DOI:

https://doi.org/10.14483/25909398.20255

Publicado:

2023-02-15

Número:

Vol. 9 Núm. 9 (2022): Enero-Diciembre 2022

Sección:

Sección Central

Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias

Fat women: fatphobia, violence and (Re)existence

Mulheres gordas: gordofobia, violências e (Re) existências

Autores/as

  • Maria Luisa Jimenez Jimenez Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
  • Marcelle Jacinto Silva Universidade Federal do Ceará. https://orcid.org/0000-0001-6453-726X

Palabras clave:

Mujeres gordas, gordofobia, salud, violencia ética, (re)existencias, decolonialidad (es).

Palabras clave:

Fat women, fatphobia, health, ethical violence, (re) existences, decoloniality (en).

Palabras clave:

Mulheres gordas, gordofobia, saúde, violência ética, (re)existências, decolonialidade (pt).

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Cómo citar

APA

Jimenez Jimenez, M. L., y Jacinto Silva, M. (2023). Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias. Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos, 9(9), 149–162. https://doi.org/10.14483/25909398.20255

ACM

[1]
Jimenez Jimenez, M.L. y Jacinto Silva, M. 2023. Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias. Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos. 9, 9 (feb. 2023), 149–162. DOI:https://doi.org/10.14483/25909398.20255.

ACS

(1)
Jimenez Jimenez, M. L.; Jacinto Silva, M. Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias. corpo graf. 2023, 9, 149-162.

ABNT

JIMENEZ JIMENEZ, Maria Luisa; JACINTO SILVA, Marcelle. Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias. Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos, [S. l.], v. 9, n. 9, p. 149–162, 2023. DOI: 10.14483/25909398.20255. Disponível em: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/CORPO/article/view/20255. Acesso em: 26 dic. 2024.

Chicago

Jimenez Jimenez, Maria Luisa, y Marcelle Jacinto Silva. 2023. «Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias». Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos 9 (9):149-62. https://doi.org/10.14483/25909398.20255.

Harvard

Jimenez Jimenez, M. L. y Jacinto Silva, M. (2023) «Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias», Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos, 9(9), pp. 149–162. doi: 10.14483/25909398.20255.

IEEE

[1]
M. L. Jimenez Jimenez y M. Jacinto Silva, «Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias», corpo graf., vol. 9, n.º 9, pp. 149–162, feb. 2023.

MLA

Jimenez Jimenez, Maria Luisa, y Marcelle Jacinto Silva. «Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias». Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos, vol. 9, n.º 9, febrero de 2023, pp. 149-62, doi:10.14483/25909398.20255.

Turabian

Jimenez Jimenez, Maria Luisa, y Marcelle Jacinto Silva. «Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias». Corpo Grafías Estudios críticos de y desde los cuerpos 9, no. 9 (febrero 15, 2023): 149–162. Accedido diciembre 26, 2024. https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/CORPO/article/view/20255.

Vancouver

1.
Jimenez Jimenez ML, Jacinto Silva M. Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias. corpo graf. [Internet]. 15 de febrero de 2023 [citado 26 de diciembre de 2024];9(9):149-62. Disponible en: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/CORPO/article/view/20255

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Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias

Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias

Mujeres gordas: gordofobia, violencia y (Re)existencias

/ Fat women: fatphobia, violence and (Re)existence

Maria Luisa Jimenez Jimenez
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Marcelle Jacinto Silva
Universidade Federal do Ceará, Brasil

 



Resumen: La gordofobia es un estigma que estructura nuestra sociedad cisheteronormativa. Los gordos sufren mucha violencia, desde su niñez, por no estar dentro de lo que se entiende por “corporeidades sanas” en la concepción del saber médico colonialista. Las mujeres gordas sufren más, porque dentro de esta lógica, se nos lee como cuerpos abyectos y vivimos la violencia institucionalizada por los discursos soberanos del poder biomédico. En este sentido, pro- ponemos una reflexión sobre la gordofobia como violencia ética (Butler, 2019), que es un despliegue de la investigación desarrollada en el contexto de un doctorado y un posdoctorado, articulando los estudios transdisciplinarios del cuerpo gordo en Brasil, con un análisis bibliográfico crítico sobre autonomía, medicalización, género e interseccionalidad. La reflexión pasará por entender la gordofobia en la concepción de lo que significa tener un cuerpo sano, enmarcándolo como una violencia médica en paralelo a procesos de (re)existencia y resignificación de los dolores que aspiran a promover una vida más autónoma y alegre.

Palabras clave: Mujeres gordas, gordofobia, salud, violencia ética, (re)existencias, decolonialidad.

Resumo: Gordofobia é um estigma que estrutura nossa so- ciedade cisheteronormativa. Pessoas gordas sofrem muitas violências, desde suas infâncias, por não estarem dentro do que se entende por “cor- poralidades saudáveis” na concepção dos saberes médicos colonialistas. Mulheres gordas acabam sofrendo mais, porque dentro dessa lógica, somos lidas como corpos abjetos e vivenciamos violên- cias institucionalizadas por discursos soberanos de poder biomédico. Propomos, nesse sentido, uma reflexão sobre a gordofobia como violência ética (Butler, 2019) que se trata de um desdobramento de pesquisas desenvolvidas no âmbito de um dou- torado e um pós-doutorado, articulando os estudos transdisciplinares do corpo gordo no Brasil, a uma análise bibliográfica crítica sobre autonomia, medi- calização, gênero e interseccionalidades. A reflexão passará por entender a gordofobia na concepção do que é ter um corpo com saúde, enquadrando-a en- quanto uma violência médica em paralelo à proces- sos de (re)existências e ressignificação de dores que visam promover uma vida mais autônoma e alegre.

Palavras-chave: Mulheres gordas, gordofobia, saúde, violência ética, (re)existências, decolonialidade.

Abstract: Fat phobia is a stigma that structures our cishetero- normative society. Fat people suffer a lot of violen- ce, since their childhood, for not being within what is understood by “healthy corporealities” in the conception of colonialist medical knowledge. Fat women suffer more, because in this logic, we are read as abject bodies and experience violence ins- titutionalized by sovereign discourses of biomedical power. In this sense, we propose a reflection on fa- tphobia as ethical violence (Butler, 2019), which is an offshoot of research developed in the context of a doctorate and a post-doctorate, articulating the transdisciplinary studies of the fat body in Brazil, to a critical bibliographic analysis on autonomy, medicalization, gender and intersectionality. The reflec- tion proposes that the fatphobia in the conception of what is a healthy body, framing it as a medical violence in parallel to the processes of (re)existence and re-signification of pain that aim to promote a more autonomous and joyful life.

Keywords: Fat women, fatphobia, health, ethical violence, (re).

Introdução

De acordo com Sudo e Luz (2007, p. 1035), vivemos em uma “ditadura da magreza” onde a mulher é mais atingida do que os homens, já que o corpo fe- minino “de alguma maneira, sempre esteve ligado a padrões de beleza” (Jimenez-Jimenez, 2020, p. 1). As mulheres são, de fato, as “personagens princi- pais em publicidades que exibiam a vergonha de ser gorda” (Sant’Anna, 2016, p. 73), destinando ao cor- po gordo uma posição de “fardo estético”, “espe- cialmente para as jovens em busca de namoro e casamento” (Sant’Anna, 2016, p. 74), tendo em vista a expectativa social voltada para o corpo feminino.

Preciado (2018) nomeia a cultura ocidental contemporânea em que vivemos de “era farmacopornográ- fica”, partindo das formas como o “biocapitalismo farmacopornográfico” (Preciado, 2018, p. 38) nos afeta individual e coletivamente, através da fabri- cação, gestão e promoção dos corpos “carnais e digitais” em escala global. O corpo, sempre “farmaco- pornográfico”, conforme nos diz Preciado (2018), é entendido enquanto uma construção sociocultural que está no centro desse debate, em constante e ininterrupta vigilância, realidade esta que se insta-la a partir da Segunda Guerra Mundial, época que, de acordo com o autor, inaugura um novo “regime pós-industrial, global e midiático” que coloca em ação “processos de governo biomolecular (fárma- co-) e semiótico-técnico (-pornô)” (Preciado, 2018,p. 36) de controle “biomidiático” da subjetividade.

O “biocapitalismo farmacopornográfico” descortinado por Preciado (2018, p. 54) desenvolve seu controle “molecular e da produção de conexões virtuais audiovisuais”, e os dois principais pilares identificados por ele em sua análise são a indústria farmacêutica e a indústria audiovisual. A indústria do embelezamento, analisada por Sant’anna (2014,p. 75) faz parte disso, especialmente no que se re- fere aos “progressos nos âmbitos cirúrgico e estético”, os quais “reforçaram a ideia de que, com eles, qualquer um pode se adaptar ao mundo contem- porâneo, melhorar a relação consigo e com os outros e, ainda, escapar ao fracasso, ao abandono e à solidão”.

As histórias de muitas mulheres gordas que sempre lutaram contra a balança, passam, necessariamente por ações em busca de soluções milagrosas incenti- vadas pelas mídias, internet, família e por profissio- nais de saúde. Jejum intermitente, dieta do abacaxi, dieta da laranja, dieta vegana estrita, dieta do ovo, dieta Atkins ou low carb, dieta da sopa, pílula do emagrecimento e etc. São muitas as propostas de dietas que entram na moda com o compromisso de “secar” as pessoas. Sob apoio de muitos nutricio- nistas e rejeição de outros, cada vez mais, encontra- mos pessoas em regimes restritivos com o objetivo de emagrecer e de manter um corpo que, de acordo com essa concepção, seria mais saudável.

O fenômeno da procura pelo corpo desejável e aceito socialmente, isto é, magro e de preferência “sarado”, é objeto de estudo de muitos pesquisa- dores sociais citados aqui, e é comum surgir, nesta discussão contemporânea, a ideia de que o do in- divíduo moderno busca por um corpo que defina seu ser, visto que, conforme a mentalidade atual, um corpo “trabalhado” na academia, por exemplo, pode definir que somos saudáveis, belos, ativos e felizes.

Há um padrão despótico de beleza. A beleza do corpo, especialmente o feminino, é regulamen- tada por uma norma rígida e única: a magreza. Não existe alternativa legítima a esse modelo. Impossível realmente imaginar uma pin-up, uma estrela, uma top model, enfim, que não corresponda ao imperativo da magreza ab- soluta. É o modelo da hipermagreza. A moda tornou-se mais tolerante. A beleza, ao con- trário, tornou-se mais despótica, autoritária e inflexível. A proliferação de imagens – cinema, televisão, fotos, publicidade – reforça o mode- lo dominante e castiga qualquer divergência. A consequência disso é a hiperdimensão toma- da pelas dietas, pelas academias de ginástica e pelas cirurgias plásticas. Ser magro é um impe- rativo categórico. Toda infração à norma é mal- vista e criticada. (Lipovetsky, 2016, p. 12)

Conforme essa dinâmica social, vale tudo para al- cançar esse corpo construído continuamente como aquele que é sinônimo de felicidade, beleza, saú- de. Conquistar esse corpo magro, enaltecido social- mente, é um tipo de status e, para lograr essa con- quista, como um prêmio, vale qualquer coisa.

Sudo e Luz (2007, p. 1034) argumentaram que em “nenhuma época o corpo magro e esbelto esteve tão em evidência como nos dias atuais”, no sentido de ser o tipo de estética corporal mais valorizada, mas essa não é uma exclusividade da sociedade contemporânea “digital, digitalizada e em rede” (Recuero, 2014, p. 219). Antes do surgimento da internet, o “ser gordo passa a ser encarado como um indivíduo que carrega um ‘estigma’” (Sudo; Luz, 2007, p. 1036), um sinal corporal que já desperta- va a curiosidade das pessoas, que suscitava o riso, que remetia ao pecado da gula e, consequentemen- te, à desaprovação diante do olhar do outro (Silva, 2020). No entanto, nem sempre foi assim, tendo em vista que, conforme nos conta Sant’Anna (2016, p. 35-37), as “receitas elaboradas para engordar” e as “dietas de engorda” antecedem as dietas e regimes para emagrecer.

Na segunda metade do século XX, “Uma profusão de fórmulas para emagrecer tomou conta dos meios de comunicação de massa de maneira espe- tacular” (Sant’Anna, 2016, p. 123), acompanhada da “aparente liberação dos corpos, sugerida por sua atual onipresença na publicidade, na mídia e nas interações cotidianas” (Goldenberg; Ramos, 2007,p. 25), sua exposição cada vez maior e também o seu cada vez maior constrangimento às normas so- ciais e culturais. Dessa forma, com a ampla e assí- dua divulgação dos “problemas do sobrepeso e da obesidade” na mídia, “o medo de engordar gene- ralizou-se. Transformado em sentimento necessário para garantir a saúde, o dito medo afirmou-se, pri- meiro, como uma demonstração legítima e normal de amor-próprio e, logo a seguir, como uma prova de autoestima” (Sant’Anna, 2016, p. 112).

Giddens (2001) aponta que os regimes são impor- tantes nas construções de autoidentidade, porque relacionam hábitos a alguns aspectos da aparên- cia física visíveis e admirados pela sociedade e que afetam diretamente a forma do corpo. Assim, pode ser compreendido como e por que nossa imagem corporal é um espelho do que somos socialmente. Nosso corpo é considerado um portfólio de apre- sentação, define quem somos ao outro que, por sua vez, julga e constrói o que somos através do que vê. Sendo assim, emagrecer é um imperativo central na vida da maioria das mulheres, com motivação estética e parte do discurso vigente de saúde. Se mulheres magras sofrem essa pressão pelo corpo “perfeito”, magro e sarado, imaginem a gorda que, além de não alcançar o protótipo de corpo belo e sano, também representa o fracasso, a doença den- tro dessa concepção de que só é possível ser feliz e saudável quando possuímos um corpo magro.

Dentro desse cenário, propomos pensar como a gordofobia aparece no discurso de saúde na so- ciedade contemporânea, e como essa concepção de corpo gordo doente é violenta. O texto propõe uma análise sobre gordofobia como violência ética, conceito desenvolvido por Judith Butler (2019), em diálogo com uma análise bibliográfica crítica sobre autonomia, medicalização, gênero e intersecciona- lidades. A reflexão passará por entender a gordofo- bia na concepção do que é ter um corpo com saúde, enquadrando-a enquanto uma violência médica em paralelo à processos de (re)existências e ressignifi- cação de dores que visam promover uma vida mais autônoma e alegre.

Gordofobia no discurso de saúde: violência ética

A gordofobia é um preconceito com pessoas gordas, e essa discriminação leva a exclusão social, portan- to, nega acessibilidade às pessoas gordas. Essa es- tigmatização é estrutural e cultural, transmitida em muitos e diversos espaços e contextos sociais na so- ciedade contemporânea (Jimenez-Jimenez, 2020). Esse prejulgamento acontece com a desvalorização, humilhação, inferiorização, ofensas e restrições aos corpos gordos de modo geral, levando a perda de direitos porque patologiza todos os corpos gordos.

Por estar em todos os lugares (Jimenez-Jimenez, 2020, p. 3), esse preconceito possui várias defi- nições que, em geral, apontam para problemáticas afins. Podemos entendê-la como a discriminação contra pessoas gordas, isto é, um tipo de discrimi- nação baseada no tamanho, formato e peso da pes- soa “na concretude do seu próprio corpo” (Arruda, 2019). Trata-se de um fenômeno social complexo que é, muitas vezes, “disfarçada de preocupação com a saúde, dificultando, dessa forma, seu enten- dimento e embate” (Jimenez-Jimenez, 2020, p. 3), produzindo múltiplos desdobramentos, dentre eles uma série de questões emocionais e psicológicas.

Esse tipo de discriminação “traduz-se em desigual- dades em ambientes de trabalho, instituições de saúde e de ensino, muitas vezes devido à genera- lização de estereótipos negativos de que pessoas com sobrepeso e obesidade são preguiçosas, des- motivadas, indisciplinadas, menos competentes e desleixadas” (Silva; Cantisani, 2018, p. 372) ou ain- da, que a pessoa só permanece “gorda por falta devergonha na cara” (Sudo; Luz, 2007, p. 1034). Então, se a pessoa gorda, sabendo que seu corpo repre- senta uma anormalidade (e a mídia não deixa que ela se esqueça disso), resolve continuar gorda, essa pessoa é julgada, culpabilizada e responsabilizada por permanecer “anormal”.

Num contexto contemporâneo, distúrbios ali- mentares, dependência química, transtornos psicológicos e depressão podem ser direta- mente relacionados às consequências da gor- dofobia e que, em decorrência disso, podem levar ao suicídio. No contexto comunicacional, o apagamento do corpo gera consequências dramáticas não apenas para quem sofre com a gordofobia, mas para a sociedade como um todo. (Arruda, 2019, p. 18)

A Associação Médica Americana (AMA) inseriu ofi- cialmente a “obesidade”, em 2013, no campo da doença e, no mesmo ano, ela entrou no Código In- ternacional de Doenças (CID), o que gerou um aca- lorado debate envolvendo médicos (as), ativistas e pesquisadores (as). O critério para definição da obesidade não é o peso da pessoa, mas sim o Índice de Massa Corporal (IMC) em consonância com exa- mes específicos. De acordo com Sant’Anna (2016, p. 146-147), obesa é uma pessoa com um IMC acima de 30, mas um IMC considerado alto, no entanto, não significa que uma pessoa obesa irá necessaria- mente adoecer (Gomes, 2019). De acordo com Silva e Cantisani (2018, p. 365):

Nas perspectivas hegemônicas de saúde, a obesidade e seus desdobramentos vêm sen- do estudados há algumas décadas. No campoda Nutrição, ela é apontada não só como uma patologia – definida como um acúmulo exces- sivo ou anormal de gordura no tecido adipo- so – mas como importante fator de risco para outras doenças. Apesar disso, carecemos de estudos que se aprofundem na avaliação da abordagem terapêutica da obesidade e seus efeitos. Desde antes de a obesidade entrar para o rol das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), deixando para trás a preocupação com as carências nutricionais e a fome, a ciência da Nutrição reproduz o pensamento biomédico. A patologização do corpo gordo, enquanto algo a ser estudado, tratado e prevenido, teve início no período chamado de Transição Epidemioló- gica – entre a década de 1940 e início dos anos 2000, quando ocorreu a transformação das causas de mortalidade.

A visão que se tem de qualquer pessoa gorda não importando suas subjetividades, histórias, cultura, hábitos porque já se tem um pré diagnóstico da- quele corpo gordo como doente. Colocar/enten- der/tratar todas as pessoas gordas como doentes é GORDOFOBIA porque reforça o preconceito/es- tigma, reforçando estereótipos que acabam esta- belecendo situações degradantes, constrangedo- ras, marginalizando a pessoa gorda e a excluindo socialmente. Esses comportamentos acontecem na família, escola, trabalho, mídias, hospitais e con- sultórios, balada, transporte, praias, academias, piscinas, redes sociais, internet, espaços públicos e privados, etc.

Sendo assim, podemos inferir que a gordofobia é uma violência porque tira o direito da pessoa gor-da a ter dignidade e viver sua vida como qualquer outra pessoa estando ou não com alguma doença, dificuldade, dor. Além de negar a acessibilidade a esses corpos de ir e vir como o transporte público, cadeiras, aparelhos médicos, etc...

A gordofobia é violência porque culpabiliza, infe- rioriza, menospreza o que as pessoas gordas têm a falar sobre si mesmas, é como se a gente não ti- vesse capacidade para falar sobre nossas histórias, dores, etc. Além de ser um pré-conceito difícil de entender/detectar já que vem sempre disfarçado de amor, cuidado, saúde e preocupação...

Pensando na ideia de violência ética de Judith But- ler (2019), na qual pensa numa perspectiva de uma luta contínua para que vidas sejam reconhecidas mesmo quando os corpos não se encaixam naquilo que deveriam ser. Quais vidas são viáveis, valoriza- das e dignas de serem vividas?

Butler (2019) percebe essa ética posta sobre as corporalidades uma forma de violência, retoma a discussão filosófica sobre reconhecimento, já que existem corporalidades que dentro de um enqua- dramento de abjetos não acessam a ele. Para a fi- lósofa as pessoas que estão fora da normatividade nem chegam a alcançar condições de um possível reconhecimento, já que esses corpos “anormais” não têm o direito à vida, pois questiona quais valo- res de uma vida são condições para que uma pes- soa possa ser reconhecida, e por tanto a garantia de sua vida pelo Estado, pelas instituições, pela saúde?

A ação política é uma dupla criação que acolhe simultaneamente a nova distribuição de pos- sibilidades e trabalha por sua efetuação nas instituições, nos agenciamentos coletivos “co- rrespondentes à nova subjetividade” que se expressa através e no acontecimento. A efe- tuação de possíveis é, ao mesmo tempo, um processo imprevisível, aberto e arriscado. (Laz- zarato, 2006, p. 20)

Butler (2019) propõe pensar as exigências e câno- nes normativos que impõem universalmente a to-dos, e aqueles que não correspondem ao modelo de heteronormatividade está sujeito a algum tipo de violência ética na sociedade contemporânea. Se- gundo a autora: “(...) não só retira o individual do mundo como também destrói a base do envolvi- mento moral com o mundo. ” (Butler, 2019, p. 138).

A violência ética consiste no apagamento, na invi- sibilidade das subjetividades existentes, desde as exigências de normatividade, coerência, protótipos únicos e autodomínio. Isto é, da ignorância da pre- cariedade do sujeito em relatar a si mesmo.Assim podemos inferir que quando é tirado da pes- soa gorda sua autonomia nas escolhas de sua vida, ou o direito a que sejam garantidos seus direitos, da mesma forma com outras dissidências, esse direito é negado dentro dessa ética que normaliza corpo- reidades e pune aquelas que não se encaixam so- cialmente.

(Re)existências Gordas

Todo dia uma mulher gorda é xingada na rua. Todo dia uma mulher gorda é mal atendida por um médico. Todo dia uma mulher gorda ouve uma mulher magra dizer que está gorda (e que isso é a coisa mais terrível que pode acontecer em sua vida). Todo dia uma mulher gorda é olhada com desprezo numa academia. Todo dia uma mulher gorda é julgada num restaurante.

Todo dia uma mulher gorda é escondida pelo seu namorado (que sente vergonha de amar uma mulher fora dos padrões). Todo dia uma mulher gorda é rejeitada numa entrevista de emprego. Todo dia uma mulher gorda quebrauma cadeira (feita pra pessoas magras). Todo dia uma mulher gorda escuta que ela é boni- ta, mas apenas de rosto. Todo dia uma mulher gorda é classificada como uma pessoa sem vida sexual. Todo dia uma mulher gorda causa espanto por ser feliz. Todo dia é dia de resistên- cia. (Vieira, 2016, p.)Depois de entender que os corpos aqui apresenta- dos, percebidos como aqueles que trazem marcas de suas experiências, de sua história e de sua re- lação com o outro, também podem construir uma ressignificação desse corpo odiado e temido num primeiro momento, eles são transformados em ins- trumento na reconstrução de subjetividades, fora da construção normatizada dentro do sistema.Essas corpas gordas que foram excluídas, maltra- tadas, humilhadas e que, em muitos momentos, acreditavam ter perdido o direito de viver, em al- gum momento, pela internet ou presencialmente, se reconectam consigo mesmas e se propõem à re- construção de uma nova maneira de se enxergar e se posicionar no mundo.A internet permite agregar pessoas que lutam pela mesma causa e pensam da mesma maneira, e que, antes, estavam isoladas. Lemos (2002, pp. 90-91) afirma que a cibercultura é o resultado de uma re- unificação da ciência com a cultura, e vice-versa.

As tecnologias de comunicação contemporâneas promovem a cibercultura porque potencializam, ao invés de inibir, as situações lúdicas, comunitárias e imaginárias da vida social, conseguindo, assim, uma ordem social organizada, para a demanda por livre expressão interativa e pela criação autônoma:Cibercultura é a relação entre a técnica e a vida social, criada a partir da associação da cultu- ra contemporânea com as tecnologias digitais, sendo uma realidade social planetária, carac- terizada pela formação de uma conectividade telemática generalizada, que amplia assim as possibilidades comunicativas e promove agre- gações sociais. (Lemos, 2007, p. 87)

Essas agregações se transformam em redes de contatos que talvez melhor se adequassem na pers- pectiva de “tribos” urbanas, de Michel Maffesoli (1997), caracterizadas pela fluidez, ajuntamentos pontuais e pela dispersão:[...] o indivíduo não é mais uma entidade está- vel provida de identidade intangível e capaz de fazer sua própria história, antes de se associar com outros indivíduos, autônomos, para fazer a História do mundo. Movido por uma pulsão gregária é, também, o protagonista de uma ambiência afetual que o faz aderir, participar magicamente desses pequenos conjuntos es- corregadios que propus chamar de tribos (Ma- ffesoli, 1997, p. 67)

Manuel Castells (1999), em Sociedade em rede, ob- serva que[...] as pessoas resistem ao processo de indi- vidualização e atomização, tendendo a agru- par-se em organizações comunitárias que, ao longo do tempo, geram um sentimento de per- tença e, em última análise, em muitos casos, uma identidade cultural, comunal, (Castells, 1999, p. 79)Seguindo esse raciocínio, a gordofobia como ati- vismo faz parte do coletivo, no qual indivíduos descontentes com a estigmatização institucional e estrutural acabam se encontrando, se organizando e começam a questionar a repulsa e a falta de humanidade lançadas aos corpos gordos na sociedade contemporânea:

A ação política é uma dupla criação que acolhe simultaneamente a nova distribuição de pos- sibilidades e trabalha por sua efetuação nas instituições, nos agenciamentos coletivos “correspondentes à nova subjetividade” que se expressa através e no acontecimento. A efetuação de possíveis é, ao mesmo tempo, um processo imprevisível, aberto e arriscado. (Laz- zarato, 2006, p. 20)A internet funciona como um catalisador do pro- cesso de organização, que está constantemente em mudança, se aprimorando, uma vez que as fe- rramentas estão sempre em desenvolvimento em razão das necessidades de seus usuários na rede.

É por meio delas que os indivíduos promoverão o acontecimento político e poderão ser transforma- dos: interagindo, produzindo, editando, recebendo e compartilhando informações pré e pós-atuação. Se tratam, portanto, do que Recuero (2014) chama de “conversação em rede”, o qual se trata de um fenômeno contemporâneo que surge dos “milhares de atores interconectados que dividem, negociam e constroem contextos coletivos de interação, trocam e difundem informações, criam laços e estabelecem redes sociais” (Recuero, 2014, p. 19), criando, assim, novos impactos na vida individual e coletiva, pro- porcionando “novas formas de trocas sociais que constroem conversações públicas, coletivas, síncro-nas e assíncronas, que permeiam grupos e sistemas diferentes, migram, espalham-se e semeiam novos comportamentos” (Recuero, 2014, p. 121).

Esses contatos virtualmente concebidos se materia- lizam em salas, coletivos e encontros nas cidades, já que são dois espaços — virtual e físico — de so- ciabilidade que se complementam, formando um circuito de fluxos comunicacionais intensos, uma rede, ao mesmo tempo, virtual e real.Soy Activista de la gordura: Creo firmemente que todos los días, en lo cotidiano, se puede lograr un nuevo espacio para los cuerpos diversos.

Hay muchas realidades que pasan desapercibidas cuando se tiene un cuerpo hegemónico, y vivir siendo gorda interpela a la gente. En eso, todas las gordas somos activistas por- que vivimos siendo como somos, sin pedir per- miso. […] Cuando empecé a hablar sobre ser gorda desde un lugar de aceptación, mucha gente empezó a responder. Lo hice en redes sociales, pero no para lucirme o para enfrentar algo; tengo 32 años y todos los demonios y santos posibles relacionados con la imagen y la auto percepción ya los enfrenté.

Pero tengo una hija de 12 años y sentí miedo y también responsabilidad. Cuando a los 13 o 14 años me veía gorda y me sentía indeseable, no era por mi cuerpo -que ahora veo a la distancia y era un cuerpo de una chica un poco alta de espalda ancha que no hacía mucho ejercicio-.

Era por cómo me hicieron sentir en diferentes lugares. (Ana, 2016)Os corpos que resistem a serem padronizados comomagros, belos e saudáveis, etiquetados e coloca- dos à mostra como o ideal a ser seguido, de algu- ma maneira são revolucionários, pois resistem ao que se obriga ser e, ao contrário de se sentirem mal por não estarem dentro do padrão, aceitam a si próprios, como quebra de uma ideia preconcebida do que é ser belo, feminino, feliz e saudável no mundo capitalista.

Muitas dessas mulheres que pararam de lutar con- tra a balança, regimes absurdos, academias, plásti- cas e espelhos agora aceitam seus corpos como são e fazem dele uma luta, são corpos políticos, corpos criativos. Mulheres mais felizes, que buscam seu lu- gar no mundo como são e não como a sociedade impõe que sejam:

Sí, creo que el cuerpo gordo que es consciente de sí mismo y lo que representa en esta socie- dad patologizante y se quiere (o intenta enten- derse un poco) es necesariamente un cuerpo activista. Creo que la gordura es una cuestión súper política, creo que todo requiere el doble de esfuerzo, creo que la obsesión con el mode- lo de belleza flaco y atlético tiene mucho que ver con una obediencia a la industria de la belleza. (Jael, 2016)Dessa maneira, o corpo que acontece, o corpo gor- do assumido, pode ser considerado um corpo polí- tico, ou corpos políticos, já que é o corpo indeseja- do, provocativo, inadequado, que subverte a lógica estabelecida e invoca a resistência nos espaços que ocupa. Nesse sentido, o corpo gordo da mulher é um corpo político.

Esses corpos alegres com o que são incentivam ou-tras mulheres gordas ou fora dos padrões a gosta- rem de seus corpos também, independentemente do que o padrão atual considera como belo e sau- dável.Nunca se exigiram tantas provas de submissão às normas estéticas, modificações corporais para fe- minizar um corpo. A partir dessas exigências, tem surgido uma resistência feminina em não aceitar e a quebrar essas normatizações corporais. O que se percebe são mulheres que sofreram com seus cor- pos, que não fazem parte desse padrão estético fe- minino e conseguiram se libertar dessas exigências sociais.

Por meio de conversas, leituras, movimentos femi- nistas, mulheres começaram a entender que toda essa normatização do corpo magro é uma opressão e todas sofrem com a busca de algo que nunca po- deria ser alcançado. Mais ainda, a luta central e in- dignação política do ativismo gordo diz respeito a espaços extremamente pequenos para corpos que não cabem neles.E se somos a maioria, se a sociedade tem aumenta- do de tamanho, por que os espaços têm diminuído? Qual relação esse paradigma tem com o sistema capitalista?

Como Lipovetsky (2016) explica, a socie- dade contemporânea segue rumo a uma civilização sem peso, em que a leveza e o pequeno são relacio- nados ao melhor, bom e saudável.A partir dessas reflexões começaram a surgir inú- meros movimentos de mulheres que acreditavam que seus corpos não deveriam ser padronizados e que, ao invés de sofrerem, buscaram a aceitação etransformaram seus corpos em corpos políticos, revolucionários e felizes.

Como já dito, Michel Foucault (1997) esclarece que o corpo foi descoberto como objeto e alvo do po- der. Ele ganha atenção quando é percebido como algo manipulado, modelado, treinado e obediente.Apesar de toda essa cobrança institucional sobre corpos normatizados, existem mulheres do mundo todo lutando em sentido contrário aos interesses empresariais de impérios como light e diet, cos- méticos, academias etc. Elas propõem a criação de outro modo de ser e estar no mundo, outras socia- bilidades, outras corporalidades, buscando o em- poderamento de seus modos de ser, que estão fora dos padrões, libertando-se da opressão estética da subjetividade capitalística.

Considerações finais

Vivemos uma era farmacopornográfica que é, por isso mesmo, uma “era toxicopornográfica” (Pre- ciado, 2018, p. 56), que associa saúde com beleza e feiura com doença. Nessa era, nós nos intoxica- mos com substâncias e imagens, com histórias e emoções; e devemos controlar qualquer tipo de excesso, conter qualquer exagero: de peso, de gordura, de emoção.

Esse corpo sempre farmacopornográfico, se “tor- na coletivamente desejável graças à sua gestão farmacopornográfica e sua promoção audiovisual” (Preciado, 2018, p. 56), como podemos perceber em nossas perambulações diárias nas redes so- ciais. Nessa lógica, a autossatisfação das pessoas não é uma prioridade, portanto, é preciso fabricarinadequação, padrões que deixem pessoas de fora, imagens que cause repulsa e vergonha, para que as pessoas busquem aprimorar seus corpos, suas personalidades, para que se sintam aceitos na sociedade, caso contrário, serão marginalizados.

Butler (2019) propõe uma reflexão sobre a violên- cia ética que acontece quando um éthos coletivo vai se tornando obsoleto, anacrônico. Isto é, o coletivo não é entendido, respeitado e visto, como vivências subjetivas, dentro de um conjunto práticas e pensamentos e culturas diversas. Essa violência, por meio da imposição tenta colocar as subjetividades num lugar comum, único de reprodução do normativo- cishetero.

Quais as condições para que uma pessoa, um corpo seja reconhecido? Escutado? Levado em conside- ração? Para a filósofa, a ética estaria no reconhe- cimento do outro enquanto diverso, diferente da- quilo que se normatiza como único sem o ser. Não deveria existir nenhuma exigência para que o diferente se enquadre ao que é normativo socialmente. Ou seja, dar-se-ia acontecer um acolhimento ao “diverso” e não uma exclusão ao que não entra nas caixinhas que criamos dentro de uma perspectiva dualista de certo e errado, normal e anormal, saudável e doente.

Essa leitura em encontro aos estudos do Corpo Gordo nos faz refletir nas exigências e imposições que reinci- dem sobre todas as pessoas que não correspondem aos modelos normativos de corporeidades, isto é, quais são as condições que as corporeidades gordas como corpos abjetos sofrem com a violência ética na família, escola, consultório médico, universidade, mídia, etc.

Em “O perigo da história única”, Chimamanda Ngozi Adichie (2019) fala sobre como a história única “cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos” (Adi- chie, 2019, p. 26). Faz sentido dialogar essa proposta da autora com a questão da gordofobia porque, con- forme Sant’Anna (2016, p. 144), a representação he- gemônica e institucionalmente aceita sobre pessoas gordas evoca uma ideia particular sobre essa popu- lação, “Como se, ao ver um deles, independente de seu sexo e de sua personalidade, fosse possível adi- vinhar como são todos os outros” (Sant’Anna, 2016, p. 144). E essa é uma elaboração sociocultural arbitrária, que “rouba a dignidade das pessoas. Torna difícil o reconhecimento da nossa humanidade em comum. Enfatiza como somos diferentes, e não como somos parecidos” (Adichie, 2019, pp. 27-28).

O diagnóstico de obesidade enquanto enquadramen- to único e hegemônico de corpos gordos, seria, nesse sentido, a história única das pessoas gordas. De acor- do com Adichie (2019), ao falarmos sobre a história única de alguém ou de um grupo de pessoas, estamos falando sobre poder, o poder de falar sobre si e sobre os outros, tendo em vista que, poder “é a habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva” (Adiechie, 2019, p. 23). Um dos objetivos reivindicados pelo ati- vismo gordo, uma das formas de resistência em ex- pansão que temos acompanhado, é o rompimento com essa história única sobre o corpo gordo, através da retomada do poder de fala das pessoas gordas so- bre suas narrativas, corpos e experiências.

 

Resumen

La gordofobia es un estigma que estructura nuestra sociedad cisheteronormativa. Los gordos sufren mucha violencia, desde su niñez, por no estar dentro de lo que se entiende por “corporeidades sanas” en la concepción del saber médico colonialista. Las mujeres gordas sufren más, porque dentro de esta lógica, se nos lee como cuerpos abyectos y vivimos la violencia institucionalizada por los discursos soberanos del poder biomédico. En este sentido, pro- ponemos una reflexión sobre la gordofobia como violencia ética (Butler, 2019), que es un despliegue de la investigación desarrollada en el contexto de un doctorado y un posdoctorado, articulando los estudios transdisciplinarios del cuerpo gordo en Brasil, con un análisis bibliográfico crítico sobre autonomía, medicalización, género e interseccionalidad. La reflexión pasará por entender la gordofobia en la concepción de lo que significa tener un cuerpo sano, enmarcándolo como una violencia médica en paralelo a procesos de (re)existencia y resignificación de los dolores que aspiran a promover una vida más autónoma y alegre.

Palabras clave

Mujeres gordas, gordofobia, salud, violencia ética, (re)existencias, decolonialidad.

Resumo

Gordofobia é um estigma que estrutura nossa so- ciedade cisheteronormativa. Pessoas gordas sofrem muitas violências, desde suas infâncias, por não estarem dentro do que se entende por “cor- poralidades saudáveis” na concepção dos saberes médicos colonialistas. Mulheres gordas acabam sofrendo mais, porque dentro dessa lógica, somos lidas como corpos abjetos e vivenciamos violên- cias institucionalizadas por discursos soberanos de poder biomédico. Propomos, nesse sentido, uma reflexão sobre a gordofobia como violência ética (Butler, 2019) que se trata de um desdobramento de pesquisas desenvolvidas no âmbito de um dou- torado e um pós-doutorado, articulando os estudos transdisciplinares do corpo gordo no Brasil, a uma análise bibliográfica crítica sobre autonomia, medi- calização, gênero e interseccionalidades. A reflexão passará por entender a gordofobia na concepção do que é ter um corpo com saúde, enquadrando-a en- quanto uma violência médica em paralelo à proces- sos de (re)existências e ressignificação de dores que visam promover uma vida mais autônoma e alegre.

Palavras-chave

Mulheres gordas, gordofobia, saúde, violência ética, (re)existências, decolonialidade.

Abstract

Fat phobia is a stigma that structures our cishetero- normative society. Fat people suffer a lot of violen- ce, since their childhood, for not being within what is understood by “healthy corporealities” in the conception of colonialist medical knowledge. Fat women suffer more, because in this logic, we are read as abject bodies and experience violence ins- titutionalized by sovereign discourses of biomedical power. In this sense, we propose a reflection on fa- tphobia as ethical violence (Butler, 2019), which is an offshoot of research developed in the context of a doctorate and a post-doctorate, articulating the transdisciplinary studies of the fat body in Brazil, to a critical bibliographic analysis on autonomy, medicalization, gender and intersectionality. The reflec- tion proposes that the fatphobia in the conception of what is a healthy body, framing it as a medical violence in parallel to the processes of (re)existence and re-signification of pain that aim to promote a more autonomous and joyful life.

Keywords

Fat women, fatphobia, health, ethical violence, (re).

Introdução

De acordo com Sudo e Luz (2007, p. 1035), vivemos em uma “ditadura da magreza” onde a mulher é mais atingida do que os homens, já que o corpo fe- minino “de alguma maneira, sempre esteve ligado a padrões de beleza” (Jimenez-Jimenez, 2020, p. 1). As mulheres são, de fato, as “personagens princi- pais em publicidades que exibiam a vergonha de ser gorda” (Sant’Anna, 2016, p. 73), destinando ao cor- po gordo uma posição de “fardo estético”, “espe- cialmente para as jovens em busca de namoro e casamento” (Sant’Anna, 2016, p. 74), tendo em vista a expectativa social voltada para o corpo feminino.

Preciado (2018) nomeia a cultura ocidental contemporânea em que vivemos de “era farmacopornográ- fica”, partindo das formas como o “biocapitalismo farmacopornográfico” (Preciado, 2018, p. 38) nos afeta individual e coletivamente, através da fabri- cação, gestão e promoção dos corpos “carnais e digitais” em escala global. O corpo, sempre “farmaco- pornográfico”, conforme nos diz Preciado (2018), é entendido enquanto uma construção sociocultural que está no centro desse debate, em constante e ininterrupta vigilância, realidade esta que se insta-la a partir da Segunda Guerra Mundial, época que, de acordo com o autor, inaugura um novo “regime pós-industrial, global e midiático” que coloca em ação “processos de governo biomolecular (fárma- co-) e semiótico-técnico (-pornô)” (Preciado, 2018,p. 36) de controle “biomidiático” da subjetividade.

O “biocapitalismo farmacopornográfico” descortinado por Preciado (2018, p. 54) desenvolve seu controle “molecular e da produção de conexões virtuais audiovisuais”, e os dois principais pilares identificados por ele em sua análise são a indústria farmacêutica e a indústria audiovisual. A indústria do embelezamento, analisada por Sant’anna (2014,p. 75) faz parte disso, especialmente no que se re- fere aos “progressos nos âmbitos cirúrgico e estético”, os quais “reforçaram a ideia de que, com eles, qualquer um pode se adaptar ao mundo contem- porâneo, melhorar a relação consigo e com os outros e, ainda, escapar ao fracasso, ao abandono e à solidão”.

As histórias de muitas mulheres gordas que sempre lutaram contra a balança, passam, necessariamente por ações em busca de soluções milagrosas incenti- vadas pelas mídias, internet, família e por profissio- nais de saúde. Jejum intermitente, dieta do abacaxi, dieta da laranja, dieta vegana estrita, dieta do ovo, dieta Atkins ou low carb, dieta da sopa, pílula do emagrecimento e etc. São muitas as propostas de dietas que entram na moda com o compromisso de “secar” as pessoas. Sob apoio de muitos nutricio- nistas e rejeição de outros, cada vez mais, encontra- mos pessoas em regimes restritivos com o objetivo de emagrecer e de manter um corpo que, de acordo com essa concepção, seria mais saudável.

O fenômeno da procura pelo corpo desejável e aceito socialmente, isto é, magro e de preferência “sarado”, é objeto de estudo de muitos pesquisa- dores sociais citados aqui, e é comum surgir, nesta discussão contemporânea, a ideia de que o do in- divíduo moderno busca por um corpo que defina seu ser, visto que, conforme a mentalidade atual, um corpo “trabalhado” na academia, por exemplo, pode definir que somos saudáveis, belos, ativos e felizes.

Há um padrão despótico de beleza. A beleza do corpo, especialmente o feminino, é regulamen- tada por uma norma rígida e única: a magreza. Não existe alternativa legítima a esse modelo. Impossível realmente imaginar uma pin-up, uma estrela, uma top model, enfim, que não corresponda ao imperativo da magreza ab- soluta. É o modelo da hipermagreza. A moda tornou-se mais tolerante. A beleza, ao con- trário, tornou-se mais despótica, autoritária e inflexível. A proliferação de imagens – cinema, televisão, fotos, publicidade – reforça o mode- lo dominante e castiga qualquer divergência. A consequência disso é a hiperdimensão toma- da pelas dietas, pelas academias de ginástica e pelas cirurgias plásticas. Ser magro é um impe- rativo categórico. Toda infração à norma é mal- vista e criticada. (Lipovetsky, 2016, p. 12)

Conforme essa dinâmica social, vale tudo para al- cançar esse corpo construído continuamente como aquele que é sinônimo de felicidade, beleza, saú- de. Conquistar esse corpo magro, enaltecido social- mente, é um tipo de status e, para lograr essa con- quista, como um prêmio, vale qualquer coisa.

Sudo e Luz (2007, p. 1034) argumentaram que em “nenhuma época o corpo magro e esbelto esteve tão em evidência como nos dias atuais”, no sentido de ser o tipo de estética corporal mais valorizada, mas essa não é uma exclusividade da sociedade contemporânea “digital, digitalizada e em rede” (Recuero, 2014, p. 219). Antes do surgimento da internet, o “ser gordo passa a ser encarado como um indivíduo que carrega um ‘estigma’” (Sudo; Luz, 2007, p. 1036), um sinal corporal que já desperta- va a curiosidade das pessoas, que suscitava o riso, que remetia ao pecado da gula e, consequentemen- te, à desaprovação diante do olhar do outro (Silva, 2020). No entanto, nem sempre foi assim, tendo em vista que, conforme nos conta Sant’Anna (2016, p. 35-37), as “receitas elaboradas para engordar” e as “dietas de engorda” antecedem as dietas e regimes para emagrecer.

Na segunda metade do século XX, “Uma profusão de fórmulas para emagrecer tomou conta dos meios de comunicação de massa de maneira espe- tacular” (Sant’Anna, 2016, p. 123), acompanhada da “aparente liberação dos corpos, sugerida por sua atual onipresença na publicidade, na mídia e nas interações cotidianas” (Goldenberg; Ramos, 2007,p. 25), sua exposição cada vez maior e também o seu cada vez maior constrangimento às normas so- ciais e culturais. Dessa forma, com a ampla e assí- dua divulgação dos “problemas do sobrepeso e da obesidade” na mídia, “o medo de engordar gene- ralizou-se. Transformado em sentimento necessário para garantir a saúde, o dito medo afirmou-se, pri- meiro, como uma demonstração legítima e normal de amor-próprio e, logo a seguir, como uma prova de autoestima” (Sant’Anna, 2016, p. 112).

Giddens (2001) aponta que os regimes são impor- tantes nas construções de autoidentidade, porque relacionam hábitos a alguns aspectos da aparên- cia física visíveis e admirados pela sociedade e que afetam diretamente a forma do corpo. Assim, pode ser compreendido como e por que nossa imagem corporal é um espelho do que somos socialmente. Nosso corpo é considerado um portfólio de apre- sentação, define quem somos ao outro que, por sua vez, julga e constrói o que somos através do que vê. Sendo assim, emagrecer é um imperativo central na vida da maioria das mulheres, com motivação estética e parte do discurso vigente de saúde. Se mulheres magras sofrem essa pressão pelo corpo “perfeito”, magro e sarado, imaginem a gorda que, além de não alcançar o protótipo de corpo belo e sano, também representa o fracasso, a doença den- tro dessa concepção de que só é possível ser feliz e saudável quando possuímos um corpo magro.

Dentro desse cenário, propomos pensar como a gordofobia aparece no discurso de saúde na so- ciedade contemporânea, e como essa concepção de corpo gordo doente é violenta. O texto propõe uma análise sobre gordofobia como violência ética, conceito desenvolvido por Judith Butler (2019), em diálogo com uma análise bibliográfica crítica sobre autonomia, medicalização, gênero e intersecciona- lidades. A reflexão passará por entender a gordofo- bia na concepção do que é ter um corpo com saúde, enquadrando-a enquanto uma violência médica em paralelo à processos de (re)existências e ressignifi- cação de dores que visam promover uma vida mais autônoma e alegre.

Gordofobia no discurso de saúde: violência ética

A gordofobia é um preconceito com pessoas gordas, e essa discriminação leva a exclusão social, portan- to, nega acessibilidade às pessoas gordas. Essa es- tigmatização é estrutural e cultural, transmitida em muitos e diversos espaços e contextos sociais na so- ciedade contemporânea (Jimenez-Jimenez, 2020). Esse prejulgamento acontece com a desvalorização, humilhação, inferiorização, ofensas e restrições aos corpos gordos de modo geral, levando a perda de direitos porque patologiza todos os corpos gordos.

Por estar em todos os lugares (Jimenez-Jimenez, 2020, p. 3), esse preconceito possui várias defi- nições que, em geral, apontam para problemáticas afins. Podemos entendê-la como a discriminação contra pessoas gordas, isto é, um tipo de discrimi- nação baseada no tamanho, formato e peso da pes- soa “na concretude do seu próprio corpo” (Arruda, 2019). Trata-se de um fenômeno social complexo que é, muitas vezes, “disfarçada de preocupação com a saúde, dificultando, dessa forma, seu enten- dimento e embate” (Jimenez-Jimenez, 2020, p. 3), produzindo múltiplos desdobramentos, dentre eles uma série de questões emocionais e psicológicas.

Esse tipo de discriminação “traduz-se em desigual- dades em ambientes de trabalho, instituições de saúde e de ensino, muitas vezes devido à genera- lização de estereótipos negativos de que pessoas com sobrepeso e obesidade são preguiçosas, des- motivadas, indisciplinadas, menos competentes e desleixadas” (Silva; Cantisani, 2018, p. 372) ou ain- da, que a pessoa só permanece “gorda por falta devergonha na cara” (Sudo; Luz, 2007, p. 1034). Então, se a pessoa gorda, sabendo que seu corpo repre- senta uma anormalidade (e a mídia não deixa que ela se esqueça disso), resolve continuar gorda, essa pessoa é julgada, culpabilizada e responsabilizada por permanecer “anormal”.

Num contexto contemporâneo, distúrbios ali- mentares, dependência química, transtornos psicológicos e depressão podem ser direta- mente relacionados às consequências da gor- dofobia e que, em decorrência disso, podem levar ao suicídio. No contexto comunicacional, o apagamento do corpo gera consequências dramáticas não apenas para quem sofre com a gordofobia, mas para a sociedade como um todo. (Arruda, 2019, p. 18)

A Associação Médica Americana (AMA) inseriu ofi- cialmente a “obesidade”, em 2013, no campo da doença e, no mesmo ano, ela entrou no Código In- ternacional de Doenças (CID), o que gerou um aca- lorado debate envolvendo médicos (as), ativistas e pesquisadores (as). O critério para definição da obesidade não é o peso da pessoa, mas sim o Índice de Massa Corporal (IMC) em consonância com exa- mes específicos. De acordo com Sant’Anna (2016, p. 146-147), obesa é uma pessoa com um IMC acima de 30, mas um IMC considerado alto, no entanto, não significa que uma pessoa obesa irá necessaria- mente adoecer (Gomes, 2019). De acordo com Silva e Cantisani (2018, p. 365):

Nas perspectivas hegemônicas de saúde, a obesidade e seus desdobramentos vêm sen- do estudados há algumas décadas. No campoda Nutrição, ela é apontada não só como uma patologia – definida como um acúmulo exces- sivo ou anormal de gordura no tecido adipo- so – mas como importante fator de risco para outras doenças. Apesar disso, carecemos de estudos que se aprofundem na avaliação da abordagem terapêutica da obesidade e seus efeitos. Desde antes de a obesidade entrar para o rol das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), deixando para trás a preocupação com as carências nutricionais e a fome, a ciência da Nutrição reproduz o pensamento biomédico. A patologização do corpo gordo, enquanto algo a ser estudado, tratado e prevenido, teve início no período chamado de Transição Epidemioló- gica – entre a década de 1940 e início dos anos 2000, quando ocorreu a transformação das causas de mortalidade.

A visão que se tem de qualquer pessoa gorda não importando suas subjetividades, histórias, cultura, hábitos porque já se tem um pré diagnóstico da- quele corpo gordo como doente. Colocar/enten- der/tratar todas as pessoas gordas como doentes é GORDOFOBIA porque reforça o preconceito/es- tigma, reforçando estereótipos que acabam esta- belecendo situações degradantes, constrangedo- ras, marginalizando a pessoa gorda e a excluindo socialmente. Esses comportamentos acontecem na família, escola, trabalho, mídias, hospitais e con- sultórios, balada, transporte, praias, academias, piscinas, redes sociais, internet, espaços públicos e privados, etc.

Sendo assim, podemos inferir que a gordofobia é uma violência porque tira o direito da pessoa gor-da a ter dignidade e viver sua vida como qualquer outra pessoa estando ou não com alguma doença, dificuldade, dor. Além de negar a acessibilidade a esses corpos de ir e vir como o transporte público, cadeiras, aparelhos médicos, etc...

A gordofobia é violência porque culpabiliza, infe- rioriza, menospreza o que as pessoas gordas têm a falar sobre si mesmas, é como se a gente não ti- vesse capacidade para falar sobre nossas histórias, dores, etc. Além de ser um pré-conceito difícil de entender/detectar já que vem sempre disfarçado de amor, cuidado, saúde e preocupação...

Pensando na ideia de violência ética de Judith But- ler (2019), na qual pensa numa perspectiva de uma luta contínua para que vidas sejam reconhecidas mesmo quando os corpos não se encaixam naquilo que deveriam ser. Quais vidas são viáveis, valoriza- das e dignas de serem vividas?

Butler (2019) percebe essa ética posta sobre as corporalidades uma forma de violência, retoma a discussão filosófica sobre reconhecimento, já que existem corporalidades que dentro de um enqua- dramento de abjetos não acessam a ele. Para a fi- lósofa as pessoas que estão fora da normatividade nem chegam a alcançar condições de um possível reconhecimento, já que esses corpos “anormais” não têm o direito à vida, pois questiona quais valo- res de uma vida são condições para que uma pes- soa possa ser reconhecida, e por tanto a garantia de sua vida pelo Estado, pelas instituições, pela saúde?

A ação política é uma dupla criação que acolhe simultaneamente a nova distribuição de pos- sibilidades e trabalha por sua efetuação nas instituições, nos agenciamentos coletivos “co- rrespondentes à nova subjetividade” que se expressa através e no acontecimento. A efe- tuação de possíveis é, ao mesmo tempo, um processo imprevisível, aberto e arriscado. (Laz- zarato, 2006, p. 20)

Butler (2019) propõe pensar as exigências e câno- nes normativos que impõem universalmente a to-dos, e aqueles que não correspondem ao modelo de heteronormatividade está sujeito a algum tipo de violência ética na sociedade contemporânea. Se- gundo a autora: “(...) não só retira o individual do mundo como também destrói a base do envolvi- mento moral com o mundo. ” (Butler, 2019, p. 138).

A violência ética consiste no apagamento, na invi- sibilidade das subjetividades existentes, desde as exigências de normatividade, coerência, protótipos únicos e autodomínio. Isto é, da ignorância da pre- cariedade do sujeito em relatar a si mesmo.Assim podemos inferir que quando é tirado da pes- soa gorda sua autonomia nas escolhas de sua vida, ou o direito a que sejam garantidos seus direitos, da mesma forma com outras dissidências, esse direito é negado dentro dessa ética que normaliza corpo- reidades e pune aquelas que não se encaixam so- cialmente.

(Re)existências Gordas

Todo dia uma mulher gorda é xingada na rua. Todo dia uma mulher gorda é mal atendida por um médico. Todo dia uma mulher gorda ouve uma mulher magra dizer que está gorda (e que isso é a coisa mais terrível que pode acontecer em sua vida). Todo dia uma mulher gorda é olhada com desprezo numa academia. Todo dia uma mulher gorda é julgada num restaurante.

Todo dia uma mulher gorda é escondida pelo seu namorado (que sente vergonha de amar uma mulher fora dos padrões). Todo dia uma mulher gorda é rejeitada numa entrevista de emprego. Todo dia uma mulher gorda quebrauma cadeira (feita pra pessoas magras). Todo dia uma mulher gorda escuta que ela é boni- ta, mas apenas de rosto. Todo dia uma mulher gorda é classificada como uma pessoa sem vida sexual. Todo dia uma mulher gorda causa espanto por ser feliz. Todo dia é dia de resistên- cia. (Vieira, 2016, p.)Depois de entender que os corpos aqui apresenta- dos, percebidos como aqueles que trazem marcas de suas experiências, de sua história e de sua re- lação com o outro, também podem construir uma ressignificação desse corpo odiado e temido num primeiro momento, eles são transformados em ins- trumento na reconstrução de subjetividades, fora da construção normatizada dentro do sistema.Essas corpas gordas que foram excluídas, maltra- tadas, humilhadas e que, em muitos momentos, acreditavam ter perdido o direito de viver, em al- gum momento, pela internet ou presencialmente, se reconectam consigo mesmas e se propõem à re- construção de uma nova maneira de se enxergar e se posicionar no mundo.A internet permite agregar pessoas que lutam pela mesma causa e pensam da mesma maneira, e que, antes, estavam isoladas. Lemos (2002, pp. 90-91) afirma que a cibercultura é o resultado de uma re- unificação da ciência com a cultura, e vice-versa.

As tecnologias de comunicação contemporâneas promovem a cibercultura porque potencializam, ao invés de inibir, as situações lúdicas, comunitárias e imaginárias da vida social, conseguindo, assim, uma ordem social organizada, para a demanda por livre expressão interativa e pela criação autônoma:Cibercultura é a relação entre a técnica e a vida social, criada a partir da associação da cultu- ra contemporânea com as tecnologias digitais, sendo uma realidade social planetária, carac- terizada pela formação de uma conectividade telemática generalizada, que amplia assim as possibilidades comunicativas e promove agre- gações sociais. (Lemos, 2007, p. 87)

Essas agregações se transformam em redes de contatos que talvez melhor se adequassem na pers- pectiva de “tribos” urbanas, de Michel Maffesoli (1997), caracterizadas pela fluidez, ajuntamentos pontuais e pela dispersão:[...] o indivíduo não é mais uma entidade está- vel provida de identidade intangível e capaz de fazer sua própria história, antes de se associar com outros indivíduos, autônomos, para fazer a História do mundo. Movido por uma pulsão gregária é, também, o protagonista de uma ambiência afetual que o faz aderir, participar magicamente desses pequenos conjuntos es- corregadios que propus chamar de tribos (Ma- ffesoli, 1997, p. 67)

Manuel Castells (1999), em Sociedade em rede, ob- serva que[...] as pessoas resistem ao processo de indi- vidualização e atomização, tendendo a agru- par-se em organizações comunitárias que, ao longo do tempo, geram um sentimento de per- tença e, em última análise, em muitos casos, uma identidade cultural, comunal, (Castells, 1999, p. 79)Seguindo esse raciocínio, a gordofobia como ati- vismo faz parte do coletivo, no qual indivíduos descontentes com a estigmatização institucional e estrutural acabam se encontrando, se organizando e começam a questionar a repulsa e a falta de humanidade lançadas aos corpos gordos na sociedade contemporânea:

A ação política é uma dupla criação que acolhe simultaneamente a nova distribuição de pos- sibilidades e trabalha por sua efetuação nas instituições, nos agenciamentos coletivos “correspondentes à nova subjetividade” que se expressa através e no acontecimento. A efetuação de possíveis é, ao mesmo tempo, um processo imprevisível, aberto e arriscado. (Laz- zarato, 2006, p. 20)A internet funciona como um catalisador do pro- cesso de organização, que está constantemente em mudança, se aprimorando, uma vez que as fe- rramentas estão sempre em desenvolvimento em razão das necessidades de seus usuários na rede.

É por meio delas que os indivíduos promoverão o acontecimento político e poderão ser transforma- dos: interagindo, produzindo, editando, recebendo e compartilhando informações pré e pós-atuação. Se tratam, portanto, do que Recuero (2014) chama de “conversação em rede”, o qual se trata de um fenômeno contemporâneo que surge dos “milhares de atores interconectados que dividem, negociam e constroem contextos coletivos de interação, trocam e difundem informações, criam laços e estabelecem redes sociais” (Recuero, 2014, p. 19), criando, assim, novos impactos na vida individual e coletiva, pro- porcionando “novas formas de trocas sociais que constroem conversações públicas, coletivas, síncro-nas e assíncronas, que permeiam grupos e sistemas diferentes, migram, espalham-se e semeiam novos comportamentos” (Recuero, 2014, p. 121).

Esses contatos virtualmente concebidos se materia- lizam em salas, coletivos e encontros nas cidades, já que são dois espaços — virtual e físico — de so- ciabilidade que se complementam, formando um circuito de fluxos comunicacionais intensos, uma rede, ao mesmo tempo, virtual e real.Soy Activista de la gordura: Creo firmemente que todos los días, en lo cotidiano, se puede lograr un nuevo espacio para los cuerpos diversos.

Hay muchas realidades que pasan desapercibidas cuando se tiene un cuerpo hegemónico, y vivir siendo gorda interpela a la gente. En eso, todas las gordas somos activistas por- que vivimos siendo como somos, sin pedir per- miso. […] Cuando empecé a hablar sobre ser gorda desde un lugar de aceptación, mucha gente empezó a responder. Lo hice en redes sociales, pero no para lucirme o para enfrentar algo; tengo 32 años y todos los demonios y santos posibles relacionados con la imagen y la auto percepción ya los enfrenté.

Pero tengo una hija de 12 años y sentí miedo y también responsabilidad. Cuando a los 13 o 14 años me veía gorda y me sentía indeseable, no era por mi cuerpo -que ahora veo a la distancia y era un cuerpo de una chica un poco alta de espalda ancha que no hacía mucho ejercicio-.

Era por cómo me hicieron sentir en diferentes lugares. (Ana, 2016)Os corpos que resistem a serem padronizados comomagros, belos e saudáveis, etiquetados e coloca- dos à mostra como o ideal a ser seguido, de algu- ma maneira são revolucionários, pois resistem ao que se obriga ser e, ao contrário de se sentirem mal por não estarem dentro do padrão, aceitam a si próprios, como quebra de uma ideia preconcebida do que é ser belo, feminino, feliz e saudável no mundo capitalista.

Muitas dessas mulheres que pararam de lutar con- tra a balança, regimes absurdos, academias, plásti- cas e espelhos agora aceitam seus corpos como são e fazem dele uma luta, são corpos políticos, corpos criativos. Mulheres mais felizes, que buscam seu lu- gar no mundo como são e não como a sociedade impõe que sejam:

Sí, creo que el cuerpo gordo que es consciente de sí mismo y lo que representa en esta socie- dad patologizante y se quiere (o intenta enten- derse un poco) es necesariamente un cuerpo activista. Creo que la gordura es una cuestión súper política, creo que todo requiere el doble de esfuerzo, creo que la obsesión con el mode- lo de belleza flaco y atlético tiene mucho que ver con una obediencia a la industria de la belleza. (Jael, 2016)Dessa maneira, o corpo que acontece, o corpo gor- do assumido, pode ser considerado um corpo polí- tico, ou corpos políticos, já que é o corpo indeseja- do, provocativo, inadequado, que subverte a lógica estabelecida e invoca a resistência nos espaços que ocupa. Nesse sentido, o corpo gordo da mulher é um corpo político.

Esses corpos alegres com o que são incentivam ou-tras mulheres gordas ou fora dos padrões a gosta- rem de seus corpos também, independentemente do que o padrão atual considera como belo e sau- dável.Nunca se exigiram tantas provas de submissão às normas estéticas, modificações corporais para fe- minizar um corpo. A partir dessas exigências, tem surgido uma resistência feminina em não aceitar e a quebrar essas normatizações corporais. O que se percebe são mulheres que sofreram com seus cor- pos, que não fazem parte desse padrão estético fe- minino e conseguiram se libertar dessas exigências sociais.

Por meio de conversas, leituras, movimentos femi- nistas, mulheres começaram a entender que toda essa normatização do corpo magro é uma opressão e todas sofrem com a busca de algo que nunca po- deria ser alcançado. Mais ainda, a luta central e in- dignação política do ativismo gordo diz respeito a espaços extremamente pequenos para corpos que não cabem neles.E se somos a maioria, se a sociedade tem aumenta- do de tamanho, por que os espaços têm diminuído? Qual relação esse paradigma tem com o sistema capitalista?

Como Lipovetsky (2016) explica, a socie- dade contemporânea segue rumo a uma civilização sem peso, em que a leveza e o pequeno são relacio- nados ao melhor, bom e saudável.A partir dessas reflexões começaram a surgir inú- meros movimentos de mulheres que acreditavam que seus corpos não deveriam ser padronizados e que, ao invés de sofrerem, buscaram a aceitação etransformaram seus corpos em corpos políticos, revolucionários e felizes.

Como já dito, Michel Foucault (1997) esclarece que o corpo foi descoberto como objeto e alvo do po- der. Ele ganha atenção quando é percebido como algo manipulado, modelado, treinado e obediente.Apesar de toda essa cobrança institucional sobre corpos normatizados, existem mulheres do mundo todo lutando em sentido contrário aos interesses empresariais de impérios como light e diet, cos- méticos, academias etc. Elas propõem a criação de outro modo de ser e estar no mundo, outras socia- bilidades, outras corporalidades, buscando o em- poderamento de seus modos de ser, que estão fora dos padrões, libertando-se da opressão estética da subjetividade capitalística.

Considerações finais

Vivemos uma era farmacopornográfica que é, por isso mesmo, uma “era toxicopornográfica” (Pre- ciado, 2018, p. 56), que associa saúde com beleza e feiura com doença. Nessa era, nós nos intoxica- mos com substâncias e imagens, com histórias e emoções; e devemos controlar qualquer tipo de excesso, conter qualquer exagero: de peso, de gordura, de emoção.

Esse corpo sempre farmacopornográfico, se “tor- na coletivamente desejável graças à sua gestão farmacopornográfica e sua promoção audiovisual” (Preciado, 2018, p. 56), como podemos perceber em nossas perambulações diárias nas redes so- ciais. Nessa lógica, a autossatisfação das pessoas não é uma prioridade, portanto, é preciso fabricarinadequação, padrões que deixem pessoas de fora, imagens que cause repulsa e vergonha, para que as pessoas busquem aprimorar seus corpos, suas personalidades, para que se sintam aceitos na sociedade, caso contrário, serão marginalizados.

Butler (2019) propõe uma reflexão sobre a violên- cia ética que acontece quando um éthos coletivo vai se tornando obsoleto, anacrônico. Isto é, o coletivo não é entendido, respeitado e visto, como vivências subjetivas, dentro de um conjunto práticas e pensamentos e culturas diversas. Essa violência, por meio da imposição tenta colocar as subjetividades num lugar comum, único de reprodução do normativo- cishetero.

Quais as condições para que uma pessoa, um corpo seja reconhecido? Escutado? Levado em conside- ração? Para a filósofa, a ética estaria no reconhe- cimento do outro enquanto diverso, diferente da- quilo que se normatiza como único sem o ser. Não deveria existir nenhuma exigência para que o diferente se enquadre ao que é normativo socialmente. Ou seja, dar-se-ia acontecer um acolhimento ao “diverso” e não uma exclusão ao que não entra nas caixinhas que criamos dentro de uma perspectiva dualista de certo e errado, normal e anormal, saudável e doente.

Essa leitura em encontro aos estudos do Corpo Gordo nos faz refletir nas exigências e imposições que reinci- dem sobre todas as pessoas que não correspondem aos modelos normativos de corporeidades, isto é, quais são as condições que as corporeidades gordas como corpos abjetos sofrem com a violência ética na família, escola, consultório médico, universidade, mídia, etc.

Em “O perigo da história única”, Chimamanda Ngozi Adichie (2019) fala sobre como a história única “cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos” (Adi- chie, 2019, p. 26). Faz sentido dialogar essa proposta da autora com a questão da gordofobia porque, con- forme Sant’Anna (2016, p. 144), a representação he- gemônica e institucionalmente aceita sobre pessoas gordas evoca uma ideia particular sobre essa popu- lação, “Como se, ao ver um deles, independente de seu sexo e de sua personalidade, fosse possível adi- vinhar como são todos os outros” (Sant’Anna, 2016, p. 144). E essa é uma elaboração sociocultural arbitrária, que “rouba a dignidade das pessoas. Torna difícil o reconhecimento da nossa humanidade em comum. Enfatiza como somos diferentes, e não como somos parecidos” (Adichie, 2019, pp. 27-28).

O diagnóstico de obesidade enquanto enquadramen- to único e hegemônico de corpos gordos, seria, nesse sentido, a história única das pessoas gordas. De acor- do com Adichie (2019), ao falarmos sobre a história única de alguém ou de um grupo de pessoas, estamos falando sobre poder, o poder de falar sobre si e sobre os outros, tendo em vista que, poder “é a habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva” (Adiechie, 2019, p. 23). Um dos objetivos reivindicados pelo ati- vismo gordo, uma das formas de resistência em ex- pansão que temos acompanhado, é o rompimento com essa história única sobre o corpo gordo, através da retomada do poder de fala das pessoas gordas so- bre suas narrativas, corpos e experiências.

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