Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa

Body experiences and aesthetic in children, adolescents and teachers in two schools in Uberlândia - Traces of an investigation

Autores/as

  • Paulina Maria Caon Universidade Federal de Uberlândia

Palabras clave:

Embodiment, Basic Education, Theater Teaching (en).

Palabras clave:

embodiment, educación básica, enseñanza de teatro (es).

Palabras clave:

Embodiment, Educação Básica, Enseñanza de Teatro, Ensino de Teatro (pt).

Biografía del autor/a

Paulina Maria Caon, Universidade Federal de Uberlândia

Professora do Curso de Teatro, do Instituto de Artes da Universidade Federal de Uberlândia, com interesse especial pelos campos das Corporalidades, Teatralidades e Performatividades na criação e educação em Teatro. Faz parte do GEAC – Grupo de Estudos e Investigação sobre formação e criação em Artes cênicas. Tem projetos de pesquisa e ação na escola básica, atuando ainda como performer e colaboradora no Coletivo Teatro Dodecafônico.

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Cómo citar

APA

Maria Caon, P. (2015). Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa. Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos, 2(2), 212–237. https://doi.org/10.14483/cp.v2i2.11165

ACM

[1]
Maria Caon, P. 2015. Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa. Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos. 2, 2 (ene. 2015), 212–237. DOI:https://doi.org/10.14483/cp.v2i2.11165.

ACS

(1)
Maria Caon, P. Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa. corpo graf. 2015, 2, 212-237.

ABNT

MARIA CAON, Paulina. Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa. Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos, [S. l.], v. 2, n. 2, p. 212–237, 2015. DOI: 10.14483/cp.v2i2.11165. Disponível em: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/CORPO/article/view/11165. Acesso em: 18 abr. 2024.

Chicago

Maria Caon, Paulina. 2015. «Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa». Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos 2 (2):212-37. https://doi.org/10.14483/cp.v2i2.11165.

Harvard

Maria Caon, P. (2015) «Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa», Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos, 2(2), pp. 212–237. doi: 10.14483/cp.v2i2.11165.

IEEE

[1]
P. Maria Caon, «Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa», corpo graf., vol. 2, n.º 2, pp. 212–237, ene. 2015.

MLA

Maria Caon, Paulina. «Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa». Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos, vol. 2, n.º 2, enero de 2015, pp. 212-37, doi:10.14483/cp.v2i2.11165.

Turabian

Maria Caon, Paulina. «Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa». Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos 2, no. 2 (enero 2, 2015): 212–237. Accedido abril 18, 2024. https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/CORPO/article/view/11165.

Vancouver

1.
Maria Caon P. Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de uberlândia – rastros de uma pesquisa. corpo graf. [Internet]. 2 de enero de 2015 [citado 18 de abril de 2024];2(2):212-37. Disponible en: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/CORPO/article/view/11165

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16. Doceavo Artículo. Experiencias... Paulina

EXPERIÊNCIAS CORPORAIS E ESTÉTICAS DE CRIANÇAS, ADOLESCENTES E PROFESSORES EM DUAS ESCOLAS DE UBERLÂNDIA – RASTROS DEUMA PESQUISA

Body experiences and aesthetic in children, adolescents and teachers in two schools in Uberlândia - Traces of an investi- gation

Experiencias corporales y estéticas en niños, niñas, adolescentes y profesores, en dos escuelas de Uberlândia - Huellas de una investigación


Artículo de investigación

DOI: http://dx.doi.org/10.14483/udistrital.jour.corpo.2015.1.a13

 

Citación:

Caón, Paulina María. (2015) Experiências corporais e estéticas de crianças, adolescentes e professores em duas escolas de Uberlândia – rastros de uma pesquisa, Revista Corpo-grafías: Estudios críticos de y desde los cuerpos, 2(2) pp. 212-237.

Recibido: 2/05/2015 Aceptado: 17/07/2015

 

PAULINA MARIA CAON

 

Universidade Federal de Uberlândia, Brasil paulinamariaus@yahoo.com

 

Professora do Curso de Teatro, do Instituto de Artes da Universidade Federal de Uberlândia, com interesse especial pelos campos das Corporalidades,TeatralidadesePerformatividades na criação e educação em Teatro. Faz parte do GEAC – Grupo de Estudos e Investigação sobre formação e criação em Artes cênicas. Tem projetos de pesquisa e ação na escola básica, atuando ainda como performer e colaboradora no Coletivo Teatro Dodecafônico.

 

Resumo:

Apresento parte da reflexão da tese de doutorado Desve- lando Corpos na Escola, cujo foco do trabalho em campo foi a observação das interações corporais entre crianças, adolescentes e professores em duas escolas públicas da cidade de Uberlândia, Minas Gerais – Brasil. Um entrelaça- mento entre as abordagens etnográficas e fenomenológi- cas se construiu, fruto das necessidades da investigação, do estudo do paradigma do embodiment, de Thomas Csordas, e do contato com o Grupo de Pesquisa em Antro- pologia do Corpo e da Performance (da Universidade de Buenos Aires), no período de estágio de doutorado sanduí- che com apoio CAPES. Os elementos das corporalidades que emergiram na observação em campo e que abordarei na comunicação são as relações: corpo, espaço e matéria/ materialidade, jogo e performatividade, deriva.

 

Palavras-chave: Embodiment; Educação Básica; Ensino de Teatro.

 

Abstract:

 

This paper presents part of the reflection of Revealing Bodies at the School doctoral thesis, whose focus of work in the field was the observation of the physical interactions among chil- dren, adolescents and teachers in two public schools in the city of Uberlândia, Minas Gerais - Brazil. As a result of research needs, an interweaving between the ethnographic and pheno- menological approaches was built, the embodiment paradigm from Thomas Csordas, and the contact with the Anthropolo- gy of the Body and Performance Research Group (University of Buenos Aires) in doctoral training period with CAPES su- pport. The elements of corporeality that emerged in the field observation that will address the paper relations are: body, space and matter / materiality, play and performativity, drift.

 

Keywords: Embodiment, Basic Education, Theater Teaching

 

Resumen:

 

El texto presenta parte de la reflexión de la tesis de doctorado Desvelando Cuerpos en la Escuela, cuyo eje de trabajo fue la observación de las interacciones corporales entre niños y niñas, adolescentes y profesores en dos escuelas de la ciudad de Uberlândia, Minas Gerais – Brasil. Un entramado entre abordajes etnográficos y fenomenológicos se construyó, fruto de necesidades de investigación, del estudio del paradigma del embodiment, y del contacto con el Equipo de Investigación en Antropología del Cuerpo y de la Performance (da UBA), en una pasantía de doctorado con apoyo CAPES (Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior). Los elementos de corporalidad que emergieran que abordaré en este artículo son las relaciones: cuerpo, espacio y materialidad; juego y performatividades; deriva.

 

Palabras clave: Embodiment, Educación Básica, Enseñanza de Teatro.

 

Opresente artigo apresenta elementos da reflexão elaborada como fruto da pesquisa de doutorado realizada entre 2011 e 2015 no contexto do programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo, na área de concentração de Pedagogia do Teatro. Meu ímpeto naquele contexto foi fazer um trabalho sobre o que acontece entre professores e estudantes quando há aulas curriculares de Teatro em escolas de Educação Básica. Ele se reuniu à minha ob- sessão já antiga em estudar as interações entre os corpos e entre corpos e espaço como lastro de nossa cultura e da própria constituição da noção de pessoa, de so- ciedade e de cultura. Assim a pesquisa foi focada especificamente na observação das interações corporais entre professores e estudantes no cotidiano das aulas de Teatro na escola. Para dar conta do desafio envolvido na investigação de experiên- cias corporais no contexto escolar, minha experiência como performer, docente e pesquisadora esteve em jogo durante todo o processo e estabeleci interfaces en- tre estudos de diferentes áreas - Teatro, Educação, Corporalidade (Embodiment), Fenomenologia, Antropologia. Acompanhei aulas de teatro em duas escolas de Uberlândia-MG, cidade em que atuo como docente na Universidade Federal de Uberlândia – UFU: a Escola de Educação Básica (ESEBA) da UFU e o Centro Educacional Maria de Nazaré (CEMN).


As motivações para a pesquisa também tinham origem em questionamentos mais amplos no campo da Pedagogia do Teatro e da produção de conhecimento acadêmico. Um deles se originara em minha percepção da pouca produção de trabalhos sobre teatro na escola, o que manifestava o “baixo” status do tema na investigação em Teatro e a percepção da persistência de certa hierarquização no campo. As pesquisas voltadas aos temas da docência (universitária ou escolar) no Brasil até hoje discutem algumas marcas da história da criação das licenciaturas na universidade e da hierarquização entre licenciaturas e bacharelados (AZANHA, 1995).

 

Durante a pesquisa construí molduras – mapas sobre mapas – tempos-es- paços-experiências com implicações recíprocas na constituição da reflexão.

 

Parti de um exercício autobiográfico em que abordei minhas trajetórias corporais e representações acerca da escola e do fazer artístico como experiências que se en- trelaçaram na constituição dos temas e perguntas da investigação. Busquei ainda contextualizar brevemente o tema na moldura sócio-histórica da Modernidade Tardia (BAUMAN, 2005; SILVA,2001), assim como os processos de escolarização nela (FOUCAULT, 1994; VEIGA, 2002), mas também questionando a pertinên- cia de categorias excessiva e generalizadamente presentes em boa parte da litera- tura no campo da Educação e da própria Sociologia. Partes de minhas afirmativas vão ao sentido da necessidade de aproximação com os contextos singulares que investigamos.


Experiência corporal na construção das abordagens teórico-metodológicas

 

Csordas (2011a) propõe em seu trabalho uma etnografia fenomenológica ou uma fenomenologia cultural. Como pesquisadora, rastreio alguns pontos de contato entre as práticas da etnografia e da fenomenologia que se fizeram pre- sentes no processo dessa investigação. Nesse rastreamento, os pontos de contato se manifestam nas dimensões da observação e da escrita nas duas linhagens. Ob- servação e escrita emergem como experiências corporais – experiência corporal de estar no mundo ao estar em campo, experiência corporal do pensamento nos processos de escritura.

 

Em ambas a observação direta emerge como modo de conhecimento do mundo, seja como mundo da vida, seja como vida social-cultural. Na obser- vação interessa à etnografia e à fenomenologia esse retorno às experiências mesco set vad obseao me comas, pois interessa compreender e construir verdades a partir de ntextos específicos, a partir da diferença e das diferenciações, das imilaridades e das alteridades. Tanto na fenomenologia quanto na nografia os seres (aqueles que observam e aqueles que “são obser- os”) trocam de papeis (o pesquisador é observado ao observar e a ao ser observado), engendram espelhamentos e contaminações e posturas corporais, de ideias e discursos), vivem deslocamentos territoriais, culturais. Esse foi o campo tenso e fértil em que me vi olocar nessa interface.) Ainda no tema da observação, em ambas se faz presente o desafio da sus- pensão de categorias prévias enquanto se observa, como uma busca possível apenas temporariamente. Estar completamente imersa na bibliografia de um campo pode implicar ter demasiados pressupostos, categorias ou generalizações previamente utilizadas por outros pensadores da área. Estar demasiadamente imersa em certas práticas corporais implica padrões de movimento e pensamento que podem auxiliar na compreensão da corporalidade de um grupo, mas também pode naturalizar tais padrões que passam a ser “a” medida para olhar “o” Outro. O desafio parece ser esse engajamento numa observação simultaneamente obsessiva e aberta a todos os detalhes, inclusive aqueles que, por vezes, parecem estar fora do horizonte da pesquisa escolhida. Tal abertura pode gerar deslocamentos do “lugar olhado das coisas” (DAWSEY, 2005a, 2005b). Nesse sentido, a imersão na experiência em campo parece pedir momentos de distanciamento (seja na escrita em caderno de campo, seja na saída do ambiente de campo e retorno ao lugar de origem da pesquisadora). Silvia Citro (2009) propõe movimentos de “ir-e-vir”, de aproximação e distanciamento, como movimentos que implicam uma atitude compreensiva e de suspeita não apenas em relação àqueles a quem se observa, mas em relação às percepções do próprio pesquisador.

 

3

A imersão corporal no processo de observação talvez seja a contraparte da atitude que apontei no último parágrafo. Nesse momento levanto o modo como a corporalidade do pesquisador está em jogo tanto na fenomenologia quan- to na antropologia, no sentido de passar pelos deslocamentos territoriais, culturais já citados. Para que ocorram tais deslocamentos é necessário que eu mergulhe nas práticas corporais que observo. Eles próprios (os deslocamentos) são experiên- cias que alteram estados corporais ou modos somáticos de atenção, especialmen- te quando implicam a experiência de padrões de movimento-ação-pensamento muito distintos dos do pesquisador (TURNER, 2005): ir à roça e nela trabalhar junto de agricultores, aprender a técnica corporal que se estuda (capoeira, tai chi chuan, etc.), entrar em uma improvisação teatral ou sentar-se com estudantes e professor para tomar a merenda no horário do intervalo. Essas experiências corporais causam variações concretas em posições no espaço, em tônus e formas cotidianas da corporalidade do pesquisador. A observação acurada dessas alte- rações nos modos somáticos de atenção (nos estados corporais, emoções, pensa- mentos) do/a pesquisador/a podem se desdobrar em outras compreensões possí- veis das experiências corporais do grupo estudado, gerando outras possibilidades de reflexão.


4

Tanto na fenomenologia quanto na etnografia a escrita ou os processos de escritura têm ganhado atenção especial. A escrita é a ação que possibilita à pessoa olhar-se fora de si. Deter-se sobre seus próprios pensamentos já expos- tos no papel ou na tela. Na escrita, há um momento de parto: a etapa da criação escrita (à mão ou em digitação), na qual em diferentes instantes sequer sabemos qual a próxima palavra a vir ao papel. Parte de nosso pensamento é desconhecido por nós mesmos (MERLEAU-PONTY, 2003). Fala Marilena Chauí, estudando Merleau-Ponty:

...] o momento da expressão, aquele em que o escritor, tendo imprimido uma torção inusitada no léxico disponível, o faz “secretar uma significação nova”, deixando-a à disposição do leitor não prevenido de quem se apodera e de cuja cultura passa, daí por diante, a fazer parte. A linguagem instituinte não é ape- nas alusiva, como toda linguagem, é ainda astuciosa. O escritor não convida quem o lê a reencontrar o que já sabia, mas toca nas significações existentes para torná-las destoantes, estranhas e para conquistar, por virtude dessa es- tranheza, uma nova harmonia que se aposse do leitor, fazendo-o crer que exis- tira desde sempre e que desde sempre lhe pertencera. Escrever é essa astúcia que priva a linguagem instituída de centro e de equilíbrio, reordena ou reorga- niza os signos e o sentido e ensina tanto ao escritor como ao leitor o que sem ela não poderiam dizer nem pensar, pois a palavra não sucede nem antecede o pensamento porque é sua contemporânea. (CHAUÍ, 2002, p.19)


N

[esse sentido, o pensamento se desvela e aparece em forma organizada du- rante o próprio ato da escrita. Fala um antropólogo:


...] é no processo de redação de um texto que nosso pensamento caminha, encontrando soluções que dificilmente aparecerão antes da textualização dos dados provenientes da observação sistemática. Assim sendo, seria um equívo- co imaginar que, primeiro, chegamos a conclusões relativas a esses mesmos da- dos, para, em seguida, podermos inscrever essas conclusões no texto. Portanto, dissociando-se o pensar do escrever. Pelo menos minha experiência indica que o ato de escrever e o de pensar são de tal forma solidários entre si que, juntos,formam praticamente um mesmo ato cognitivo. (OLIVEIRA, 2006, p.32)

 

5

) Fenomenologia e etnografia utilizam o termo descrição para nomear os tex- tos reflexivos em que se narram fenômenos, situações dos grupos estudados.

 

M

 

Na fenomenologia de Merleau-Ponty se fala na descrição das essências, como invariantes das experiências do ser-no-mundo, em que se busca deixar falar a experiência, sem a ilusão de dar conta de sua totalidade ou de falar da “coisa” em si (como ser positivo). Na etnografia, especialmente na linhagem hermenêutica ou performativa em que se situa Geertz (1989), se fala em uma descrição densa como o texto desejado do bom etnógrafo, que seria aquele capaz de se debruçar, perceber e distinguir entre um piscar de olhos e as piscadelas marotas (DAWSEY, 2013, p.292).

esmo numa compreensão semiótica de cultura (cultura como texto),

 

U

Geertz enfatiza que a prática etnográfica está centrada na observação do fluxo de comportamento, no fluxo das ações sociais e que nelas se encontram as articulações de formas culturais (1989, p.12). Propõe que o etnógrafo escreve, interpreta, inscreve significações culturais, mas que exatamente por isso a análise cultural não pode se submeter a coerências impostas, interpretações rígidas ou argumentos seguros.


Um leitor intrigado poderia dizer que na fenomenologia se buscam essên- cias invariáveis e na etnografia saberes circunstanciais, e que, portanto, não há “harmonia” possível. John Dawsey (2013) escreve sobre o texto clássico de Geertz, acerca da briga de galos balinesa, e ensaia pensamentos sobre o conceito de descrição densa, trazendo à tona as margens dos textos do próprio Geertz, escovando-os a contrapelo, inspirado em Walter Benjamin. Ele delineia a ideia de uma descrição tensa.

 

Círculos hermenêuticos produzem efeitos cujas afinidades com o teatro dramático chamam atenção. De início, um texto estranho, disforme. Um malestar. Um choque na percepção do mundo. Intensifica-se uma crise de in- terpretação. No movimento que se faz em direção aos contextos, observa-se uma ação reparadora. O estranho se transforma em algo familiar, sem que ele perca a especificidade de sua forma de expressão. E adquire significado. Assim se re- vitaliza o todo, em sua relação com as partes. Na volta ao texto, o desfecho: a iluminação do todo, e do texto.


I

No ensaio sobre as brigas de galos, porém, o choque se produz no movimento em direção aos contextos. Contextos se desarrumam. Na sobreposição de textos, revelase um contexto carregado de tensões. Nessa história, balineses produzem um efeito de estranhamento em relação a eles mesmos... Nem familiar, nem exótico. Inquietante. Um paradoxo de tradução: quanto maior o conhecimento, maior o estranhamento. Quanto maior a familiaridade, maior a inquietação. (DAWSEY, 2013, p.304)


nspirada por Merleau-Ponty, por Geertz e pelo senso lúdico de um estudioso como Dawsey, penso que essa experiência-estudo indica que fenomenologia e etnografia são aquela espécie de direito e avesso – não como opostos que se com- plementam para preencher todos os espaços vazios –, mas exterior do interior, interior do exterior de uma mesma pele, tecidos contínuos de um mesmo ímpeto de enraizamento da reflexão na experiência encarnada do/no mundo. As sobras, as dobras, as emendas suspeitas são em meu cotidiano um modo de ser indagada pelas margens, pelo direito, pelo avesso, vice-versa – dançar com elas ou nelas.


Na tese apresentei descrições e primeiras análises das observações realizadas ao longo de dois anos em trabalho de campo em dois capítulos nos quais

 

Si construo um entrelaçamento teórico-metodológico pautado nas noções de des- crição fenomenológica (VAN MANEM, 1990), descrição densa (GEERTZ, 1989) e descrição tensa (DAWSEY, 2013). Tal construção é fruto de uma trajetória cor- poral da própria pesquisadora, que possibilita certo modo de estar em campo. Esse modo de estar em pesquisa (de vivê-la) me parece especialmente fértil na investigação dos corpos em ação, na abordagem do cotidiano escolar e especifica- mente das aulas de artes/teatro.


obre o Centro Educacional Maria de Nazaré (CEMN) escrevi o Caderno de errâncias corporais, em que estabeleço metáforas espaciais dos corpos em ação no cotidiano escolar (emaranhados, constelações, labirintos...) e exploro al- guns sentidos possíveis sobre esses corpos em ação. A errância emerge como ex- periência-noção que sustenta e dimensiona as experiências corporais em análise. Sobre a Escola de Educação Básica da UFU (ESEBA), escrevi o Caderno de Jogos Corporais, em que narro situações observadas na escola por meio da experiên- cia-noção de jogo: o jogo dos corpos em espera, o jogo dos corpos em fruição, o jogo dos corpos em ação. A experiência do jogo e da performatividade como atos de reestruturação da realidade, estabelecimento de ordenações paralelas, sus- pensão de regras cotidianas, que são citadas, parodiadas ou completamente subvertidas é que sustenta e dimensiona as descrições nesse caso.


Na tese, a partir das elaborações apontadas sobre as escolas busco potenciali- zar no último capítulo a emergência de algumas noções-experiências como domínios possíveis para se pensar processos pedagógicos e educação estética na atualidade. São elas: a relação entre corpo e espaço ou corpo e matéria/mate- rialidade, que se desdobra ou amplia na relação corpo-mundo; a dimensão do jogo e da performatividade como estruturante da experiência do ser-no-mundo; a deriva como tendência, parte do horizonte de indeterminação em que estamos imersos e por meio do qual estabelecemos (ou podemos estabelecer) errâncias, devaneios e reinvenções de formas de vida e criação. Tais elementos não consti- tuem uma metodologia, mas rastreiam essências operantes, no sentido elaborado por Merleau-Ponty, que permeiam nossa experiência encarnada no mundo e que podem ser potencializadas em processos pedagógicos. É sobre esses elementos que me debruço a partir de agora, com o intuito de compartilhar alguns dos re- sultados reflexivos da investigação realizada.


Corpo e espaço, corpo e matéria/materialidade

Estou sentada no chão de cimento do pátio e se aproxima à minha esquerda um menino desenhando com giz no piso. Longas linhas se delineiam. Às vezes, ele está em pé, dobrado nos quadris, coluna arredondada, alternando passos contínuos que acompanham o riscar do chão com momentos em que interrompe, muda a posição do corpo em relação à linha para continuar, senta-se, inventa alguma forma dentro do desenho traçado. Ele me mostra: duas longas linhas paralelas, um quase triângulo ao final do traçado. Persigo o “fio” e vejo que é uma só linha que se curvou, dobrou e tornou paralela a si mesma. Ele abandona aquele e busca outro espaço. Há crianças por perto, uma delas procura um giz para desenhar também. Ele toma distância pro- positalmente, não quer dividir seu giz. Uma funcionária tem uma mangueira na mão para molhar um canteiro por perto. Ele escolhe outro espaço, saindo de onde estava em quatro apoios e depois alguns passos em pé; pernas rapidamente dobradas em seguida no sentido de sentar-se novamente. Faz um traçado: dois retângulos desenhados em sequência e o trapézio-telhado em seguida – é uma grande casa no piso – mais retân- gulos arredondados dentro dos outros retângulos compondo janela e porta. O tempo se distende. Eu já fiquei “para trás” no espaço e desenho um pouco também, assim

O como a outra criança que procurava por um giz. Há burburinho em volta, tentativas de aproximação de outras pessoas, mas sua atenção em relação ao desenho o mantém nele mesmo – silencioso. Nele mesmo, nesse caso, significa também no giz, no piso, na linha, no foco ampliado de seu olhar em relação ao todo que desenha. Fica em pé. Olha o próprio desenho no espaço do piso. Olha em volta outros desenhos. Silencioso. (notas de campo, 2013)


O s corpos estão em interação com a matéria do mundo, são corpos às voltas com estímulos microscópicos ou explícitos, provocados a se transformar e provocando transformações em texturas, formas arquitetônicas, objetos. O corpo se desdobra pelo espaço, como o desse menino que desenha com o giz no grande piso do pátio. Nos desdobramentos, há transposições - um gesto corporal que se objetiva em gesto gráfico, que é transposto de um ambiente a outro. Há remode- lagem, contaminação – do corpo pelo jogo com os objetos cadeira e mesa, como em uma montagem de cenários para cenas da ESEBA, e dos objetos pela inter- venção mais ou menos transformadora dos corpos. Os objetos, a matéria e sua materialidade convidam os corpos a diferentes tipos de movimento e exploração.

 

Reciprocamente, ao lidar com eles, com a areia, o giz, o papel machê, o corpo se reelabora, dinamiza-se, guiado pelas proposições claras dessa materialidade.


Na linhagem de estudos sobre a percepção, Gibson (1986) elabora o conceito de affordance 1 para designar aquilo que o ambiente (superfícies, objetos, animais) oferece (offers) ao corpo. As superfícies, por exemplo, possibilitam o apoio à posição ereta, o suporte para o deslocamento, assim como certos objetos com sua superfície possibilitam ao corpo tomar assento. Desde sua elaboração em 1977, esse termo tem sido usado em diferentes áreas, desde a Computação, pas- sando pela Psicologia e pela Dança. É interessante, especialmente, essa noção de “oferta” ou de “oportunidade” que o termo propõe, como elementos que já estão dados pelo ambiente ou por seus objetos, e que são experimentados de diferentes maneiras, dependendo do modo como cada corpo/animal (usando os termos do autor) o experimenta ou de suas condições corporais.


  1. E m diálogo com essa perspectiva no campo das Artes Visuais, Ana Angéli- ca Albano Moreira trata o desenho infantil numa acepção ampliada, como qualquer dos modos pelos quais uma criança dispõe, organiza seu espaço de jogo com os materiais que dispõe (1997, p.08). Ela cita Charlotte Dyle, para quem um objeto de arte: “[...] é o produto do fazer, formar ou construir que sintetiza em si respostas perceptivas, afetivas e cognitivas tanto em relação aos materiais quanto objetos.” (idem, p.12). Muitos dos estudos sobre o desenho da criança associam seu nascimento aos processos de dominação do próprio corpo em movimento, destacando que os primeiros gestos gráficos são menos representacionais e mais autoinvestigativos. “A criança reinventa todo o processo de aquisição de conhe- cimento por que passou a humanidade: desde o manejo de instrumentos... até conquistas intelectuais, como a capacidade humana de abstrair, corresponder, conceituar.” (DERDYK, 1994, p.111).


    Parece-me que não apenas a criança experimenta, investiga as possibilidades de movimento do corpo na interação com objetos ou materialidades novas. Mas que também os corpos adultos, ao se depararem com um novo espaço ou materialidade se veem em experimentação, em processos de apropriação de suas possibilidades de movimento e das possibilidades que tais “materiais” oferecem. Minha reflexão, nesse caso, corre em paralelo com a afirmação de Gibson:

     


    Abertura como pensamento cor- poral por mímeses, por citação ou contaminação...


    Uma affordance, como eu disse, aponta duas direções, para o ambiente e para o observador. Assim também a informação para especificar uma affordance. Mas isso não implica, no limite, dimensões separadas de consciência e matéria, um dualismo psicofísico. Isso apenas nos diz que as informações para especificar as utilidades do ambiente são acompanhadas por informações para especificar o próprio observador, seu corpo, pernas, mãos e boca. Isso apenas reafirma que exterocepção é acompanhada de propriocepção – que perceber o mundo é coperceber a si mesmo. Isso é totalmente inconsistente com dualismos, seja o ualismo mente-matéria, seja o dualismo mente-corpo.

     

    A consciência do mundo e da relação complementar entre alguém e o mundo não são separáveis. (GIBSON, 1986, p.141, tradução nossa)


    Sobre os modos como surgem padrões corporais, desconfortos, conflitos, interesses, procedimentos de criação


    A pesar de o autor romper com dualismos tradicionais do pensamento filo- sófico, nesse texto Gibson parece centrar a percepção na visualidade de um observador, assim como no fato das “coisas” e do mundo se revelarem para nós por meio de sua interação com a luminosidade. Portanto, perceberíamos suas affordances por meio da visão especialmente.

     

    Minha reflexão, assim como os debates no campo da dança, amplia o concei- to para a interação corporal como um todo. A percepção das affordances de ambientes, objetos, materialidade se dá na interação corporal com elas. São percebidas pela globalidade do corpo e sua sensorialidade. Merleau-Ponty (2004, p.17) fala em inerência e, por vezes, na simultaneidade das dimensões corpo-ma- téria do mundo. Não é apenas o mundo que oferece as oportunidades. Nem são os apenas os corpos aqueles que dominam o mundo.

     

    Esses caminhos do corpo na imbricação com o estofo do mundo fazem nascer simultaneamente um mundo a ser compartilhado e o pertencimento

     

    Na um mundo que aí estava antes mesmo do nascimento de cada corpo-pessoa, no sentido de Arendt (1995) e Merleau-Ponty (2004). Seja como exterocepção e propriocepção, usando os termos de Gibson, seja como carne, na reversibilidade entre corpos-coisas-mundo (CHAUÍ, 2002; MERLEAU-PONTY; 2003), a inte- ração corpo-materialidade emerge como dimensão estruturante da experiência corporal e isso inclui os tempos-espaços vividos na escola o percurso histórico-cultural das sociedades humanas, essas affordances e a relevância da imbricação corpo-espaço foram motivos ou objetos de di- ferentes projetos para os corpos-pessoas, seja como indivíduo, sejam como gru- pos sociais. Estudiosos Michel Foucault (1994; 2013), além das linhagens de es- tudos que se desdobraram de suas contribuições, já sublinharam exaustivamente os projetos de disciplinarização ou docilização dos corpos, envolvendo a relação corpo-espaço, corpo-arquitetura. Entretanto, meus questionamentos, intensifica- dos pelo trabalho de campo, me levaram a focar minha atenção nos ruídos, nas circunstâncias em que se manifestam corpos em constituição. Nem sempre de maneira consciente ou deliberada, esses corpos é que se aproveitam das brechas, abrem fissuras em ordenações e relações nas quais práticas e discursos estavam aparentemente institucionalizados.

     

    Jogo e performatividade

     

    A o observar os jogos corporais na Escola de Educação Básica da UFU, per- cebo um estado de brincadeira ou um estado de jogo dos estudantes. No Centro Educacional Maria de Nazaré reaparecem em minha observação expe- riências de jogo – seja como apropriação de jogos de regras, seja como jogo de faz-de-conta – e de performance – como ação e intensificação de presença. Na experiência desses jogos, especialmente aqueles que tomam o contorno do “como se” (e, por desdobramento, da mímese), emerge simultaneamente uma dimensão de performance, na acepção de construção de uma esfera de enunciação, confor- me Zumthor (2007), ou ainda na citação de ações e papeis sociais, lembrando a ideia de comportamento restaurado de Schechner (2003; 2013). Normalmente tratadas em áreas de debate distintas, vejo uma similaridade de estatuto entre as práticas denominadas como jogo e como performance no percurso dessa pesquisa de doutorado.

     

    As práticas que delimito como jogo e performance são modos de apreen- der o próprio corpo, de apreender o entorno e os outros corpos, gerando modulações de corporalidade, temporalidade e espacialidade. As crianças que contornam veloz e repetidamente a área do porque, o menino que simula várias quedas no chão antes da aula “de teatro” começar até permanecer no piso numa pausa prolongada propõem um programa simples de performance, em torno do elemento da repetição. Do ponto de vista da intencionalidade, as crianças da pri- meira infância no parque não o fazem (aparentemente) para demonstrar a ação a algum observador externo. Elas realizam a ação já em dupla, desfrutando juntas o prazer do movimento, a disputa das velocidades e da energia na realização do cir- cuito – circundar o perímetro do parque, subir na “casa-brinquedo” e descer seu escorregador para recomeçar o percurso. Já o menino que se lança ao piso várias vezes dialoga sistematicamente com os colegas com quem interage de modo mais direto e, de certo modo, com todo o grupo de sua turma e os observadores presentes. Parece citar premeditadamente a ação, buscar o olhar dos outros corpos presentes e cavar no espaço-tempo aquela esfera de enunciação. Quando se joga no chão pela última vez, prolongando a pausa, entregando o peso corporal à força da gravidade, outra dimensão se abre: apenas eu pareço continuar a observá-lo, enquanto a ação deixa de ser algo “para ser visto”. O menino que corre gritando com insistência “é futebol! é futebol!”, depois de propor que seus parceiros tiras- sem a camisa para jogar me parece manifestar o transbordamento de energia e uma espécie de satisfação pela apropriação de uma prática explicitamente conhecida, seja por ele, seja pelo grupo participante da brincadeira.

     

    Esses momentos instauram certa suspensão num fluxo cotidiano, intensifican- do ou esgarçando tempos, espaços e movimentos ao jogar/performar. Acre- dito que tais experiências ressignificam as corporalidades dos sujeitos – agregam, sedimentam elementos nelas. A constituição dessa esfera de suspensão, como sempre, não cria uma zona de experiência isolada da vida cotidiana, mas tem seu sentido e pertencimento a ela nesse processo de diferenciação e complementação. Como afirma Ileana Dieguéz Caballero, teatralidade e performatividade emergem como dispositivos de presença e representação humanas na vida social2. Mais que isso, como eixo estruturante de nossas experiências corporais, alinho-me ao pen- samento dela para pensar performatividade como um dos modos por meio dos quais nos constituímos como seres humanos.

     

    Percorrendo seus perímetros, coletando objetos, tateando, testando a relação entre pele, audição, visão, tato, olfato, paladar e as próprias texturas, materiais, níveis e formas do mundo.

    Os corpos que jogam ou que performam nos exemplos citados atuam sem nenhuma orientação do professor ou de qualquer adulto. É a emergência deum meta-teatro cotidiano, como propõe Dawsey (2005b). Não o teatro proposto pelo professor, mas um teatro que transborda da vida cotidiana, comentando-a, parodiando-a, apropriado-se dela. Essa abertura corporal para o jogo3 é um dos elementos que podem catalisar a experiência pedagógica e estética na escola.


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  2. A pesquisadora e docente cubana, que atua na Universidade Autônoma Metropolitana – Cuaji- malpa do México, tocou nesse tema no seminário oferecido em dezembro de 2014 na ECA-USP, “Ce- nários Expandidos. Performatividades e teatralidades para dar a morte/imaginar um lugar na vida.”.

     

     

    Reiteração e diferenciação, em que aparecem e se desvanecem cenários hipotéticos: há um fazer e desfazer, construir e desconstruir

    repetido, que é parte prazerosa da ação.


    Sublinho contudo que não se trata, de um lado, de repetir as ideias do “uso” do jogo ou da performance para o ensino de conteúdos, como já questionou Brougère (1990), em que se mecaniza a prática espontânea, buscando um modo “lúdico” ou “agradável” de aprender “o que é realmente necessário”. Trata-se, a meu ver, do reconhecimento da relevância das experiências corporais de crianças, adolescentes e adultos que compartilham tempos e espaços na escola. Trata-se de criar espaços para o compartilhamento de sensações, para a experimentação das nomeações. Um desafio nesses contextos é a construção de um ambiente suficien- temente honesto e acolhedor, em que haja oportunidade de se pensar sobre os modos como os sujeitos se organizam corporalmente ao longo da interação comos outros corpos, com o espaço e, no limite, consigo mesmo.


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  3. Utilizarei esse recurso da inserção de comentários em caixas de texto em certas passagens do texto em que escavo ou contorno sentidos densos de pensamentos, em vez de dar uma forma única de sua expressão.

     

  4. Nessa dialética de suspensão e imersão no fluxo da vida cotidiana, os jogos ou performatividades instauram espaços e corpos liminares, conforme estuda Victor Turner (2010) no contexto dos rituais. “Durante o período ‘limiar’ in- termédio, as características do sujeito ritual (o ‘transitante’) são ambíguas; passam através de um domínio cultural que tem poucos, ou quase nenhum, dos atributos do passado ou do estado futuro.” (p.97). Como o autor, vejo indícios dessa expe- riência na vida social e nesses contextos escolares que tenho abordado. Quando tais experiências emergem, elas ganham um estatuto de suspensão do fluxo coti- diano da aula de teatro, nesse caso. Ileana Diéguez Caballero (2011) tem pensado nos acontecimentos artísticos e performances cidadãs que engendram situações e sujeitos liminares, como estados fronteiriços, em que as beiras, as bordas da vida social se manifestam em primeiro plano, adquirem poderes inesperados – o subordinado torna-se predominante, invertem-se posições, há risco de contágio e anarquia nas estruturas preestabelecidas (TURNER, 2010). Nas situações do cotidiano escolar que destaco aparece esse estado de presença no presente e a pre- ponderância daquilo que está às margens ou das anti-estruturas, daí sua potência criativa e desestabilizadora no ambiente escolar.


  5. impulso para as diferentes dimensões do jogo e performatividade – desde a mímeses até a ficcionalização assumida – fazem parte daquele “eu pos-

     

    Oso” dos seres-no-mundo que Merleau-Ponty destaca em oposição a um “eu pen- so que...”. Delimitam nossa vocação para uma vida intersubjetiva, intercorpórea. Os processos intersubjetivos e intercorporais que têm lugar na escola põem em evidência a historicidade de cada corpo-pessoa - cada estudante, cada professor. Neles se engendram essas suspensões de papeis sociais, suspensão de padrões de ação e reflexão individuais ou institucionais. É nesse sentido que, além da limina- ridade, nos trânsitos efêmeros (CABELLERO, 2011) dessas suspensões emergem espaços intersticiais, aberturas em estruturas (anti-estruturas), que Turner nomeia como communitas: “[...] ‘momento situado dentro e fora do tempo’, dentro e fora da estrutura social profana que revela, embora efemeramente, certo reconhecimento [...] de um vínculo social generalizado que deixou de existir [...]” (2010, p.98). Nessas ocasiões, algo se passa, algo atravessa os corpos e reúne, contagia, silencia ou extrapola formas naturalizadas de interação entre corpos.

     

    Derivas – errância, devaneio, repetição, variação


Minha abordagem da prática da deriva e da errância ao longo do tempo de observação e de escrita do presente transforma o sentido comumente utilizado para essa noção, ligada aos debates e práticas dos situacionistas no século passado (DEBORD, 1958). Entre eles a prática da deriva se propunha a uma reapropriação dos espaços das cidades em pleno processo de modernização - indus- trialização e urbanização. O convite era o de desorientar-se, vagar, perceber os fluxos, impedimentos, focos de atração, construindo novos mapas (psicogeográficos) do su- jeito na cidade, menos limitados pelos tempos contabilizados e a necessidade de se chegar a um lugar determinado.


P aola Berenstein Jacques, em seu Elogio aos Errantes (2012) escreve sobreomesmo tema refletindo sobre a construção de corpografias urbanas – outras grafias sobre e da cidade, por meio da experiência corporal do homem lento –, que permitam essas reapropriações do urbano. No Coletivo Teatro Dodecafônico, os anos de 2013 e 2014 são o início da exploração de derivas pela cidade de São Paulo e algumas outras cidades. A partir de estudos teóricos, de estudos de outros/as performers e da ação em deriva, armam-se roteiros de intervenção urbanas, que põem em ação procedimentos, táticas, atos minúsculos (talvez íntimos) em oposição a um embrutecimento que por vezes a vida nas grandes capitais parece gerar entre nós. Essas experimentações me levaram a aprofundar a experiência de certas qualidades de presença, de movimento e de interação entre corpos e entre corpo e espaço urbano.

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Los Amantes Berta Ibáñez

A partir de la obra «Psyché et l’Amour» óleo sobre lienzo de François Gérard (1798).

 

De um modo mais amplo, David Le Breton, em seu Elogio del Caminar (2011), explora a caminhada como prática correspondente às dimensões

 

Modo corpo humano que coloca em primeiro plano a abertura do corpo ao mun- do e essa espécie de vocação corporal à caminhada em oposição aos transportes rápidos (motorizados). Os autores que cito põem em evidência a dimensão de deslocamento presente na deriva, na errância ou na caminhada. Especialmente Le Breton levanta em sua obra uma coleção de livros, relatos de viagens caminha- das feitas por diferentes artistas e pensadores ao longo da história da humanida- de. Vejo em seu texto uma cartografia desse impulso humano por caminhar, seja como forma de deslocamento cultural (desplazamiento, déplacement), seja como ação corporal que gera um estado alterado de atenção, outros caminhos para o pensamento e a reflexão, já destacados por Nietzsche, por exemplo, como manei- ra privilegiada de filosofar.


Minha experiência de observação trouxe à tona a percepção de corpos dis- poníveis para a errância, para o desvio, não apenas como deslocamento em espaços, mas como devaneio corporal – desviar-se dos caminhos iniciais, desviar-se das propostas iniciais, distrair-se em meio ao burburinho e errar. É assim que falo na deriva dos corpos das crianças brincando no parque ou na sala de teatro, criando emaranhados, ou explorando-se na teia (brincando nela). Ou ainda, é assim que nomeio como deriva os corpos em espera dos adolescentes que desviam sua atenção para detalhes de seus corpos ou dos corpos de seus vi- zinhos no espaço, em micromovimentos, microações e variações corporais. Tal disponibilidade parece exigir certo alinhamento consigo mesmo, certa introspe- cção, simultaneamente a uma abertura ao mundo circundante. É um corpo que se permite desdobrar, derivar, desviar as rotas em função de um interesse interno ou externo, um interesse que flutua.

 

Um professor inicia uma canção, convidando o grupo de crianças a acompanhá-lo. Elas são convidadas a fazer gestos. Há crianças sentadas encostando-se às paredes;

 

Toutra olha hipnotizada com a boca semiaberta as mãos do professor em movimento to- cando a caixa; há crianças em pé – uma delas levanta a camiseta até o meio do tronco e balança o quadril –, outra criança devaneia com o olhar pelo espaço: “Tio, olha o balão na parede!”; outras se movem conforme os gestos ditados pela música. São outros tempos e disponibilidades para a observação do espaço. São diferentes elementos que realmente tomam a atenção de cada criança específica nesse contexto. Como Merleau-Ponty (1999) ou Machado (2010) destacam, com o adulto não é diferente. O horizonte de realidade em que estamos imersos é de tal modo diversificado e estimulante que não temos permanen- te controle consciente sobre para onde ou para o que nos voltaremos. Com o tempo e as interações com os padrões culturais é que passamos a nos esforçar para controlar nossa atenção, focá-la em situações, pessoas, leituras por um tempo prolongado.


T odavia, o devaneio, a errância que vejo nos corpos envolve um mergulho no am- biente, um engajamento entre corpo-ambiente, que parece se opor à ideia de dis- persão rápida, de um interesse que pulula de um objeto a outro indefinidamente. As crianças (do CEMN) no parque, que repetem incessantemente o percurso em torno do tanque de areia e da subida no escorregador, ou que brincam demoradamente com o “transporte” de areia por diferentes recipientes e espaços do parque transitam fluidamente entre o mergulhoemumaatividadeeadisponibilidade para microvariações das suas ações, de seus estados corporais. Parecem surgir duas modulações de corporalidade singulares, mas imbricadas:

 

2) Abertura ou disponibilidade – que se manifesta pelo voltar-se constantemente ao mundo/ao ambiente, investigando-o.


Centramento – que se manifesta por uma dimensão obsessiva da ação, em que se engendram os entrelaçamentos entre repetição e variação.

 

Inerente ao ato mesmo da repetição emergem microvariações, que engendram rotas de fuga, microdiferenças nos percursos corporais estabelecidos. Alte- rações de tônus muscular, de focos de olhar que guiam novas direções no espaço são desencadeadas às vezes explicitamente pela presença de outros corpos, sons, movimentos no ambiente, e às vezes ocorrem sem estímulo aparente. A flutuação aberta entre repetição e variação, entre dispersão e centramento dão um con- torno singular para essa dimensão da deriva que vejo atravessar as experiências corporais. Tais modulações de corporalidade, imbricadas com as modulações de outros corpos e dos espaços, surgem como composições, desenhos e intensidades de presença de crianças, adolescentes e adultos nos dois contextos de pesquisa.


Além da deriva dos corpos vistos individualmente em diferentes situações em campo, também a vejo como metáfora dos processos pedagógicos, aqueles

 

A em que professores e estudantes se abrem para os desvios, para os desdobramen- tos que atravessam as experiências em curso nas aulas. Ou, como na narrativa de Getúlio sobre seu processo com os sextos anos, a deriva parece invadir o percurso e possibilitar outras experiências para todos os que compartilham dessa trajetória.


Assim como os situacionistas e performers da atualidade criam “procedi- mentos para perder-se” em seus programas, talvez seja desejável para um professor e um grupo de estudantes em certas circunstâncias se valerem de pro- cedimentos de desvio, formas de se perder em processos pedagógicos. Não sugiro aqui um processo pedagógico sem intencionalidade, mas com a intenção clara de encontrar caminhos, mundos desconhecidos; criar outras rotas, observar-se en- quanto se perde, observar que outros corpos, que outros sentidos emergem quando nos permitimos descobrir o destino de uma viagem durante seu próprio percurso.

 

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