A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação

The self-reflective community in the consolidation of teacher’s knowledge through researcheducation- action

La comunidad autorreflexiva en la conformación de conocimientos del profesor mediante la investigación-formación-acción

Autores/as

  • Paula Vanessa Bervian Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Cerro Largo, Rio Grande do Sul, Brasil
  • María Cristina Pansera-de-Araújo Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil.

Palabras clave:

Science education, Teacher’s education, Qualitative research (en).

Palabras clave:

enseñanza de ciencias, formación docente, investigación cualitativa (es).

Palabras clave:

ensino de ciências, formação de professores, pesquisa qualitativa (pt).

Biografía del autor/a

Paula Vanessa Bervian, Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Cerro Largo, Rio Grande do Sul, Brasil

Mestre em Biologia. Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Cerro Largo, Rio Grande do Sul, Brasil. Doutoranda no Programa de Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ).

María Cristina Pansera-de-Araújo, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil.

Doutora em Genética e Biologia Molecular. Professora da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil.

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Cómo citar

APA

Bervian, P. V., y Pansera-de-Araújo, M. C. . (2020). A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, 15(1), 118–134. https://doi.org/10.14483/23464712.14467

ACM

[1]
Bervian, P.V. y Pansera-de-Araújo, M.C. 2020. A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias. 15, 1 (ene. 2020), 118–134. DOI:https://doi.org/10.14483/23464712.14467.

ACS

(1)
Bervian, P. V.; Pansera-de-Araújo, M. C. . A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação. Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc. 2020, 15, 118-134.

ABNT

BERVIAN, Paula Vanessa; PANSERA-DE-ARAÚJO, María Cristina. A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, [S. l.], v. 15, n. 1, p. 118–134, 2020. DOI: 10.14483/23464712.14467. Disponível em: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/14467. Acesso em: 8 nov. 2024.

Chicago

Bervian, Paula Vanessa, y María Cristina Pansera-de-Araújo. 2020. «A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação». Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias 15 (1):118-34. https://doi.org/10.14483/23464712.14467.

Harvard

Bervian, P. V. y Pansera-de-Araújo, M. C. . (2020) «A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação», Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, 15(1), pp. 118–134. doi: 10.14483/23464712.14467.

IEEE

[1]
P. V. Bervian y M. C. . Pansera-de-Araújo, «A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação», Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc., vol. 15, n.º 1, pp. 118–134, ene. 2020.

MLA

Bervian, Paula Vanessa, y María Cristina Pansera-de-Araújo. «A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação». Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, vol. 15, n.º 1, enero de 2020, pp. 118-34, doi:10.14483/23464712.14467.

Turabian

Bervian, Paula Vanessa, y María Cristina Pansera-de-Araújo. «A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação». Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias 15, no. 1 (enero 1, 2020): 118–134. Accedido noviembre 8, 2024. https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/14467.

Vancouver

1.
Bervian PV, Pansera-de-Araújo MC. A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigaçãoformação- ação. Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc. [Internet]. 1 de enero de 2020 [citado 8 de noviembre de 2024];15(1):118-34. Disponible en: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/14467

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A COMUNIDADE AUTORREFLEXIVA NA CONSTITUIÇÃO DOS CONHECIMENTOS DE PROFESSOR PELA INVESTIGAÇÃO-FORMAÇÃO-AÇÃO

THE SELF-REFLECTIVECOMMUNITY IN THE CONSOLIDATION OF TEACHERS’ KNOWLEDGETHROUGHRESEARCH-EDUCATION-ACTION

LA COMUNIDADAUTORREFLEXIVAEN LA CONFORMACIÓN DE CONOCIMIENTOSDELPROFESOR MEDIANTE LA INVESTIGACIÓN-FORMACIÓN-ACCIÓN

Paula Vanessa Bervian* , María Cristina Pansera-de-Araújo**

Cómo citar este artículo: Bervian, P.V. y Pansera-de-Araújo, M.C. (2020). A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor pela investigação-formação-ação. Gdola, Ensenza y Aprendizaje de las Ciencias, 15(1), 118-134. DOI: http://doi.org/10.14483/23464712.14467

Recibido: 18 de febrero de 2019; aprobado: 23 de mayo de 2019 


* Mestre em Biologia. Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Cerro Largo, Rio Grande do Sul, Brasil. Doutoranda no Programa de Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Correio eletrônico: paulavanessabervian@gmail.com 

** Doutora em Genética e Biologia Molecular. Professora da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil. Correio eletrônico: pansera95@gmail.com 


Resumo 

A construção de comunidades autorreflexivas articuladoras de professores em forma­ção inicial e continuada para o estudo das Tecnologias da Informação e Comunicação provoca movimento profissional docente relevante. Investigamos indícios de elemen­tos estruturantes, como a disposição pessoal, interposição profissional, composição pedagógica, recomposição investigativa e exposição pública, de uma comunidade autorreflexiva, por meio da investigação-formação-ação na constituição dos conhe­cimentos de professores de ciências. Isto numa relação dialética, que desencadeou a autotransformação dos envolvidos relacionada ao trabalho e à identidade docente. Para tanto, no segundo semestre de 2017, foram realizados e, posteriormente, ana­lisados nove encontros de investigação-formação-ação do grupo de professores de ciências (licenciandos e professores da Educação Básica e Superior), mediados pelas tecnologias da informação e comunicação. Todos os encontros foram áudio-gravados, transcritos e analisados. Utilizamos a análise textual discursiva e o software Atlas. Ti 8 para a sistematização e interpretação dos dados. A comunidade autorreflexiva no seu processo evidenciou as inter-relações entre os elementos estruturantes, na sua constituição profissional. 

Palavras-chave: ensino de ciências, formação de professores, pesquisa qualitativa.

Abstract 

The formation of articulating self-reflective communities of teachers in both initial and continuous education, for the study of information and communication technologies, has produced a relevant teaching professional movement. We investigate the indications of structuring elements such as personal disposition, professional interposition, peda­gogical composition, research re-composition, and public exposition of a self-reflective community, through research-education-action in the consolidation of science teachers’ knowledge. This is a dialectical relationship which triggered the self-transformation of those involved related to work and teacher identity. For that, in the second half of 2017, nine research-education-action meetings of a group of science teachers (undergraduate students and teachers of basic and higher education) were mediated by information technology and communication. All the meetings were audio-recorded, transcribed, and analyzed. We used discursive textual analysis and the software Atlas. Ti 8 for data systematization and interpretation. In its process, the self-reflexive community evidenced relationships between the structuring elements in their professional development. 

Keywords: Science education, Teacher’s education, Qualitative research.

Resumen 

La construcción de comunidades autorreflexivas articuladoras de profesores en for­mación inicial y continuada, para el estudio de las tecnologías de la información y comunicación, produce un movimiento profesional docente relevante. Investigamos indicios de elementos estructurantes, como la disposición personal, interposición pro­fesional, composición pedagógica, recomposición investigativa y exposición pública, de una comunidad autorreflexiva, mediante la investigación-formación-acción en la constitución de los conocimientos de profesores de ciencias. Esto en una relación dialéctica, que desencadenó la autotransformación de los involucrados relacionada con el trabajo y la identidad docente. Para ello, en el segundo semestre de 2017 se realizaron y posteriormente analizaron nueve encuentros de investigación-forma­ción-acción del grupo de profesores de ciencias (estudiantes de licenciatura,  profesores de la educación básica y superior), mediados por las tecnologías de la información y comunicación. Todos los encuentros fueron audiograbados, transcritos y analizados. Utilizamos el análisis textual discursivo y el software Atlas. Ti 8 para la sistematización e interpretación de los datos. La comunidad autorreflexiva en su proceso evidenció las interrelaciones entre los elementos estructurantes, en su desarrollo profesional. 

Palabras clave: enseñanza de ciencias, formación docente, investigación cualitativa. 


1. Introdução 

As comunidades autorreflexivas possuem elemen­tos estruturantes, que fundamentam a profissão do professor, e necessitam ser acompanhados pela investigação para sua identificação. Neste arti­go, abordaremos o papel da comunidade auto­rreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor de ciências pela via da investigação-for­mação-ação (IFA), proposta por GÜLLICH (2012). Nosso coletivo foi formado pelos três grupos de sujeitos, em formação inicial e continuada: licen­ciandos, professores da Educação Básica e Supe­rior, numa tríade de interação1 (ZANON, 2003). 

A formação docente em processos de interação nas comunidades autorreflexivas favorece o desen­volvimento dos conhecimentos necessários para a atuação profissional. Tendo em vista a complexidade e diversidade dos conhecimentos necessários para a profissão e ao considerarmos que “o desenvolvi­mento destes [conhecimentos dos professores] per­corre diferentes caminhos, sendo notório que cada profissional possui e desenvolve conhecimentos particulares, característicos não apenas de sua for­mação acadêmica, mas também de sua experiência de vida, profissional, afetiva, cultural e social.” (GI­ROTTO JÚNIOR, DE PAULA, MATAZO, 2019 p. 38) 

Neste sentido, argumentamos que cinco ele­mentos estruturam uma comunidade autorreflexiva: disposição pessoal, interposição profissional, com­posição pedagica, recomposição investigativa e exposição plica. Estes foram propostos por NÓ­VOA (2017) como constituintes da formação pro­fissional dos professores visando a uma formação no contexto da profissão. 

Assumimos que uma comunidade autorreflexiva, organizada pela via da IFA crítica, se fundamenta nos cinco elementos citados e possibilita “[...] a trans­formação da ação por meio da autotransformação da ação crítica dos praticantes” (CARR, KEMMIS, 1988 p. 209). No espaço de reflexão como processo coletivo (ZEICHNER, 2008), articulam-se as fontes das categorias de ensino, propiciando a constituição de conhecimentos de professor (SHULMAN, 2014). Neste contexto, a pesquisa visou identificar se os cin­co elementos citados por NÓVOA (2017) estruturam uma comunidade autorreflexiva, contribuindo para a constituição do conhecimento dos professores de ciências no uso das TIC, como ferramentas de de­senvolvimento cognitivo (CANDELA RODRÍGUEZ, 2019; SANHUEZA et al., 2018). 

2. Pressupostos teóricos: breve funda­mentação 

CARR, KEMMIS (1988)2 contribuem com a pers­pectiva crítica: 

a investigação-ação (action research) é, basica­mente, uma forma de indagação autorreflexiva que os participantes empreendem em situações sociais, a fim de melhorar a racionalidade e a justiça de suas próprias práticas, sua compreensão sobre elas e as situações dentro das quais elas ocorrem. (CARR, KEM­MIS, 1988 p. 174 [tradução nossa] [grifos dos autores]) 

O caráter cíclico da investigação-ação (IA) é fun­damentado no diálogo entre teoria e ação concreta, tendo como proposição a racionalidade dialética, que pressupõe o ensino como um processo de inves­tigação contínua, em interação humana e interven­ção social, que potencializa a compreensão sobre o trabalho, os conhecimentos e as práticas pedagógicas dos professores (CARR, KEMMIS, 1988). Conforme os autores, as comunidades autorreflexivas e a con­cepção de professor pesquisador são inerentes às propostas de IA. Por isso, é primordial a presença do professor na constituição das teorias educativas. 

A fundamentação teórica ainda está ancorada em GÜLLICH (2012); MISHRA, KOEHLER (2006); NÓVOA (2009, 2012, 2017); SHULMAN (2014); ZEICHNER (2008) (Figura 1). Consideramos que as contribuições de cada um dos autores estão inter-relacionadas, constituindo uma abordagem inovadora desta proposição. Os processos consti­tutivos da profissão docente são interativos, cícli­cos em movimentos prospectivos e retrospectivos desencadeados num processo de reflexão coletiva. A IFA é desenvolvida pela racionalidade dialética na comunidade autorreflexiva, na qual os parti­cipantes problematizam questões relacionadas à constituição dos conhecimentos necessários para o trabalho e formação docente. Nesta pesquisa, os participantes refletiram sobre o papel das tec­nologias da informação e comunicação (TIC), na formação e constituição de professores de ciências. O processo constitutivo visou a (trans) formação dos participantes em professores-pesquisadores, ao longo das reflexões propiciadas por espirais, ciclos autorreflexivos e (re) significações de questões do profissional docente. Os elementos constitutivos da profissão não são desenvolvidos de maneira isolada, são inter-relacionados e (re) significados ao longo do processo formativo e da atuação profissional. Por isso, a importância da construção de comunidades autorreflexivas que envolvam princípios relaciona­dos a: partilha, pessoa, práticas, profissão e público3.

O professor como pesquisador da sua prática, mobilizado por questionamentos sistemáticos e au­torreflexivos, transforma a pesquisa educativa pela interlocução de uma teoria pedagógica fortemente movida pelos conhecimentos, pela formação e as práticas pedagógicas dos professores (CARR, KEM­MIS, 1988). Essa perspectiva da pesquisa, defendi­da pelos autores, pode conduzir a uma inovação intelectual, que poderá ser capaz de exigir uma mudança social, a qual está atrelada à concepção de professor-pesquisador, que, ao investigar sua própria atuação, se desenvolve profissionalmente. 

A comunidade autorreflexiva estabelecida na in­vestigação-ação não se preocupa apenas em trans­formar sua própria situação, pois também é forçada a enfrentar as limitações não-educacionais impostas à educação. Essa dialética entre os aspectos educa­tivos e não-educacionais fixa a atenção do grupo na educação entendida em sua totalidade e em suas relações com aquela parte da estrutura social que está além da educação. Assim, o grupo é convidado a considerar, não apenas o domínio de sua própria ação, mas também o da ação educacional como parte de um domínio social mais amplo. Se convidada a considerar a educação como um todo, para apre­ender a necessidade geral de reforma educacional na sociedade. Não é unicamente um processo que reflete a história ou reage a ela, mas postula uma profissão formada por pesquisadores educacionais ativos que se consideram como agentes da história e tem o dever de expressar através de sua própria ação considerando seus julgamentos práticos sobre as mudanças necessárias na educação: isto é, através da sua praxis. (CARR, KEMMIS, 1988 p. 220 [tradução nossa] [grifos dos autores])4 

A concepção de professor-pesquisador da IA crí­tica está em consonância com aquela de professor reflexivo proposta por ZEICHNER (2008). Conforme o autor, o sentido da prática reflexiva refere-se às ações intencionais de professor que deseja pensar as dimensões sociais e políticas da educação, no contexto em que está inserido. 

Segundo GÜLLICH (2013), a IA pode ser aprofun­dada conceitualmente pela reflexão em processos de formação de professores e propôs a sua ressig­nificação como processo de IFA. Esta proposição de alargamento da IA crítica foi assumida em nossa investigação. Neste sentido, entendemos que as re­flexões desencadeadas, nas comunidades autorre­flexivas pela via da IFA, possuem importante papel na constituição dos conhecimentos, da identidade e do trabalho dos professores, pois concordamos com NÓVOA (2012), ao afirmar que

[...] é tão importante combater a ideia de que ensi­nar é uma tarefa fácil, ao alcance de qualquer um. Não estou a advogar que se complique, artificiosamente,  o que é simples. Julgo mesmo que muito arrazoado pedagógico é inútil e pernicioso. Os professores de­vem combater a dispersão e valorizar o seu próprio conhecimento profissional docente, construído a partir de uma reflexão sobre a prática e de uma teorização da experiência. É no coração da profissão, no ensino e no trabalho escolar, que devemos centrar o nosso esforço de renovação da formação de professores e do trabalho pedagógico. (NÓVOA, 2012 p. 13) 

Para um estatuto semelhante ao de outras pro­fissões, NÓVOA (2009) afirma a necessidade de desenvolver a formação de professores articulada ao contexto concreto da escola, num processo de parceria entre professores da Educação Básica e Superior visando às melhorias almejadas. O autor considera que a formação de professores precisa se fundamentar nos seguintes aspectos: 

(i) estudo aprofundado de cada caso, sobretudo dos casos de insucesso escolar; (ii) análise colectiva das práticas pedagógicas; (iii) obstinação e persis­tência profissional para responder às necessidades e anseios dos alunos; (iv) compromisso social e vontade de mudança. (NÓVOA, 2009 p. 18) 

NÓVOA (2009) desenvolveu, com base no con­ceito de disposição, cinco posições que considera essenciais para a formação de professores “dentro” da profissão. Esses elementos também denominados como os cinco “P”, na formação de professores, são:  i. práticas consideradas como componente práxi­ca, tendo a centralidade nas questões relacionadas à aprendizagem dos alunos e a reflexão sobre o contexto concreto, partindo do trabalho escolar;  ii. profissão que constitui a formação baseada na aquisição da cultura profissional, no interior da profissão; iii. pessoa nas dimensões pessoais da profissão e a sua relação com o tato pedagógico; iv. partilha que valoriza o trabalho coletivo e os projetos educativos da escola e; v. plico princípios de res­ponsabilidade social, que propicia a comunicação e a participação no espaço público da educação. 

Essa compreensão foi ampliada como proposta de formação de professores enfatizando a necessi­dade de uma formação profissional (NÓVOA, 2017) (Tabela 1). 

Por isso, reafirmamos que, para o desenvolvimen­to de ações intencionadas na comunidade autorrefle­xiva, as cinco posições são elementos que promovem a constituição dos professores. Interrelacionadas à perspectiva teórica formativa, no que se refere aos conhecimentos necessários para o desenvolvimento da profissão, partimos da compreensão da necessi­dade da integração curricular das TIC. Temos como pressuposto teórico o modelo TPACK5, que propõe a articulação dos conhecimentos tecnológicos com os demais conhecimentos necessários para o traba­lho docente (MISHRA, KOEHLER, 2006). O modelo parte dos presssupostos de SHULMAN (2014) sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo, defen­dido como “[...] amálgama especial de conteúdo e pedagogia que é o terreno exclusivo dos professores, seu meio especial de compreensão profissional.” (SHULMAN, 2014 p. 206). 

O modelo TPACK considera três dimensões ne­cessárias para o desenvolvimento da profissão de professor: o conhecimento do conteúdo, em relação ao objeto que será ensinado e aprendido; o conhe­cimento pedagógico em relação às concepções teóricas aprofundadas, ao uso de metodologias e métodos no processo de ensino e aprendizagem, e o conhecimento tecnológico, em relação ao co­nhecimento de determinadas tecnologias (MISHRA, KOEHLER, 2006)6. Conforme os autores, estas três dimensões precisam ser articuladas e relacionam-se ao conhecimento pedagógico do conteúdo, conhe­cimento tecnológico de conteúdo, conhecimento tecnológico pedagógico e, para chegar ao conhe­cimento tecnológico pedagógico de conteúdo (TPACK), é essencial o reconhecimento das pos­sibilidades de ensino e aprendizagem com as TIC, como constitutivas das metodologias e fundamentos da proposta curricular e não mero “ornamento” sem sentido no contexto em estudo. 

3. Abordagem metodológica 

A pesquisa foi desenvolvida num grupo de estudos organizado em processo colaborativo, numa pro-posta de IFA7 (GÜLLICH, 2013). A investigação faz parte de uma pesquisa mais ampla de doutorado e atendeu aos pressupostos éticos da pesquisa. O pro-jeto foi submetido ao comitê de ética da pesquisa e os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)8. A comunidade autorrefle­xiva foi constituída por seis professoras da Educação Básica nas disciplinas de Ciências ou Biologia, 26 professores em formação inicial de diferentes fases do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas e professores formadores do Ensino Superior9. Todos participavam, no período da pesquisa, do Progra­ma de Iniciação à Docência (PIBID) – subprojeto Ciências Biológicas, como bolsistas ou colabora­dores. Desenvolvemos nove encontros ao longo do segundo semestre de 2017 com foco no papel das tecnologias da informação e comunicação (TIC) na formação e no trabalho docente (Tabela 2). 

A análise dos dados foi desenvolvida pela análise textual discursiva (ATD) (MORAES, 2003; MORA­ES, GALIAZZI, 2016; SOUSA, GALIAZZI, 2017), constituída por três etapas: desconstrução e unita­rização; categorização e comunicação. O software para análise qualitativa Atlas. Ti 8 foi utilizado para auxiliar o processo de compreensão do corpus de análise (ARIZA et al., 2015). O corpus de análise foi constituído pelos seguintes instrumentos10: respostas aos questionários iniciais; transcrição das audiogravações dos encontros formativos; comen­tários postados no grupo do Facebook11 e diálogos dos grupos focais12

Os cinco elementos estruturantes de uma comu­nidade autorreflexiva: práticas, partilha, profissão, pessoa e público13 (NÓVOA, 2009, 2012, 2017) foram as palavras-chaves elencadas a priori. Ao ini­ciarmos o processo de desconstrução e unitarização, percebemos a associação entre as palavras-chaves nas unidades de significado, fragmentos dos diálogos dos participantes em seus movimentos reflexivos (Figura 2). 

A partir do agrupamento das unidades de significado com a utilização de palavras-chaves, orga­nizamos categorias iniciais (Figura 3), baseadas nos pressupostos teóricos de NÓVOA (2017), das quais emergiu a categoria: Inter-relaçs entre aprender a ser, a sentir, a agir, conhecer e intervir como pro­fessores de ciências pela IFA em comunidade autor-reflexiva. A partir da categoria final, desenvolvemos a proposição “Comunidade autorreflexiva: espaço de (trans) formação e constituição de professores de ciências”. 

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Para evidenciar o processo, apresentamos diálo­gos dos participantes da comunidade autorreflexiva na discussão da proposição que emergiu da análise. Para preservar a autoria dos textos e o anonimato dos participantes utilizamos nomes fictícios: os li­cenciandos foram representados por nomes com a inicial L (exemplo, Larissa), as professoras da Edu­cação Básica com a inicial P (exemplo, Penélope) e os professores do Ensino Superior pela letra F (exemplo, Fausto). As citações em itálico, entre as­pas, tamanho da fonte 11 e recuo 2 cm referem-se a falas dos participantes, caracterizadas como uni­dades de significados. Na transcrição das falas, dos encontros formativos e dos grupos focais, utilizamos dois dos dez sinais definidos em CARVALHO (2006), as reticências expressam pausas e a representação “:: para indicar prolongamento vogal ou consoante. Por exemplo, ‘éh::’”(CARVALHO, 2006 p. 36). 

4. Comunidade autorreflexiva: espaço de (trans) formação e constituição de professores de ciências 

As comunidades autorreflexivas, no modelo de IFA, constituídas pela tríade de interação (licen­ciandos, professores da escola e da universidade), desencadeiam o processo formativo da profissão docente pela via da relação dialética tendo a re­flexão como fundamento para a formação pro­fissional, visando a uma formação no interior da profissão (NÓVOA, 2009, 2017). Identificamos as disposições – pessoal, interposição profissional, composição pedaggica, recomposição investi­gativa e exposição plica (NÓVOA, 2017) de maneira inter-relacionadas nas interlocuções dos participantes da comunidade autorreflexiva. Essas inter-relações caracterizam o movimento constitu­tivo dos participantes em aprender a ser, a sentir, a agir, conhecer e intervir como professores de ciências pela IFA. Depreendemos que estes ele­mentos, denominados por NÓVOA (2017) como posições, necessitam estar presentes na comuni­dade autorreflexiva e modificam a compreensão sobre a profissão, no contexto concreto das práti­cas pela partilha de saberes com professores mais experientes, pela reflexão e diálogo no coletivo, que articula prática e teorização. Os sujeitos par­ticipantes carregarão as marcas desse coletivo em sua constituição profissional, especialmente em relação à atividade e identidade docente. 

A exposição pública implica aprender a intervir como professor. Esta posição “pública” foi identifi­cada em menor recorrência em relação ao demais. Sempre em associação com as demais, a posição “exposição pública: aprender a intervir” foi mencio­nada sob os seguintes aspectos: o papel social do professor e a formação dos alunos, obstáculos que precisam ser enfrentados nas Instituições fortemente ligadas à infraestrutura e às concepções dos colegas de trabalho. O grupo era constituído por bolsistas e colaboradores do PIBID e, no período, sofria as incertezas em relação à continuidade ou não do programa, o que pode ter influenciado a maior ci­tação deste tópico em relação à esfera pública da profissão, seguido pelas dificuldades de infraestru­tura e concepções do coletivo escolar sobre as TIC. 

Em articulação com as cinco posições, o pro­fessor Fausto expressa a compreensão sobre a res­ponsabilidade social dos professores do Ensino Superior, ao afirmar a importância da formação docente frente ao cenário político do período, men­ciona aspectos relacionados ao currículo [do ensino politécnico] e ao esvaziamento da profissão. Esta última problemática é recorrente e relacionada à valorização da profissão. Por outro lado, o professor Fausto levanta a questão sobre as oportunidades de formação, não apenas de responsabilidade dos professores de forma individual, mas como uma responsabilidade “pública” da carreira docente em reivindicar espaços formativos e melhorias das condições de trabalho, sinalizando para a presença pública do professor.

“eu... eu penso que tem... tem uma parte que está articulada com a formação... que a gente também não pode esquecer de falar aqui... também pelo mo­mento político que a gente vive em termos de país e estado... mas não só por conta desse momento... que é não perder de vista a forma como a gente tem visto o esvaziamento do profissional docente... da profissão... o esvaziamento da carreira, né?: então assim... de acordo... o que nós mais precisamos em primeiro lugar é a formação permanente ou a forma­ção continuada... já foi um erro nesse estado aqui... quando nós colocamos o ensino politécnico... a pes­quisa como uma ideia curricular... que é potente e que eu apoio até hoje... mas não fizemos formação antes de começar... a professora Palmira foi muito feliz quando ela colocou, né?:: a professora não ganhou nenhuma formação... sganhou os computadores... daí ela continuou falando... dois vezes um... dois... dois vezes dois... quatro... que era o modelo antigo sque agora com computador... porém... então o exemplo do estado foi esse, né?:: todos os professores foram contra porque alguém chegou e mandou... tem que ter aula com pesquisa... mas ninguém também disse o que era pesquisar... então essa é uma questão... precisa ter formação permanente... também vejo isso... por outro lado... precisa ter espaço pra essa formação docente... dentro da... da carga horária do professor... por exemplo... eu lembro que nós mes­mos... esse grupo aqui... passamos por um período aqui em Cerro Largo... que a:: secretaria de educação não queria mais liberar os professores para vir aqui... vocês lembram? E que ia obrigar as professoras das escolas municipais a devolver as horas na escola... quando é da própria formação... mas em nome de quê? Porque ah:: porque os professores do PIBID tinham bolsa... eu lembro dessa discussão que nós tivemos... então nós tivemos um período aqui em Cer­ro Largo... que mesmo com tudo isso foi crítico... foi ao ponto de n virmos a ser observados pelo... pelo gão Municipal de Educação... se falavam ou não da secretaria de educação aqui dentro... isso aconteceu... tem que ser lembrado por n... a supervisão com aqueles olhos externos, né?:: de fora para dentro... isso chegou a acontecer aqui em Cerro Largo... com as escolas municipais... então eu quero retomar ainda qual é o ponto... então a:: aderir a uma proposta de formação... sistemas e nós... é também estar em luta pela carreira e pela formação... é abrir espaços de formação na carreira... e ainda... o que poderia não causar esvaziamento docente? A melhoria das con­dições de trabalho... tanto salariais como a questão do planejamento e a formação incluída, né?:: com ganhos para isso... mas não só melhorar os salários... melhorar a nossa profissão... eu vejo que isso é uma perda forte em termos da nossa carreira brasileira de professor básico... que nós fomos contratados... entre aspas... que fique claro aqui... apenas para dar aulas... nós somos o professor... a:: mas você quer pesquisar... hoje a gente sabe que pesquisar é também fazer formação... nós nesse aqui processo da professora Fiona... nós vamos fazer pesquisa”. (Fausto, 1ºEF, segundo/2017)15 

A fala do professor Fausto está impregnada da sua constituição a aprender a ser, a sentir, a agir e a intervir como professor de ciências e representa esta inter-relação. 

A composição pedagógica engloba a questão: como aprender a agir como professor? Esta posição compreendida pelas práticas foi a mais recorren-te nas inter-relações com as demais. É central na constituição dos professores de ciências. O desen­volvimento das práticas, no contexto concreto das escolas, possibilitou aos licenciandos a imersão na cultura profissional. Estes elementos se relacionam à dimensão pessoal da profissão, na constituição dos conhecimentos e na identidade docente. Após o planejamento e desenvolvimento num trabalho com as TIC em propostas de atividades com os alunos no contexto escolar, as interlocuções dos licenciandos evidenciaram a necessidade de reivindicação de infraestrutura para atender os objetivos dos pro­cessos de ensino e aprendizagem. Este aspecto está fortemente atrelado ao elemento público em pensar coletivamente em proposições para a superação deste limitante dentro da profissão, sinalizando para a constituição dos licenciandos na inter-relação a aprender a ser, a sentir, a agir e a intervir como professor de ciências. 

“é:: tipo um limite para nós e desafios que foi visto na escola foi... que nós não conseguimos usar a internet, né?:: porque é muito pouco sinal... en­tão como foi... no nosso planejamento era para os alunos pesquisarem mas como nós não tinha tempo também e:: muitas vezes a internet não colaborava, né?:: porque lá a internet tem dos alunos que é li­berada e tem a do professor... só que muitas vezes a gente não tinha acesso a do professor porque botam uma senha... uma semana... daqui duas semanas já estão trocando e daí não passam para nós... e a dos alunos... eles só ligam no horário do intervalo pra os alunos usar... daí quando tu quer fazer uma atividade com os alunos... tu tem que ir lá na direção pedir para eles ligarem a do aluno e mesmo assim é fraco  o sinal... eu acho que isso é um limite pra nós e ao mesmo tempo é um desafio... porque quando tu... tu não consegue fazer o que tu tem planejado... tu que buscar outros meios, né?:: então... como eu... n realizamos essa prática dos sentidos, né?:: tipo a profe Priscila já... como n não tinha como levar eles pra sala e estava pouco tempo... ela deu livros didáticos pra eles pesquisarem através dali... dividiu em grupos para eles pesquisar cada sentido, né?:: eu acho que isso também leva a ser um desafio, né?:: porque tu não... muitas vezes tu não tem mas tu tem que ter uma nova opção de passar, né?::”. (Lorena, GF, segundo/2017) 

“então... no nosso planejamento junto com a pro­fessora Priscila... a nossa maior dificuldade foi ah:: uma pergunta norteadora pra... pra começar a aula com essa ideia de investigação-ação... então a gente não... a gente já sabia vamos dizer... formular mas a gente não sabia como a gente ia fazer pra eles... como... como que ia ser e:: o nosso grupo era um pouco novo né?:: e daí então a gente resolveu pensar todo mundo junto e chegamos à conclusão que fazen­do a pergunta é até melhor para o desenvolvimento da aula... porque com a pergunta... toda hora que a  gente tá na:: no desenvolvimento da aula a gente vai retomando pra pergunta... então isso também facilita pros alunos entenderem e:: na hora que a gente faz a pergunta norteadora não queremos... não queremos que eles na hora assim pesquisem... digam uma res-posta assim absolutamente certa... mas falar o que eles sabem, né?:: até então... e depois perguntar de novo... retomar essa pergunta para ver o que que eles sabem depois do desenvolvimento... então isso para n foi... para mim pelo menos foi bastante assim... construtivo porque... foi a primeira vez que eu... que eu... fiquei pensando, né?:: como que é uma aula com investigação-ação... e foi uma pena que a gente não conseguiu desenvolver todo o nosso... nosso plane­jamento na escola... pelo tempo mas eu acho que seria legal fazer pesquisa e:: fazer eles interagirem mais”. (Lucíola, GF, segundo/2017) 

“eu vejo como a nossa fase... a quarta fase... tra­balhava isso muito bem com o Fausto... a questão do... do Docs, né?:: foi fácil... foi mais fácil a parte de elaborar tudo do que a parte de aplicar... porque aplicar... pelo menos lá na escola teve vários con­tratempos, né?:: principalmente a infraestrutura da escola própria pra... pra planejar... colocar em ação as... as coisas com as TICs... tipo lá... a gente preci­sou da internet e não tivemos... então já é um ponto que emperra... emperra assim a... o planejamento... a gente tem que tudo fazer a base da fala... a maio­ria no quadro porque a gente não conseguia usar o propósito desse planejamento que era as TICs...  então Cerro Largo eu vejo ainda... e as cidades aqui do interior ainda estão muito precárias nesse sentido, né?::”.(Lavínia, GF, segundo/2017) 

“então assim... o que eu percebi durante esse planejamento aqui na UFFS e lá na escola onde eu vou... é que ele funciona... ele é mais prático, né?:: porque não precisa estar todo mundo junto pra... planejar ou para fazer digamos assim... o plano de aula... só que na hora de aplicar às vezes ele se tor­na meio difícil porque... a gente tá com os turnos meio sobrecarregados e eles não conseguem todo mundo... todos os bolsistas na mesma vez junto com a supervisora para aplicar... daí às vezes vai um num dia... o outro no outro e tu acaba perdendo um pouco daquilo... porque daí às vezes tu chega meio... não sabemos direito o que aconteceu no dia anterior... mas eu acho que é isso assim... é e:: a internet lá na escola nem por sonho, né?:: aquela lá faz um mês que não funciona... então se fosse planejar algo que necessitasse online mesmo na... assim... não teria como... o nosso planejamento deu certo porque os alunos fizeram e eles postaram em casa, né?:: com a sua internet mas se fosse digamos... fazer em aula aquele”. (Lívia, GF, segundo/2017) 

A reflexão promovida na comunidade autorreflexi­va de IFA favoreceu movimentos de (trans) formação na prática e na constituição dos conhecimentos dos professores relacionadas ao trabalho com as TIC no ensino de ciências. Este espaço favoreceu a partilha de conhecimentos, saberes, experiências e interpre­tações sobre a profissão entre os sujeitos professores ao aproximar Universidade e Escolas e conhecer o contexto concreto das práticas docentes e seus desa­fios, num processo colaborativo. Conforme expressa a licencianda Laila num movimento reflexivo sobre a partilha dos conhecimentos da profissão: 

“Acredito que a participação como discente nos encontros formativos em que discutimos as múltiplas faces e possibilidades de utilização das TICs em sala de aula foi de grande valia para a formação profissio­nal docente de cada um de nós bolsistas, supervisoras e professores (as) formadores (as). Numa sociedade em que as tecnologias encontram-se tão presentes em nosso meio, é de suma importância que n, futuros professores de ciências e biologia saibamos utilizá-las a fim de facilitar e promover uma melhor compre­ensão dos conteos científicos presentes em nossa área. Creio que a contribuição dos encontros para a construção de cada futuro professor tenha sido esta, de compartilhar e reconstruir conhecimentos com o objetivo de proporcionar uma educação de melhor qualidade nas instituições em que iremos atuar”. (Laila, CF, segundo/2017) 

O processo promoveu a autorreflexão dialética entre o pensar e o agir potencializado pelo diálogo entre pressuposto teórico e ação concreta (CARR, KEMMIS, 1988) sobre as TIC na formação e no tra­balho de professores de Ciências. Como podemos observar no diálogo da professora da Educação Bá­sica frente aos obstáculos relacionados ao acesso à internet nos contextos educativos, sinalizando a importância da partilha pela comunidade autorre­flexiva na recomposição investigativa, atrelada às demais posições. 

“eu... eu... eu não posso ficar só vendo os obs­táculos, tá?:: eu só estou vendo velocidade lenta... não tenho acesso... mas eu vou ter que encontrar um jeito de superar esses obstáculos... porque só fica reclamando que não dá... que não dá... que não dá... quantas vezes vocês vieram aqui na universidade... vieram pra acessar e a velocidade estava lenta e coisa assim... e foi indo... e foi indo... hoje, né?:: tá melhor mas eu tenho que ir atrás... de um jeito ou do outro se buscou soluções para isso... então eu não posso ver só a dificuldade das coisas”. (Penélope, 3º EF, segundo/2017) 

Em concordância com CARR, KEMMIS (1988), a comunidade autorreflexiva requer de cada partici­pante um discurso racional. Essa situação promove o desenvolvimento do conhecimento pessoal na e através da prática, seja de ações habituais e de prá­xis, entendida como ação intencionada, elucidativa e refletida. Ao propormos um espaço de diálogo rela­cionado à integração curricular das TIC em contexto educativo com o intuito de promover a investigação em sala de aula articulada ao movimento formativo. No diálogo de duas licenciandas, há indícios de um processo reflexivo sobre a proposta formativa e integração das TIC no ensino de ciências. 

“Todos os encontros foram construtivos! Tive a oportunidade de explorar novas metodologias e re­cursos digitais didáticos para serem levados a sala de aula. Debates sobre os processos educacionais foram de extrema importância para todo o coletivo.  É possível evoluir para um processo educacional de qualidade onde o professor pode ter como ponto de partida a realidade e pluralidade cultural dos alunos. Precisamos de alunos ativos, de aulas interativas e professores bem capacitados desde a graduação. En­contros formativos são de extrema importância na nossa formação e com certeza tudo o que aprende­mos nesse processo, vai refletir nos nossos estágios e em sala de aula futuramente. Espero que isso tenha sido apenas o prelio do que ainda podemos tra­balhar no ano que vem”. (Laila, CF, segundo/2017) 

“Isso... bom então... como eu estava dizendo que... o professor... ele precisa trabalhar os conteos que são... que são propostos, né?:: no planejamento dele anual mas ele também pode se preocupar... pode e deve inclusive se preocupar... com os interesses dos alunos... com as aprendizagens que os alunos muitas vezes tem curiosidade porquê... se o professor tá... tá passando sempre aquele mesmo conteo... mesmo conteo no quadro por exemplo... pode ser que o aluno esteja dormindo na classe... não esteja preocu­pado com aquilo ali e tenha outras didas que não estejam do planejamento mas é algo que se o profes-sor explicar... aquilo ali vai chamar a atenção dele e é uma coisa que ele vai levar pra o resto da vida dele... e a atenção do aluno pode ser chamada tanto pelo conteo como pela metodologia... como a forma que o professor passa esse conteo... e eu entendo que nesse ponto que entra a importância das TICs que é... são as tecnologias que são novas formas de o professor apresentar aquela matéria de um jeito que... não só que chame a atenção do aluno mas que realmente sirva pra significar aquele... aquele conhecimento no aluno... como o aluno produzir o próprio vídeo... produzir uma charge... produzir uma tirinha ou um filme... algo assim... talvez seja mais... mais interessante... mais produtivo do que o aluno simplesmente copiar a matéria do quadro no caderno e depois decorar aquilo ali pra colocar no papel na hora da prova e depois acabar esquecendo... é isso”. (Laila, GF, segundo/2017) 

Podemos elucidar um processo constitutivo de (trans) formação pela IFA por meio das falas de uma professora da Educação Básica e de uma formadora, nas quais há indícios da inter-relação entre aprender a ser, a sentir, a agir e a conhecer como professor de ciências. 

“Eu me senti desafiada, né?:: com esse projeto da profe Fiona pela criação do Facebook assim... eu achei até que... quando assim... surgiu a ideia até a gente até comentou lá na escola... eu senti assim... eu me senti bem desafiada, mas depois a gente foi conver­sando e foi montando a aula com os bolsistas e daí a gente viu que... realmente a gente iria conseguir, né?:: iria dar conta... e daí a gente deu um remanejo de horários e porque tinha estagiárias e tudo, né?:: elas estavam no final do estágio... e fomos ajeitando então os horários dos bolsistas de acordo como eles poderiam ir... e eu... a minha proposta então pro ano que vem é realmente então criar esse grupo no Face, né?:: pros alunos interagirem e dar continuidade a esse trabalho... então, né?:: vamos ver como vai no decorrer do ano que vem mas espero, né?:: como meta minha pra 2018 então... é fazer esse... esse... tenho esse objetivo pro ano que vem”. (Pietra, 9º EF, segundo/2017)16 

Na fala da professora Pietra, percebemos a in­ter-relação das posições, mais explicitamente a disposição pessoal, a interposição profissional, a composição pedagógica e a recomposição investi­gativa ao explicitar: “Eu me senti desafiada com esse projeto da profe Fiona pela criação do Facebok [...]”. A professora Pietra, ao sentir-se desafiada, saiu da sua zona de conforto, estando disposta a enfrentar as dificuldades no desenvolvimento da proposta utilizando as TIC. Este “aceite” para o novo também apresenta indícios do compromisso profissional da professora e relaciona-se com a sua compreensão sobre os conhecimentos necessários para ser um professor de ciências, conforme sua resposta à per­gunta no questionário inicial: “Em sua opinião, quais os são os conhecimentos necessários para ser um professor de Ciências e Biologia?” A professora res­pondeu: “domínio de conteo e a busca de novas metodologias de ensino” (Pietra, QI, segundo/2017). 

Neste fragmento (da professora Pietra), percebe­mos a inter-relação entre a composição pedagógica e a recomposição investigativa na interposição: “[...] Depois a gente foi conversando e foi montando a aula com os bolsistas e daí a gente viu que real­mente a gente iria conseguir, iria dar conta e daí a gente deu um remanejo de horários e porque tinha estagiárias e elas estavam no final do estágio. Fomos ajeitando então os horários dos bolsistas de acordo como eles poderiam ir e eu [...]”. Depreendemos que esta atitude da professora teve influência do coletivo, das discussões e da relação com os licenciandos, os formadores e demais professoras da Educação Básica, principalmente na interação com o grupo de licenciandos sob sua supervisão na escola. Pois a professora, em resposta a pergunta do questioná­rio inicial: “Quais as possibilidades (reais) para o uso das TIC na (s) escola(s) que você trabalha?” A professora afirma a dificuldade em desenvolver um trabalho com as TIC na escola: “muito difícil, devi­do o acesso da internet, e o laboratio se encontra fechado devido à falta de recurso humano” (Pietra, QI, segundo/2017). 

Também identificamos, na fala da formadora Fernanda, o desafio pessoal e a responsabilidade da profissão, bem como a importância da refle­xão no coletivo sobre o trabalho docente atrelado às competências dos três sujeitos professores no desenvolvimento de suas atividades em diferentes contextos educativos: 

“Acho que a questão é do que é possível fazer, né?:: claro assim... eu acho que um fator limitante agora talvez os resultados não saíram como a gente esperou... foi o tempo, né?:: a atividade ser no final do ano... talvez se fosse no início do ano... os resultados fossem outros... mas a gente percebe... e todos que estão aqui... professores em formação... professores em exercício... não só da escola mas nós [professores do Ensino Superior]... é que é possível sim fazer... exige demais... nós mais? Exige... porque a gente vai tem que planejar... vai ter que buscar... vai ter que aprender talvez a mexer numa outra ferramenta  que não estamos habituados mas eu acho que é bem viável... e também pelo que eu percebi das apresen­taçs... a grande maioria dos alunos... se mobiliza­ram pra fazer... porque é uma aula, né?:: diferente e também dentro de uma temática que eles estão... está muito presente que é as tecnologias... todos eles usam... de alguma forma ou outra eles usam... então como que a gente vai trazer também as TICs pra sala de aula? Eu acho que é o nosso grande desafio, né?:: quando falam... como antes... parece uma coisa bem simples... mas eu disse... Fiona... a lousa é digital... lá na escola [nome da escola] estão usando... a nossa aqui a gente nunca usou... eu sinceramente não sei nem usar a lousa”. (Fernanda, 9º EF, segundo/2017)17 

A comunidade autorreflexiva constituída pela IFA potencializa a reflexão coletiva e desafia os professores, ao transformar suas próprias práticas e ao problematizar as suas atividades pedagógicas como parte de uma dimensão social mais abrangen­te, considerando todo o contexto educacional e as necessidades de mudanças, inovações e reformas no contexto educativo. Ainda desafia a compreensão da profissão alicerçada na práxis (CARR, KEMMIS, 1988). As reflexões promoveram processos de (trans) formações no contexto concreto das escolas, num movimento de formação dentro da profissão por meio das inter-relações entre disposição pessoal, interposição profissional, composição pedagógica, recomposição investigativa e exposição pública (NÓVOA, 2017). Por meio das espirais autorrefle­xivas, os professores participantes da IFA foram ins­tigados a refletir sobre os desafios do trabalho com as TIC no Ensino de Ciências e as problemáticas enfrentadas para a sua utilização no contexto da Educação Básica e pública. Este movimento mos­trou-se profícuo pela via da IFA e pela tríade de interação entre os três sujeitos professores. 

É importante assegurar que a riqueza e a comple­xidade do ensino se tornem visíveis, do ponto de vista profissional e científico, adquirindo um estatuto idênti­co a outros campos de trabalho acadêmico e criativo. E, ao mesmo tempo, é essencial reforçar dispositivos e práticas de formação de professores baseadas numa investigação que tenha como problemática a ação docente e o trabalho escolar. (NÓVOA, 2009 p. 19) 

Neste sentido, depreendemos que as TIC nos processos de ensino e de aprendizagem são proble­máticas atuais que fazem parte do contexto educa­tivo e a sua temática tem relevância nas interações sociais. Nossos desafios contemporâneos poderão ser superados ou minimizados pela reflexão com prática social (ZEICHNER, 2008). 

Existe ainda muito pouca ênfase sobre a reflexão como uma prática social que acontece em comunida­des de professores que se apoiam mutuamente e em que um sustenta o crescimento do outro. Ser desafiado e, ao mesmo tempo, apoiado por meio da interação social é importante para ajudar-nos a clarificar aquilo que nós acreditamos e para ganharmos coragem para perseguir nossas crenças. (ZEICHNER, 2008 p. 543) 

Identificamos a presença das posições como elementos estruturantes na comunidade autorre­flexiva e sua importância como espaço articulador dos conhecimentos para o desenvolvimento da profissão. O movimento desenvolvido pela IFA favoreceu a constituição dos conhecimentos dos professores de ciências e as (trans) formações nos sujeitos envolvidos, nas concepções sobre a pro­fissão ao participar desse coletivo, fortalecendo a formação, a identidade e a constituição dos conhe­cimentos necessários para a profissão. Portanto, esse movimento propicia a (re) significação da formação e da constituição dos conhecimentos de professor de ciências por meio da inter-relação dos elementos apresentados. Afirmamos ser necessária a constituição de comunidades autorreflexivas nos diferentes contextos educacionais num processo contínuo, por meio de ações intencionadas vi­sando às mudanças desejadas para os contextos educacionais. 

5. Considerações finais 

A comunidade autorreflexiva na constituição dos conhecimentos de professor de ciências pela via da IFA apresentou indícios por meio das interlocuções entre os três sujeitos professores, da inter-relação en­tre as cinco posições como elementos estruturantes que fundamentam a constituição dos conhecimentos necessários para a profissão, contribuindo para a for­mação, a identidade e o trabalho docente. Portanto, com base nas evidências descritas, apontamos para este grupo específicos de sujeitos, a necessidade da construção de comunidades autorreflexivas formadas pela tríade de interação: professores em formação, da Educação Básica e do Ensino Superior. 

Através dos encontros com a temática “o papel das tecnologias da informação e comunicação, na formação e constituição de professores de ciên­cias” na comunidade autorreflexiva reiteramos a importância da reflexão desenvolvida no coletivo e a inter-relação das disposições –  pessoal, in­terposição profissional, composição pedagógica, recomposição investigativa e exposição pública no movimento de aprende a ser, a sentir, a agir, a conhecer e a intervir como professores de ciências como constitutivos da profissão docente promovida na interlocução entre os sujeitos na comunidade autorreflexiva. Nesta pesquisa, identificamos que uma comunidade autorreflexiva estrutura-se nestes cinco elementos. Neste sentido, a constituição de comunidades autorreflexivas são espaços profícuos para a articulação e a constituição dos conheci­mentos de professor. 

A formação desenvolvida promoveu a reflexão e a autotransformação dos professores participantes da comunidade autorreflexiva em concordância aos pressupostos da IA crítica e da IFA. Os professores não apenas refletiram sobre suas próprias práticas num processo prospectivo e retrospectivo relacio­nados ao planejamento e ação sobre o papel das TIC e sua articulação com os demais conhecimentos da profissão, visando à melhoria de suas práticas como também refletiram sobre o contexto educa­cional de forma mais ampla. Assim, os professores continuam conscientes da necessidade de avançar, especialmente sobre a exposição pública referente aos aspectos gerais da educação, os quais se relacio­nam à reivindicação de melhoria da infraestrutura e constante formação com as TIC visando a mudanças na educação. 


Notas al rodapé

1 A interação entre os três sujeitos professores constitui o módulo triádico de ZANON (2003). 

2 Texto original: La investigación-acción (action research) es, senciallamente, una forma de indagación autorreflexiva que emprendem los participantes en situaciones sociales en ordem a mejorar  la racionalidad  y la justicia de sus próprias prácticas, su entendimmiento de las mismas y las situaciones dentro de las cuales ellas tienen lugar (Carr, Kemmis, 1988 p. 174 [grifos dos autores]). 

3 Denominados por NÓVOA (2009, 2012) como os cinco P’s da formação de professores.

4 Texto original: La comunidad autorreflexiva establecida en la investigacción-acción no se ocupa únicamente de transformar su propia situación, ya que se vê asimismo forzada a enfrentarse con las limitaciones no educacionales impuestas a la educación. Esta dialéctica entre lo educacional y lo no educacional fija la atención del grupo en la educación entendida en su totalidad y en sus relaciones con aquella parte de la estructura social que está más allá de la educación. Así, el grupo queda invitado a considerar, no solo el dominio de su propia acción, sino también el de la acción educativa como parte de un dominio social más amplio. Se le invita a considerar la educación en su totalidad, para aprehender de ello la necesidad general de la reforma educativa en la sociedad. No es únicamente un proceso que refleje la historia o reaccione ante ella, sino que postula una profesión formada por investigadores educacionales activos que se contemplan a sí mismos como agentes de la historia y que tienen el deber de expresar mediante su propia acción considerada sus juicios prácticos acerca de los cambios necesarios en educación: es decir, mediante su práxis (CARR, KEMMIS, 1988, p. 220 [grifos dos autores]). 

5 Sigla em língua inglesa para Technological Pedagogical Content Knowledge.

6 Tradução livre das autoras. 

7 Adotamos a compreensão de GÜLLICH (2012) sobre a IA crítica como modelo de formação designado por Investigação-formação­ação (IFA) ancorado na IA crítica proposta por CARR, KEMMIS (1998).

8 Número do Parecer: 2.222.596

9 Como adotamos como referencial teórico e metodológico os pressupostos da IA crítica e da IFA, a pesquisadora também foi uma das participantes, sendo professora do Ensino Superior e mencionada em uma das falas apresentadas neste artigo com o nome fictício de Fiona. 

10 Em relação à organização dos instrumentos, utilizaremos nas citações a seguinte nomenclatura: EF – para os encontros formativos, inserindo a ordem do encontro (ex: 1ª EF), GF – grupo focal, QI – questionário inicial, CF – comentário postado no Facebook.

11 Os participantes já utilizavam um grupo privado criado no Facebook para a interação, compartilhamento de informações e para comunicação. No entanto, nosso propósito foi para além dessas funções, potencializar discussões relacionadas à temática para além dos encontros mensais presenciais, num trabalho com o Facebook na formação e na docência.

12 Ao término dos nove encontros formativos, realizamos quatro grupos focais: os licenciandos foram organizados em dois grupos, um grupo apenas com as professoras e outro com os formadores.

13 Nas citações, de modo geral, as palavras-chaves não estão explícitas. Trata-se do processo característico da ATD relacionada à atribuição de sentidos atribuídos pelas pesquisadoras. 

14 Nas citações, de modo geral, as palavras-chaves não estão explícitas. Trata-se do processo característico da ATD relacionada à atribuição de sentidos atribuídos pelas pesquisadoras. 

15 Unidade de significado incluída na Categoria inicial: aprender a ser, a sentir, a agir, a conhecer e a intervir como professor de ciências. 

16 Unidade de significado incluída na Categoria inicial: aprender a ser, a sentir, a agir e a conhecer como professor de ciências. 

17 Unidade de significado incluída na Categoria inicial: aprender a ser, a sentir, a agir e a conhecer como professor de ciências. 


6. Referências bibliográficas 

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