DOI: 10.14483/udistrital.jour.gdla.2016.v11n1.a5

O CÉU NOTURNO COMO CENÁRIO DO TEMPO: UMA POSSIBILIDADE PARA O ENSINO DE ASTRONOMIA

The Night Sky as Weather Scenario: a Possibility for Astronomy Education

Laryane Alves de Alcântara1

Alessandra Alexandre Freixo2

Cómo citar este artículo:Alcântara, L.A y Freixo, A.A. (2016). O céu noturno como cenário do tempo: uma possibilidade para o ensino de astronomia. Góndola, Enseñ Aprend Cienc, 11(1), 70-85. doi: 10.14483/udistrital.jour. gdla.2016.v11n1.a5

Recibido: 3 de septiembre 2015 / Aceptado: 15 de junio de 2016


1 Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Feira de Santana, Brasil. laryannealves@hotmail.com.

2 Doutora em Ciências Sociais; Professora Adjunta, Departamento de Educação, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Feira de Santana, Brasil. aafreixo@hotmail.com.

2 Doutor em Educação - Docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino da Universidade Estadual do Norte do Paraná - Campus de Cornélio Procópio. Correio eletronico: rudolphsantos@uenp.edu.br


Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar quais as contribuições de uma investigação estatística, composta de atividades contextualizadas, para o ensino e a aprendizagem de Estatística nos anos finais do Ensino Fundamental. Com a intenção de alcançar o objetivo proposto, foi adotada a metodologia de ensino por investigação contemplando os conteúdos básicos de Estatística em uma turma de alunos do 9° ano do Ensino Fundamental de um colégio, da rede privada, de um município do Norte do Paraná, Brasil. Os resultados do desempenho dos alunos foram analisados sob a abordagem qualitativa de analise de conteúdo que permitiu evidenciar a contribuição da intervenção realizada para que houvesse um aprendizado significativo em relação aos conteúdos básicos de Estatística e no desenvolvimento das competências estatísticas.

Palavras chave: ensino de astronomia, narrativas míticas, escola família agrícola.

Abstract

This paper aims to analyze the contributions of a statistical research composed of contextualized activities, for teaching and learning statistics in the final years of elementary school. To achieve the proposed objective, we adopted the methodology of teaching by research, covering the statistics’ basic contents in a class of students from 9th grade of elementary school, in a particular school of a northern city of Parana, Brazil. Results regarding students’ performance were analyzed under a qualitative approach based on content analysis, which allowed highlighting the intervention contribution: those students had a meaningful learning regarding statistic basic contents and the development of statistical skills.

Keywords: astronomy teaching, mythic narratives, family farm school.


Introdução

Ensinar ciências requer, a um só tempo, o conhecimento sobre os conteúdos científicos e o conhecimento sobre o modo como os aprendizes atribuem significados ao que está sendo ensinado, o que inclui desde a adoção de determinada metodologia de ensino, passando pelas questões de motivação e envolvimento dos alunos, chegando até a formação de valores que irão nortear a vida prática (BRASIL, 1998).

Ao se colocar na base da ciência, a Astronomia fez sentir sua influência em praticamente todos os ramos do conhecimento científico. Mas assim como grande parte dos conteúdos de ciência, a Astronomia sofreu uma fragmentação. Com essa diluição, tanto o ensino da Astronomia, como também o próprio professor, foram prejudicados.

Apesar das constelações não possuírem a expressiva significação que tinham na Antiguidade, o interesse dos jovens pelo Universo parece ser uma herança de povos antigos, que desde tempos mais remotos se interrogavam sobre esse imenso cenário que nos encontramos. Aproveitando esta curiosidade dos estudantes, incitar o estudo dos fenômenos e corpos celestes pode ser de fundamental importância para motivar o aprendizado de ciências, associando a Astronomia a outras áreas da Ciência.

Grandes centros urbanos, ou até mesmo cidades com muita iluminação, são prejudicados quando a atividade é observar o céu noturno. Dessa maneira, trabalhar com observação de astros apenas visíveis à noite se torna uma limitação para a escola tradicional, que possui período de aula diurno. Locais mais distantes desses centros, ou seja, com pouca luminosidade, são ideais para esse tipo de atividade; dessa maneira, Escolas Família Agrícola (EFA) são privilegiadas no ensino de Astronomia, quando o assunto é estudar as estrelas, as constelações, a lua, enfim corpos celestes apenas visíveis no período noturno, pois sua localização facilita a observação. É sob essa perspectiva que procuramos desenvolver oficinas de Astronomia junto a estudantes do ensino fundamental de uma EFA do semiárido baiano, tendo como foco as narrativas míticas das constelações, de modo a avaliar como estas podem contribuir para uma melhor compreensão de noções cientificas que envolvem as constelações e estações do ano.

Diante de uma problemática relacionada ao ensino de ciências, particularmente o ensino de Astronomia, que dentre as Ciências, é abordada de maneira fragmentada e pouco relacionada ao cotidiano dos educandos, procuramos estimular os estudantes a conhecerem as histórias dos povos antigos, olhando para o céu e observando algumas constelações, e incentivando-os a representarem sua imaginação, sua cultura para criar um mito e motivá-los para a compreensão da interação que pode existir entre o ensino de Astronomia, as estações do ano e o campo.

Traçaremos aqui alguns dos resultados de uma oficina que realizamos com os estudantes, no intuito de propor a inserção das narrativas míticas das constelações como um recurso para o ensino de Astronomia no contexto da educação do campo. Para melhor compreensão dos resultados obtidos, nos lançaremos inicialmente a um breve debate sobre os principais referenciais nos quais nos baseamos para desenvolver tal estratégia didática, bem como aos referenciais que dispomos para compreender o contexto no qual estão inseridos os sujeitos dessa pesquisa.

A “nebulosa” do saber rural: Educação do Campo e as Escolas Família Agrícolas (EFA)

É de fundamental importância salientar a razão principal pela qual nasceram as ideias de uma Educação do Campo. A luta pela terra e a conquista dos assentamentos construíram um território, onde se desenvolvia uma nova realidade, que são os assentamentos rurais; a partir daí, os trabalhadores sem-terra perceberam que era possível construir uma nova escola, mesmo quando muitos diziam ser impossível, criaram a escola da terra, onde se desenvolveria uma educação voltada para o campo (FERNANDES, 2004). Esta luta passa então a fortalecer o campesinato no Brasil, expandindo-se para além dos assentamentos rurais, seu nascedouro, a partir da organização do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), alcançando adeptos na luta por uma educação de qualidades em outras comunidades que representam a agricultura camponesa no Brasil (FERNANDES; MOLINA, 2005).

A busca por melhorias na educação dos povos do campo é contínua e deriva, de acordo com Caldart (2003), de tensões, lutas sociais, organizações e movimentos de trabalhadores e trabalhadoras da terra, que estão em busca de novos olhares, por parte do Estado e da sociedade, para o campo e seus sujeitos. As diversas articulações e mobilizações da população rural através de suas organizações e movimentos sociais são uma maneira de reagir ao processo de exclusão social, reivindicando novas políticas públicas que garantam não apenas o acesso à educação, mas, fundamentalmente, a construção de uma escola e de uma educação do campo, que tem conquistado lugar na agenda política nas instâncias municipal, estadual e federal nos últimos anos (SILVA, 2008).

Considerando que existe uma necessidade de que a educação do campo seja específica e contextualizada com a realidade dos sujeitos do campo, inicialmente devemos enfatizar o processo de formação humana, em que ocorra uma construção de referências culturais e políticas para a interferência das pessoas e dos sujeitos sociais na realidade (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004). Nesse sentido, os conhecimentos povos do campo devem ser valorizados, de modo que o este ultrapasse seu papel como lugar do trabalho agrícola, mas principalmente se torne lugar de convívio e de recriação de identidades, que possibilitem ao sujeito do campo sua reprodução social. São essas as principais bandeiras de luta dos movimentos sociais, que se constituem como sujeitos coletivos que, organizados, buscam e produzem a educação do campo (GUHUR; SILVA, 2009).

O movimento “Por uma Educação do Campo” idealiza o campo como espaço de vida e resistência, onde camponeses lutam por acesso e permanência na terra e para edificar e garantir um modus vivendi

que respeite as diferenças quanto à relação com a natureza, com o trabalho, sua cultura, suas relações sociais. Esta concepção educacional não está sendo construída para os trabalhadores rurais, mas por eles e com eles (FERNADES; MOLINA, 2005, p.9).

Neste contexto de luta por uma educação do campo, inserem-se as experiências das Escolas Famílias Agrícolas, cujo projeto formativo pauta-se na Pedagogia da Alternância (PA). Esta tem suas origens na década de 50, a partir de experiência pedagógica de agricultores e religiosos franceses, insatisfeitos com o contexto excludente da educação oferecida aos povos do campo. Estes sujeitos coletivos organizados no seio da Igreja Católica passam então a lutar por uma educação formal que atendesse às necessidades formativas dos agricultores, por meio de uma formação integral, que alternasse a educação no meio escolar à formação no meio familiar, visando não apenas uma formação técnica visando as atividades agrícolas, mas que possibilitasse o pleno desenvolvimento dos jovens rurais, partindo das experiências concretas dos estudantes (TEIXEIRA; BERNATT; TRINDADE, 2008).

O projeto metodológico da PA consiste em, alternar um período educacional na escola e outro na família/comunidade, na busca da articulação entre teoria e prática. Para a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (UNEFAB, 2011, p.1 e 2),

a Pedagogia da Alternância está embasada no princípio de que a vida ensina mais que a escola, por isso o tempo escolar é alternado e integrado com o tempo familiar. O trabalho e as experiências sociais no meio integram o currículo, constituem os conteúdos vivenciais básicos da ação educativa da EFA. A Pedagogia da Alternância acredita na experiência coletiva como elemento da verdadeira aprendizagem, uma aprendizagem crítica e dialética. É uma proposta que busca a socialização do saber, a valorização da cultura popular, bem como o diálogo para um aprofundamento científico e aprimoramento desses saberes em vista da transformação do meio.

No Brasil, essa experiência teve inicio em 1969, no estado do Espírito Santo e atualmente são diversas as experiências de educação escolar que utilizam a PA como método, constituindo as Escolas Família Agrícola (EFAs) e as Casas Familiares Rurais (CFRs) as experiências mais conhecidas, sendo essas duas experiências denominadas como Centros Familiares de Formação por Alternância -CEFFAs (TEIXEIRA; BERNATT; TRINDADE, 2008). Os CEFFAs, apesar de suas especificidades e diferenças,

são experiências educativas que têm como princípio norteador de sua prática educativa a pedagogia da alternância. Tal princípio repousa sobre a combinação, no processo de formação do jovem agricultor, de períodos de vivência no meio escolar e no meio familiar. Buscando articular universos considerados opostos ou insuficientemente interpenetrados – o mundo da escola e o mundo da vida, a teoria e a prática, o abstrato e o concreto – a alternância coloca em relação diferentes parceiros com identidades, preocupações e lógicas também diferentes: de um lado, a escola e a lógica da transmissão de saberes e, de outro, a família e a lógica da agricultura familiar (SILVA, 2009, p. 270).

De acordo com a UNEFAB - União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil, algumas características são comuns as EFAs, a) Uma associação responsável, incluindo todos os aspectos: econômicos, jurídicos e administrativos; b) uma metodologia pedagógica específica, alternando períodos no ambiente escolar e momentos no ambiente familiar comunitário; c) formação integral, na qual ocorre o compromisso com uma formação escolar, como parte da realidade e das necessidades dessas famílias; d) desenvolvimento local, destacando o fortalecimento da agricultura familiar e inserção profissional e empreendedora dos jovens no meio rural.

Para atender a essa problemática, Baptista (2003) propõe que uma escola rural deve atender alguns modelos de suma importância, entre esses, enfatizamos para nossa pesquisa, um modelo de escola que excite a construção de novas formas de conhecimentos e que estes, possam interagir com o conhecimento que as famílias possuem, além disso, a prática educativa deve exceder as paredes da escola, promovendo o encontro com diversos espaços pedagógicos existentes e disponíveis, seja nas propriedades rurais, nas comunidades, nas roças, ou seja, quaisquer ambientes que ultrapassem as barreiras físicas da escola tradicional.

As “estrelas alfa” do ensino: Astronomia e ciências

Em se tratando do ensino de Ciências Naturais, esse tem sido orientado por diferentes propostas educacionais, que se sucedem ao longo das décadas como elaborações teóricas e que, de diversas maneiras, se expressam nas salas de aula. Ainda hoje muitas práticas são fundamentadas apenas na transmissão de informações, na qual os professores recorrem quase exclusivamente a aulas expositivas e ao livro didático; por outro lado, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) já apontam para inovações pedagógicas que tem possibilitado avanços, mesmo que tímidos, na aprendizagem das ciências no nível fundamental de ensino.

No que tange ao ensino das ciências para o ensino fundamental, a apreensão do mundo pelas crianças é dada muito em seu aspecto concreto, e em seu envolvimento emocional com o assunto (CAVASSAN et al., 2008), sendo uma das tarefas mais importantes do educador, mostrar ao educando a relevância daquilo que vai ser o assunto ou trabalho a ser desenvolvido

Há décadas a educação brasileira vem sendo analisada intensamente e conduzida a tentativas de reformulação no que diz respeito aos métodos utilizados pelos professores em sala de aula. Recentemente, a interatividade é uma ação que se mostra bastante promissora, principalmente para jovens e crianças. (BECKER; STRIEDER, 2011).

Dentre as metas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN s) de Ciências Naturais, encontra-se a apresentação das Ciências como elaboração humana para a compreensão do mundo, além disso, a valorização do conhecimento historicamente acumulado, considerando o papel de novas tecnologias e o embate de ideias nos principais eventos da história da Astronomia até os dias de hoje. Por outro lado, cabe ao professor criar situações para promoção do aprendizado e proporcionar ao aluno uma melhor compreensão do mundo em que vive, por meio das relações científicas e momentos históricos inseridos nos acontecimentos.

Algumas atividades podem ser utilizadas pelos professores da área das Ciências como estratégias didáticas como, por exemplo, aulas expositivas, discussões, demonstrações, aulas práticas de laboratório, entre outras, porém a atividade de campo pode constituir uma excelente alternativa metodológica que permite explorar múltiplas possibilidades de aprendizagem dos alunos, desde que bem planejada e elaborada (VIVEIRO; DINIZ, 2011).

No que diz respeito ao ensino de Astronomia, os PCN trazem a importância do processo de observação devendo ser incentivada a observação do céu noturno devidamente orientada pelo professor de ciências. A observação do Céu deu inicio àcontagem de tempo, sendo sua história antiga. Seus precursores perceberam que havia uma regularidade enorme nos céus e que o que acontecia no céu afetava o que ocorria no seu meio ambiente, para os PCN, essa aproximação com a história antiga da Astronomia deve ser transmitida, e incentivada,

Os estudantes devem ser orientados para articular informações com dados de observação direta do céu, utilizando as mesmas regularidades que nossos antepassados observaram para orientação no espaço e para medida do tempo, o que foi possível muito antes da bússola, dos relógios e do calendário atual, mas que junto a eles ainda hoje organizam a vida em sociedade em diversas culturas, o que pode ser trabalhado em conexão com o tema transversal Pluralidade Cultural. Dessa forma, os estudantes constroem o conceito de tempo cíclico de dia, mês e ano, enquanto aprendem a se situar na Terra, no Sistema Solar e no Universo. (BRASIL, 1998, p.40)

Entretanto, no ensino de Astronomia, bem como no contexto mais amplo do ensino de ciências é possível perceber uma nítida fragmentação e descontextualização dos saberes da ciência escolar, o que se trona uma grande barreira para a aprendizagem dos estudantes. Como asseguram Langhi e Nardi (2008), esta descontextualização está enraizada nos próprios docentes, em que o conhecimento parece ser em grande parte marcado por diversas noções de origem conceitual, extraídas da ciência, só que, em geral, elas parecem ser veiculadas e assimiladas de maneira descontextualizada. Contudo, deve e pode ser enfatizada a contextualização para todos os níveis escolares e adotada uma postura construtivista, em que a atividade do próprio aluno na construção e estabelecimento das relações seja o primordial, respeitando, o nível de desenvolvimento dos estudantes.

Contextualizar os temas relacionados à Astronomia, parece algo que gera obstáculos, principalmente para os professores. Langhi e Nardi (2005) asseguram que existem brechas na formação desses profissionais, e isso leva a uma grande dificuldade para sua atuação em sala de aula. A análise do histórico geral do ensino de Astronomia aponta, que, gradualmente essa ciência tem se mostrado insuficiente no curso de formação de professores, consequência de um maior afastamento dos conteúdos a ponto de praticamente inexistir no currículo desses profissionais no ensino fundamental.

Cristina Leite (2007) defende que as dificuldades no corpo educador para lidar com o conhecimento astronômico é resultado de uma formação insuficiente, em decorrência do tema não ter feito parte do seu currículo escolar, além da ausência de material didático adequado e de qualidade, em especial o livro texto. Existe ainda o receio em levar o assunto para a sala de aula e não suprir as expectativas dos estudantes, por conta do abuso midiático a eventos fantasiosos que se distanciam profundamente dos fatos astronômicos reais sobre o Universo e que aguçam a curiosidade dos educandos sobre esse tema.

Para Scarinci e Pacca (2006), seria simples usar do interesse dos jovens por fenômenos celestes para instigar o ensino da Astronomia, consequentemente da Ciência, sendo o papel do professor se valer dessa curiosidade para incentivar o aluno. Esses autores afirmam ainda que

O interesse presente no senso comum de modo geral nos mostra que os indivíduos não só querem conhecer melhor os fenômenos astronômicos, mas também têm explicações pessoais para o que ocorre. Na escola é fácil ouvir crianças que já estudam Ciências (do currículo) explicações para as estações do ano, dia e noite, eclipses, estrelas e constelações, outros planetas, universo, etc.; são explicações que estão longe das aceitas cientificamente, mas que deverão evoluir para estas ao longo da aprendizagem. (SCARINI; PACCA, 2006, p.89)

A dimensão cultural da Astronomia pode auxiliar no reconhecimento de nossa ciência como um conhecimento historicamente construído como forma de compreender as visões de mundo de povos antigos e de outras culturas contemporâneas, além de conhecer os contextos culturais que envolvem a observação e utilização dos fenômenos astronômicos e seus efeitos sobre a sociedade e cultura estudada (ALBUQUERQUE et al., 2012).

O Céu como Cenário do Tempo: uma Possibilidade para o Ensino de Astronomia

Da curiosidade e necessidade em desvendar os mistérios dos astros, surgiu a Astronomia, uma atividade que influenciou os seres humanos a busca pelo mundo Científico. Surge então uma ciência milenar, a Astronomia.Nogueira (2009) define Astronomia como a ciência que estuda os corpos celestes, sendo essa, uma das mais antigas ciências e contrapondo ao que se pensa hoje sua origem e aprimoramento foi resultado não somente da fascinação natural que o firmamento proporcionava em dias de noite estrela, mas também e principalmente, das necessidades humanas no seu cotidiano.

As atividades humanas práticas demandavam, por exemplo, controle de passagem do tempo. Surge nesses povos antigos a necessidade de uma marcação, Alguns povos antepassados marcavam o início de cada estação do ano com admirável precisão. As mudanças de temperatura, a época das chuvas e a variação no desenvolvimento de plantas e nos hábitos dos animais eram relacionadas ao fato cíclico de algumas estrelas sumirem” em algumas épocas do ano enquanto outras surgiam. Esses conhecimentos foram muito importantes para os primeiros povos agrícolas, pois sinalizando a chegada das estações, as colheitas podiam ser mais bem planejadas e mais eficientes. (BRASIL, 1998, p.92)

Com o nascer e por do sol demarcavam o dia e a noite, com as fases da lua e número de planetas demarcavam as semanas. Os movimentos da lua ainda fizeram com que nossos ancestrais percebessem seu ciclo de cerca de trinta dias, passando então a existir a noção de mês. Finalmente, olhando as estrelas em seu movimento aparente, se chegou ao conhecimento do ciclo do ano. Logo estava o tempo dividido, de certa forma, como o conhecemos hoje (demarcado em dias, semanas, meses e anos), e foi através dessa datação que agricultores, caçadores e etc, conseguiram identificar o momento exato para plantar e colher, qual era a melhor época para pesca, enfim, a prática do dia-a-dia se tornou cada vez mais clara. (NOGUEIRA, 2009).

A observação dos períodos do ano que ocorriam as mudanças climáticas foi importante para determinar alternância de local de caça e pesca, assim como identificar qual o momento de cultivo de alguns frutos. O homem foi capaz de compreender que os fenômenos astronômicos descreviam ciclos, e com isso elaborou calendários agrícolas apropriados na determinação da melhor época do plantio e da colheita, períodos de seca e de chuvas, do calor e do frio (LIMA, 2006).

A ação de observar o céu os levou a ver que as estrelas eram fixas, ou seja, sua posição parecia não mudar uma em relação a outra, mas mudavam sua posição no céu em períodos diferentes, isso levou os antigos a criarem imagem subjetivas denominadas constelações para melhor identificação do céu, a memorização dessas “produções fantasiosas”, se fez presente com o uso da narrativa mítica, ou seja, histórias de deuses e objetos eram associadas as figuras formadas por eles através da união das estrelas aparentes (NOGUEIRA, 2009).

Muito do que se conhece hoje sobre o céu, advém da observação a olho nu realizada minuciosamente no decorrer do tempo. A forma de ver o céu era própria de cada cultura, porém comumente o que ocorria eram associações dos corpos celestes com os acontecimentos da terra. Observar o céu a olho nu foi e ainda é uma maneira de integrar o ser humano ao cosmo e fazer com o que o conhecimento deixado por nossos antepassados nos crie uma sensação harmoniosa (SOBRINHO, 2008). O autor nos traz ainda um breve histórico das heranças que nos foram legadas:

assim, criaram, no céu, a morada dos deuses; associaram eventos da natureza, como eclipses e aparecimentos de cometas, a castigos divinos e deram explicações próprias para a criação do mundo, para eles, o universo. A olho nu identificaram estrelas e planetas, chamados de astros errantes, em função do movimento diferente destes com relação às estrelas. Assim, catalogaram estrelas e, através da imaginação associaram supostos agrupamentos de estrelas, que julgavam próximas, com fenômenos ou figuras legendárias, então criando, assim, as constelações. (SOBRINHO, 2008, p. 9)

A mitologia (estudo dos mitos) está inserida no cotidiano da maioria das crianças, seja em desenhos, filmes, livros, revistas ou internet, sendo uma herança de povos antigos como os babilônios, egípcios, gregos e romanos. Wuensche (2009) ressalta que,

O ato de olhar o céu e buscar simbolismos e associações é algo intrínseco ao ser humano e ocorre há milênios. Essa busca vem do tempo em que pouco se conhecia sobre o comportamento da natureza e no qual o animismo era uma tentativa de compreender e domesticar o desconhecido [...] A idéia de constelações também surgiu naturalmente, sendo que a idealização do que era “visto” no agrupamento de estrelas sempre sofreu uma forte influência da mitologia local. (p.25)

Para os povos antigos, o conhecimento dos mitos tinha uma função vital, não exclusivamente porque através dos mitos conseguiam explicações do mundo e do seu próprio modo de existir no mundo, mas, principalmente, era através dos mitos que eles podiam relembrar e se atualizar, reforçando e transmitindo o que os deuses, os heróis e os anciãos mais importantes haviam feito ou vislumbrado na antiguidade. (LEAL, 2011).

Contudo, para Oliveira (1996), atualmente o mito não é somente uma forma lendária de contar histórias, mas, também, é uma maneira de popularização da ciência que visa prender a atenção do espectador. Isso se mostra bem evidente durante nosso processo metodológico, através dos discursos dos estudantes, por nós chamados de “Narrativas míticas”.

Utilizar ferramentas que estão presentes no cotidiano dos discentes pode ser considerado um forte atrativo para fortalecer ou fazer brotar o interesse pela Ciência. Dessa maneira, a construção do conhecimento se torna mais divertida, pelo fato de

organizar atividades interessantes que permitem a exploração e a sistematização de conhecimentos compatíveis ao nível de desenvolvimento intelectual dos estudantes, em diferentes momentos do desenvolvimento. Deste modo, é possível enfatizar as relações no âmbito da vida, do Universo, do ambiente e dos equipamentos tecnológicos que poderão melhor situar o estudante em seu mundo. (BRASIL, 1998, p. 28)

No que tange à Astronomia, associar as constelações à mitologia zodiacal3, fortemente presentes no cotidiano dos jovens pode ser de fundamental importância para o entendimento das estações do ano. Assim, para Selles e Ferreira (2004),

[...] as representações das estações do ano nos livros didáticos brasileiros não retratam nossas características regionais. A ausência de clima temperado no Brasil, país localizado principalmente na região tropical, faz com que as quatro estações do ano ocorram em padrões distintos de países do Hemisfério Norte. Em linhas gerais, considerando as regiões geográficas brasileiras, podemos reconhecer apenas duas estações do ano no norte – seca ou chuvosa (respectivamente chamadas de verão e inverno) – e quatro estações do ano no sul, identificáveis principalmente pelas diferenças na temperatura e na duração do dia. (p. 102)

Para Sobreira (2005), a passagem das estações do ano é definida por fenômenos naturais de ordem astronômica, e para serem apreendidos e compreendidos, devem ser acompanhados, como faziam nossos antepassados. Os antigos utilizavam as constelações como referencia para identificar em que período climático eles estavam em determinada época, deixando essas representações como uma herança para os seus descendentes.

A situação da educação em Astronomia no Brasil mostra que é imprescindível despertar, nos professores e nos estudantes, a vontade de simplesmente olhar para o céu, resgatar o prazer de identificar constelações estelares e aproximá-los da mais antiga das ciências: a Astronomia. O uso de estratégias didáticas produzidas pelos próprios estudantes pode estimular a interação entre eles em torno de um dado conhecimento, a aula irá além do programa oferecido pelo professor e se estabelecerá em um ambiente de aprendizagem. (MUNHOZ; STEIN-BARANA; LEME, 2012)

Em relação aos estudantes, à contribuição que a escola poderia dar neste sentido, pode ser agravada pelo fato de que suas aulas ocorrem no período diurno, o que dificulta a realização de atividades monitoradas de observação do céu noturno (MUNHOZ; STEIN-BARANA; LEME, 2012). No contexto da educação do campo, e das EFA’s o ensino de Astronomia pode ser melhor explorado, e o uso das constelações visíveis a olho nu podem ser uma maneira de compreensão de diferentes assuntos da Ciência, como por exemplo, as estações do ano, que por muitas vezes são mal interpretadas pelos estudantes.

Assim, relacionar a Astronomia com temas que estão presentes no cotidiano dos alunos, é uma barreira importante que pretendo romper, para tanto usar das narrativas míticas das constelações, usando da imaginação e a criatividade dos estudantes é uma novo meio de compreender a ciência, mas que pode ser promissora, visto que como bem afirma Pietrecola (2007, p.13) as aulas de ciências devem ser ocasião para se retraçar os passos, para se reviveras emoções e sentimentos associadas aos atos de criação.

Metodologia

Para alcançar os objetivos desta intervenção utilizamos como metodologia a análise qualitativa. Segundo Rudio (2004), a investigação qualitativa busca “conhecer e interpretar a realidade, sem nela interferir para modificá-la” (p.69).

Dentre as formas de abordagem da pesquisa qualitativa, a pesquisa-ação é principalmente uma estratégia utilizada por professores e pesquisadores para que o resultado de sua pesquisa possa aperfeiçoar o ensino e consequentemente a aprendizagem dos discentes, contudo dentro da pesquisa-ação existem algumas variações. Neste trabalho utilizamos a pesquisa-ação participativa, em que, segundo Tripp (2006), os participantes estão envolvidos e cooperam com o trabalho.

A oficina de Astronomia foi desenvolvida no âmbito de um projeto de extensão, desenvolvido por professores de uma universidade baiana, em parceria com professores da Escola Família Agrícola Avani de Lima Cunha (Valente, BA).

A EFA-Valente apresenta uma proposta pedagógica pautada nos princípios da Pedagogia da Alternância, na qual os estudantes passam um determinado período de tempo em formação na escola (denominado sessão) e outro igual período em ambiente familiar. No caso da EFA de Valente, cada sessão tem duração de uma semana. No período noturno os estudantes participam de uma atividade, o Serão, que se constitui em um encontro de alunos e monitores em um tempo livre ao final do dia com vistas a refletir sobre temas diversos de interesses dos educandos, isso confere a nossa oficina uma interessante alternativa, visto que o período noturno é excelente para visualizar nosso objeto de estudo, as constelações.

Para facilitar a realização da oficina, organizamos a mesma em etapas que se totalizaram em quatro encontros. No primeiro momento de contato com os estudantes, no qual os educandos tiveram aproximação com alguns conceitos relacionados à Astronomia, principalmente as constelações zodiacais e seus mitos. Na etapa seguinte entregamos à turma um mapa celeste representando o céu noturno com as coordenadas de Valente-BA, município em que está situada a escola, no período em que realizamos a oficina, ou seja, no inverno. O referido mapa foi confeccionado a partir do Stellarium®, um planetário on-line de marca registrada, que mostra um céu realista em três dimensões, igualmente observado a olho nu, com auxilio de binóculos ou telescópios (STELLARIUM, 2013).

A partir deste mapa celeste, os estudantes foram distribuídos em grupos e incentivados a criar suas próprias constelação e elaborar histórias (narrativas míticas) sobre as constelações criadas.

Após essas duas etapas, no momento seguinte, os estudantes participaram de uma sessão de observação a olho nu do céu noturno de Valente, com o auxílio de um apontador celeste (uma espécie de laser point que auxilia na visualização e delimitação das estrelas e constelações), quando os participantes foram instigados a localizar algumas das constelações zodiacais criadas pelos antigos e buscar associações com as constelações que eles criaram. Os estudantes então socializaram suas constelações e as narrativas míticas criadas pelos mesmos.

Na quarta etapa e nosso último momento, os estudantes tiveram contato, através do Stellarium®, com o céu de outras estações do ano, em especial o verão. O Stellarium® nos permite explorar de maneiras diversas suas ferramentas, se tornando dessa maneira um excelente aplicativo, que mesmo não sendo desenvolvido para fins didáticos, como já mencionando anteriormente, pode superar as expectativas. Como afirmam Becker e Strieder, (2001), este recurso pode se tornar de grande valor para um estudo interdisciplinar em sala de aula, além de permitir a discussão de elementos da História da Ciência.

Para coleta e análise dos dados obtidos e elaboração dos resultados, utilizamos o áudio da intervenção, gravado em nossos encontros, a partir do qual realizamos transcrições fiéis das falas dos estudantes, bem como de todos os diálogos. Em seguida foram selecionados alguns trechos de nossas conversas, essenciais aos objetivos dessa pesquisa.

Iniciamos nossa conversa dialogando sobre alguns conceitos centrais da astronomia, tais como estrelas, planetas, satélites e a origem da ciência astronomia, O estudo da astronomia é sempre um começo para retornarmos ao caminho da exploração (BRASIL, 1998).

Buscamos inicialmente saber dos alunos se eles tinham noção do tempo de origem da Astronomia, então intervimos com a pergunta: Quando começou o interesse pelo céu? Através das respostas observamos que eles imaginavam ser de muito tempo atrás, mas a dimensão desse passado ainda não era claro na mente deles, isso pode estar associado a uma desinformação no ambiente familiar e até mesmo escolar, quando se estuda história, pouco ou nada se fala sobre os fatos científicos que determinaram a evolução das ideias dentro das civilizações. A fala dos estudantes nos leva a inferir que eles não compreendiam quão antiga era a ciência milenar Astronomia, sobretudo os eventos a ela relacionados.

“Há muitos anos”
“Sei não professora, mas acho que tem muito tempo não é não? Uns 100 anos atrás eu acho”.
“Tem mais tempo não é professora, uns 500 anos”.

Em continuidade a nosso dialogo, comentamos que o ato de olhar para o céu guia nossa imaginação e muitas vezes podem surgir dúvidas. A partir daí, lançamos o seguinte questionamento: “o que são todos aqueles pontinhos brilhantes no céu?” A esta questão todos responderam “estrelas”. Contudo, houve outras respostas que nos chamaram a atenção, afinal, para os estudantes e a população, em geral, não é uma tarefa fácil localizar as constelações em uma noite de céu estrelado (MUNHOZ, STEIN-BARANA e LEME, 2012).

“Não, são estrelas, mas tem também os cometas e meteoros”.
“E tem também os planetas e as constelações”

Iniciamos então um debate sobre as estações do ano, quando os estudantes puderam expor seus conhecimentos sobre o clima e as estações do lugar onde vivem e notamos a dificuldade que os estudantes apresentaram em associar o período do ano com as respectivas estações, fruto da própria observação que fazem do ambiente cotidiano, na medida em que o semiárido tem atravessado longos momentos de estiagem que ultrapassam o período de um ano, o que impossibilita a observação de estações demarcadas (seca e chuvosa).

Se, ao recorrerem à observação do clima, não conseguiam delimitar claramente as estações, os estudantes logo recorriam aos conceitos apresentados no livro didático de ciências, que pouco tem contribuído para sua compreensão do fenômeno das estações do ano, já que se apresenta muito descontextualizado, o que para Selles e Ferreira (2004), é o resultado de um processo construído sob influências histórico-culturais que terminaram por naturalizar esses conteúdos. Assim, as falas remetem de modo geral aos conceitos apresentados no livro:

“[O verão] é mais quente, meio nublado”
“[O inverno], é seco, mas às vezes chove.
“No outono as folhas caem”.

Como na Escola Família Agrícola os estudantes permanecem na escola ao longo de uma semana inteira, contamos com a possibilidade de uma observação mais ampla do céu, em períodos diversos do dia, contando não apenas com a observação das condições climáticas para um estudo das estações, mas podemos aliar a isto um olhar sobre o céu noturno e suas constelações, fator de grande valia, afinal como afirmam Munhoz, Stein-Barana e Leme (2012, p. 132), “a iluminação das cidades atrapalha a observação celeste noturna”.

Assim, após nossa primeira conversa com os estudantes, procuramos interligar os temas discutidos com algo novo para eles, ou seja, as mitologias das constelações zodiacais, buscando sua relação com o céu e com as estações do ano. Tudo era muito novo para eles, até mesmo as constelações mais conhecidas eles nunca tinham ouvido falar. Após narrar um pouco das histórias e lembrar-lhes da sua importância para os povos antigos, os estudantes expressaram um desejo de aprender mais sobre as constelações, como fica expresso na fala de um deles:

Tem importância sim porque ela é uma história sobre animais e objetos e pessoas que viraram constelações e é importante também para identificar as estações do ano.
E este foi o mote para iniciarmos uma nova etapa de nossa intervenção...

Depois dos Pontos Ligar, uma História Vou Contar

Na segunda etapa da oficina foram entregues aos participantes cópias do mapa celeste impresso em forma de fotografia do município de Valente-BA. Nele continha algumas das constelações mais conhecidas e fáceis de identificar a olho nu, tais como Escorpião, Virgem, Libra e Leão, que estavam figuradas de maneira semelhante quando observadas em uma noite estrelada. Ao entregar o mapa aos estudantes, relembramos de como surgiu a ideia de constelação e como os antigos usavam de sua imaginação para criar seres fantásticos a partir da união das estrelas que estavam próximas entre si. A olho nu esses antigos identificaram estrelas e planetas, chamados de astros errantes, em função do movimento diferente destes com relação às estrelas. Assim, catalogaram estrelas e, através da imaginação, associaram supostos agrupamentos de estrelas, que julgavam próximas, a fenômenos ou figuras legendárias, criando então as constelações (SOBRINHO, 2005).

Solicitamos, a partir desse debate em torno de como foram criadas as constelações pelos antigos, que os estudantes se imaginassem como esses povos, e que utilizassem de sua imaginação e suas crenças para montarem uma nova constelação, a qual eles iriam desenhar, dar nome e associar uma narrativa mítica, unindo os pontos luminosos no mapa celeste, que eles considerassem visíveis, de modo a formar desenhos que para eles fizessem sentido e pudessem ilustrar uma narrativa histórica criada por eles (que chamamos de narrativas míticas, de modo a nos aproximar, mesmo que de modo parcial, à compreensão a narrativas mitológicas relacionadas às constelações adotadas na Astronomia). O resultado desse trabalho nos rendeu três narrativas míticas, das quais apresentamos duas, visando uma maior aproximação das discussões que norteiam o tema Astronomia.

Dois estudantes que representaram seu grupo socializaram sua narrativa mítica do seguinte modo, tomando como base a constelação criada na Figura 01.

Há muitos anos atrás foi descoberta pela NASA uma constelação surpreendente que muitos duvidam até hoje de sua existência... Como um astrônomo ia imaginar uma constelação que é poluidora?
.. isso é inacreditável, mas depois de anos de estudos comprovaram para toda a humanidade sua existência. A Constelação do Foguete, que tem importância no seu gás para as estrelas não morrer tão cedo, brilhar para sempre.

No momento de narrar suas histórias, os estudantes recorrem aos assuntos e conceitos debatidos durante a primeira etapa de conversa, inserindo em sua narrativa noções relativas ao papel da Astronomia como ciência moderna, os avanços tecnológicos neste campo que possibilitaram o avanço nos conhecimentos astronômicos, o ciclo de vida das estrelas, bem como questões relativas aos seus conhecimentos prévios sobre questões ambientais referentes ao consumo de combustíveis fósseis, e poluição atmosférica.

Podemos também perceber essa aproximação dos conceitos apresentados na intervenção na fala da outra dupla, sua narrativa traz uma história que se apoia no que foi dito sobre as estrelas, como se criavam as constelações, e as mitologias antigas a elas relacionadas, essas que se fizeram presentes no momento da intervenção. Os estudantes atribuíram o nome de um dos heróis citados na primeira etapa da oficina. Como podemos notar na narrativa mítica do “Carro de Hércules” (Figura 02).

Era uma vez um carro muito especial ele foi o carro de Hercules e Hercules gostou muito dele. Um dia Hercules foi sair nele e quebrou ele todinho e ele pediu o seu pai Zeus que colocasse o carro nas estrelas.

Após o momento de socialização, os estudantes foram convidados a uma observação do céu noturno de Valente a olho nu. Neste momento, os alunos se motivaram ao se sentirem capazes de observar tanto as constelações apresentadas a eles no primeiro momento de nossa oficina. Apesar da dificuldade de encontrarem as constelações por eles criadas, devido ao fato de terem abarcado uma grande amplitude de estrelas no mapa celeste, os estudantes não se desmotivaram. Ao contrário, cada vez mais o céu se tornava um belo cenário para suas imaginações, a fascinação que possuíam ao identificar uma constelação era visível em cada um dos participantes.

Inverno e verão: é o mesmo céu?

No último dia da oficina, nos debruçamos novamente sobre o Stellarium® e conversamos sobre as mesmas constelações que eles observaram no dia anterior. No primeiro momento, conseguiram identificar facilmente a constelação de Escorpião. Boa parte dos estudantes afirmaram que se tratava do céu de inverno, “porque escorpião está aparecendo”. Assim, reconhecemos a relevância de se explorar o céu noturno como importante recurso no estudo das estações do ano, auxiliando os estudantes a avançarem seus conhecimentos sobre este assunto, para além dos conceitos que tradicionalmente se encontram nos livros didáticos, sua principal fonte de informações.

Com o propósito de apresentar aos estudantes as modificações que ocorrem no céu quando acontece uma alteração temporal, neste caso, evidenciando as diferenças de duas estações do ano inverno e verão, apresentamos a eles um mapa celeste de Valente no verão, por intermédio do aplicativo Stellarium®. Dessa maneira, ajustamos o programa para o dia 21 de dezembro, dia que oficialmente se inicia o verão. Vale ressaltar aqui, que que o recurso, em si, não necessariamente é uma ferramenta desenvolvida para o ensino de Astronomia; o que o torna um instrumental para o ensino é o olhar que se pode ter sobre ele.

Dentre as características comuns as EFA’s ocorre uma busca de se integrar a escola, a família e a comunidade, ou seja, o que é desenvolvido com os estudantes na escola é, sempre que possível, articulado com sua realidade social, com os seus familiares e com a comunidade em que vivem. No decorrer da intervenção, os estudantes mencionavam que quando chegassem a suas casas iriam mostrar as constelações que conseguiam identificar para seus familiares. Pedimos então que eles simulassem um momento de aproximação do que eles haviam achado interessante durante os dois dias de oficina com a comunidade. E assim o fizeram, retomando e socializando entre si grande parte dos conhecimentos apreendidos no decorrer deste período. É possível perceber a criatividade dos estudantes quando escrevem suas narrativas míticas, além disso, o tema Astronomia gera entusiasmo, visto que trabalhar esse tema de maneira mais profunda e diferente é algo novo no cotidiano desses estudantes.

Considerações Finais

Os conhecimentos astronômicos, tal como ocorre com outros campos do saber que constituem o currículo de ciências naturais, apresentam-se de modo bastante fragmentário, o que tem dificultado o processo de ensino e aprendizagem destes saberes, tão importantes como herança cultural da humanidade. Dada a relevância da apreensão destes saberes pelos estudantes, é fundamental que se desenvolvam estratégias alternativas ao seu ensino, que facilitem e aproximem conceitos complexos e aparentemente muitos distantes, do cotidiano do alunado, em especial no contexto da educação do campo.

A oficina apresentada neste trabalho se constituiu numa estratégia de ensino de Astronomia que buscou ampliar os conhecimentos dos estudantes da Escola Família Agrícola de Valente, se mostrando uma alternativa viável e potencialmente eficaz na apreensão de diversos conceitos astronômicos neste contexto, principalmente pelo fato de os estudantes permanecerem na escola durante um período de tempo que nos permitiu o estudo de diversos fenômenos, tanto no período diurno quanto noturno, bem como pela facilidade de visualização que nos oferece o céu noturno de Valente, município localizado na região semiárida da Bahia, característica por sua baixa nebulosidade.

Ao visualizar o céu a olho nu e buscar suas elaborações, bem como as elaborações dos antigos povos, os estudantes encontraram um momento prazeroso de aprendizagem significativa, apreendendo de modo mais eficaz os saberes astronômicos, na medida em que recorriam facilmente a algo constantemente presente sem seu cotidiano: um belo céu sem nuvens.

Excitar a imaginação deveria ser um momento privilegiado nas aulas de ciências e uma fonte de prazer constante. Assim, parafraseando Pietrocola (2007, p.14), acreditamos que “é possível reinventar as criações inventadas pela ciência nas salas de aula e emocionar a futuras gerações de alunos”. É possível, por meio da educação, encontrar sua estrela.


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