretação dos resultados discutidos anteriormente e frente a presença deles nas sete obras analisadas, enfatizamos que o processo para a construção do conhecimento científico deve ser objeto de reflexão, inclusive no que diz respeito às práticas e recursos utilizados em sala de aula que merecem devida atenção. Sendo assim, na sequên­cia apresentamos as considerações finais alcançadas por meio desta pesquisa. 

6. Considerações finais

Tendo em vista a importância que a água possui para a manutenção do planeta e da vida existente nele, discussões em torno dessa temática devem estar presentes no contexto educacional fazendo parte do cotidiano dos alunos e para isso a escola tem um papel fundamental nas questões relacionadas à água e recursos hídricos.

Sabendo que o livro didático é um recurso muito utilizado nas salas de aulas e que com o presente trabalho pode-se observar a presença de obstácu­los epistemológicos nos livros se fazem necessárias pesquisas relacionadas ao seu uso e a maneira como os conteúdos estão nele abordado.

O obstáculo do conhecimento quantitativo foi encontrado em todos os livros didáticos analisados nesta pesquisa, em que, foi possível perceber, a importância dada à mensuração da quantidade de água disponível no mundo mais do que a própria realidade que permeia o objeto, não deixando claro de quanto se trata, por exemplo, em litros, essa por­centagem apresentada, distanciando-se da vida dos estudantes, dificultando um maior entendimento do assunto, remetendo à falsa impressão de que a água disponível para consumo, por estar em quantidade pequena se comparada com o total disponível no mundo, pode assim, acabar a qualquer momento.

A maioria dos livros, também apresentam os obstáculos substancialistas, nos quais atribuem qua­lidades a água, como doce, salgada, pura, límpida, em alguns pode ser constatado a presença de obs­táculos verbais, em que abordam o termo “água virtual” como forma de se referir a quantidade de água utiliza direta ou indiretamente em alguns pro­dutos que consumimos. 

O obstáculo de conhecimento geral pode ser observado em alguns livros, ao evidenciar a água como único solvente universal ou relatando que a água passa por transformações, embora não explica os processos que envolvem estes fenômenos, apre­sentando somente informações mais superficiais sobre ela.

Com o exposto temos que, é importante a análi­se de livros quanto aos obstáculos epistemológicos presentes que podem ser um entrave à construção do conhecimento dificultando o trabalho em sala de aula, conforme afirma Bachelard (1996), no entanto quando estes são identificados podem colaborar para uma mudança na postura tanto do professor quanto do aluno em relação ao tema discutido em sala e contribuir para a melhoria do ensino de Ciências.

Estudos de obstáculos epistemológicos de Gaston Bachelard devem ser encarados como um modo de permitir avanços na formação de alunos e professores alertando para a maior preocupação com o processo de ensino-aprendizagem, possibilitando reflexões a fim de promover a construção de con­ceitos e aquisição de conhecimentos necessários à sua formação enquanto cidadão. Para tal, se faz necessário maiores discussões a respeito da esco­lha dos livros didáticos nas escolas, trocas de ex­periências entre professores relacionadas à prática docente, incentivo a pesquisa leituras e discussões relacionadas aos obstáculos epistemológicos. 


7. Referências Bibliográficas

ANDRADE, B. L.; ZYLBERSZTAJN, A.; FERRARI, N. As analogias e metáforas no ensino de ciências à luz da epistemologia de Gaston Bachelard. Revista Ensaio, Belo Horizonte, v. 02, n. 02, pp. 182-192. 2000.

BACCI, D. C.; PATACA, E. M. Educação para a água. Estudos Avançados, São Paulo- SP, v. 22, n. 63, pp. 211-226. 2008.

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhe­cimento. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Contraponto. Rio de Janeiro: Brasil. 1996. 316 p. Tradução de: La formation de l’espirit scientifique: contribution a une psychanalyse de la connaissan­ce. Paris/FRA: Librairie Philosofique J.Vrin, 1938.

BARDIN, L. Análise de conteo. Edições 70 Ltda. Lisboa: Portugal. 1977.

BRASIL, LDB. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB Lei nº 9394/96. 1996.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Pa­râmetros Curriculares Nacionais: Ciências Na­turais. Brasília. 1998. 138 p.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretária de Recursos Hídricos. Caderno setorial de re­cursos hídricos: indtria e turismo. Brasília. DF: MMA. 2006. 80 p.

BRASIL. Ministério da Educação. PNLD 2017: ciên­cias - Ensino fundamental anos finais. Ministério da Educação – Secretária de Educação Básica – SEB – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Brasília, DF. 2016. 115 p.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Co­mum Curricular: Proposta preliminar. Segunda versão revista. Brasília: MEC, 2016. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_publicacao.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2017.

CARVALHO FILHO, J. E. C. Educação científica na perspectiva bachelardiana: Ensino enquan­to Formação. Revista ENSAIO – Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte- MG, v. 08, n. 01, 2006.

CEDRAN, D. P. et al. (2017). A natureza da Ciência e o erro: reflexões sobre o conto “Ótima é a Água” por alunos de Ensino Médio. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, Bo­gotá D.C., v. 12, n. 1, pp. 43-56. 2017. DOI: 10.14483/udistrital.jour.gdla.

FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. Tra­dução Joice Elias Costa. 3.ed. Artemed. Porto Alegre: Brasil. 2009.

GOMES, H. J. P.; OLIVEIRA, O. B. Obstáculos epis­temológicos no ensino de ciências: um estudo sobre suas influências nas concepções de átomo. Ciências & Cognição, Rio de Janeiro- RJ, v. 12, pp. 96-109. 2007. 

GOMES, M. F.; SILVA, L. A. Análise do conteúdo ecologia no livro didático considerando os es­tatutos do conhecimento biológico. V Enebio e II Erebio Regional. Revista da SBEnBio, São Paulo- SP, n. 7, pp. 5799-5805. 2014.

JUSTINA, L. A. D. Investigação sobre um grupo de pesquisa como espaço coletivo de formação inicial de professores e pesquisadores de bio­logia. 238 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências, Uni­versidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, 2011.

KRASILCHIK, M. Reformas e realidade: o caso do ensino das ciências. São Paulo em Perspectiva, v. 14, n. 1, 2000.

LOPES, A. R. C. Livros Didáticos: Obstáculos Verbais e Substancialistas* ao Aprendizado da Ciência. R. Bras. Est. Pedag., Brasília, v. 74, n. 177, pp. 309-334. 1993.

LOPES, A. R. C. Potencial de Redução e Eletrone­gatividade: Obstáculo verbal. Química Nova na Escola, São Paulo- SP, n. 4, pp. 21-23. 1996.

MEGID, J. N.; FRACALANZA, H. O livro didático de ciências: problemas e soluções. Ciência & Edu­cação, Bauru- SP, v. 9, n. 2, pp. 147-157. 2003.

MELZER, E. E. M. et al. Modelos Atômicos nos Livros Didáticos de Química: Obstáculos à aprendi­zagem? In: ENCONTRO NACIONAL DE PES­QUISADORES EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS. Florianópolis - SC. 2009.

MICELI, B.; FREIRE, L. Água e sociedade: o que abor­dam os livros didáticos do ensino fundamental? In: IV ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE E DO AMBIENTE. Niterói - RJ. 2014. 12 p.

OLIVEIRA, V. M. B. O papel da Educação Ambiental na gestão dos recursos hídricos: Caso da Bacia do Lago Descoberto/DF. 141 f. Dissertação (Mes­trado) Departamento de Geografia, Universidade de Brasília. UnB-GEA. Brasília, 2008.

OTALARA, A. P. O Tema Água em Livros Didáticos de Ciências de primeira a quarta séries do En-sino Fundamental. 130 f. Dissertação (Mestra­do) Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista - UNESP. Rio Claro, 2008.

PITERMAN, A.; GRECO, R. M. A água seus caminhos e descaminhos entre os povos. Revista APS, Juiz de Fora- MG, v. 8, n. 2, pp. 151-164. 2005.

POLETO, C.; GONÇALVES, J. C. I. Recursos hídri­cos. v. 2. Editora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Uberaba: Brasil. 2012. 112 p.

SANTANA, A. N. V.; SOUZA, L. N.; SHUVARTZ, M. Análise do tema água em livros didáticos de ciências do ensino fundamental. In: XVI ENDI­PE - ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICAS DE ENSINO. UNICAMP, Campinas - SP. 2012.

SANTOS, A. C. et al. A importância do ensino de ciências na percepção de alunos de escolas da rede pública municipal de Criciúma – SC. Re­vista Univap, São José dos Campos-SP, v. 17, n. 30, pp. 68-80. 2011.

SANTOS, M. E. V. M. Mudança conceptual na sala de aula: um desafio pedagico. Horizonte. Lisboa: Portugal. 1998.

SCHEIFELE, A. et al. A presença de obstáculos epis­temológicos no desenvolvimento do conteúdo de fotossíntese para alunos do ensino funda­mental. In: POLINARSKI, C. A.; LIMA, B. G. T.; CARNIATTO, I. (Org.) Reflexs e Experiências no Contexto do Ensino por Investigação: PIBID/ Biologia – UNIOESTE. Evangraf/ UNIOESTE. Porto Alegre: Brasil. pp. 105-128. 2014.

SILVA, R. M., TRIVELATO, S. L. F. Os Livros Didáticos de Biologia do Século XX. In: II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, Bauru, v. 2, 1999.

STADLER, J. P. et al. Análise de obstáculos episte­mológicos em livros didáticos de química do ensino médio do PNLD 2012. HOLOS, Natal-RN, ano 28, v. 2, pp. 234-243. 2012.

TRIVELATO, S. F.; SILVA, R. L.F. Ensino de Ciên­cias. 1. ed. Cengage Learning. São Paulo: Brasil. 2011. 135 p.

TUNDISI, J. G.; TUNDISI, T. M. Recursos hídricos no século XXI. Oficina de Textos. São Paulo. 2011. 328 p.