DOI:
https://doi.org/10.14483/23464712.13242Publicado:
2019-01-01Análise didática de uma atividade lúdica sobre a "instabilidade nuclear"
Didactic analysis of a ludical activity about "nuclar inestability"
Análisis didáctico de una actividad lúdica sobre la "inestabilidad nuclear"
Palabras clave:
Didactics of the Sciences, Didactic Contract, Didactic System (en).Palabras clave:
didáctica de las ciencias, contrato didáctico, sistema didáctico (es).Palabras clave:
didática das ciências, contrato didático, sistema didático (pt).Descargas
Referencias
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DOI: http://doi.org/10.14483/23464712.13242
ANÁLISE DIDÁTICA DE UMA ATIVIDADE LÚDICA SOBRE A “INSTABILIDADE NUCLEAR”
DIDACTIC ANALYSIS OF A LUDICAL ACTIVITY ABOUT "NUCLEAR INSTABILITY"
ANÁLISIS DIDÁCTICO DE UNA ACTIVIDAD LÚDICA SOBRE LA "INESTABILIDAD NUCLEAR"
Carlos Alexandre Batista*, Maxwell Siqueira**
Cómo citar este artículo: Batista, C. A. y Siqueira, M. (2019). Análise didática de uma atividade lúdica sobre a "instabilidade nuclear". Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, 14(1), 126-142. DOI: http://doi. org/10.14483/23464712.13242
Recibido: 15 de abril de 2018; aprobado: 03 de agosto de 2018
* Professor licenciado em Física. Mestre em Educação em Ciências. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica - Bolsista CAPES. Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Florianópolis, SC – Brasil. Correio eletrônico: casbatistauesc@ gmail.com - ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3276-9952
** Professor e orientador do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC. Ilhéus, BA – Brasil. Professor Adjunto do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas da mesma instituição. Correio eletrônico: mrpsiqueira@uesc. br - ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2165-4244
Resumo
Um dos grandes desafios para a inserção da Física Moderna e Contemporânea (FMC) no Ensino Médio (EM) perpassa pelas dificuldades docentes de ensinar seus conceitos, sem atribuir exclusividade à resolução de exercícios de livros didáticos. Contribuindo para superá-lo, o artigo evidencia aspectos didáticos que uma Atividade Lúdica sobre a “Instabilidade Nuclear” (ALIN) fornece para o ensino-aprendizagem de conceitos de FMC. A análise fundamenta-se na Teoria das Situações Didáticas (TSD). A ALIN é parte integrante de uma sequência de ensino-aprendizagem sobre a Radioatividade (SEAR), desenvolvida, operacionalizada e avaliada como fruto de pesquisa. A SEAR foi implementada por um professor de Física em sua turma de curso Técnico em Informática (nível médio), em um Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de uma cidade brasileira do Sul da Bahia. Os dados, incluindo as falas do professor e de 10 dos 25 estudantes, foram obtidos com o recurso da videografia, transcrição dos diálogos e registros de imagens fotográficas. O recorte é justificado por ser, sob a lente da TSD, o mais significativo. Ele evidenciou na ALIN os aspectos didáticos de caráter lúdico e de regras preconizadas por questões e comentários, associados aos conceitos da Radioatividade. Relacionados à concepção de contrato didático e seus elementos constituintes fundamentais, esses aspectos são considerados “cláusulas implícitas de um contrato didático”, que podem ser transferidas para desenvolver a ALIN em outros contextos de ensino. Os resultados denotam que a atividade é um instrumento em potencial que cria condições para o ensino da Radioatividade. Todavia, é necessário que professores e estudantes aceitem o desafio de realizá-la atentando para os sistemas de obrigações vinculados a relação didática. Consideramos que a atividade pode ajudar na reflexão de atitudes positivas durante o processo de ensino-aprendizagem de conceitos da FMC em ambientes reais de sala de aula.
Palavras chaves: didática das ciências, contrato didático, sistema didático.
Abstract
One of the great challenges for the insertion of Modern and Contemporary Physics (FMC) in High School goes through the difficulties of teaching their concepts, without attributing exclusivity to the resolution of textbook exercises. The article highlights didactic aspects that a Ludic Activity on "Nuclear Instability" (ALIN) provides for the teaching-learning of FMC concepts. The analysis is based on the Theory of Didactic Situations (TSD). The ALIN is an integral part of a teaching-learning sequence on Radioactivity (SEAR), developed, operationalized and evaluated as a research result. The SEAR was implemented by a Physics teacher in his Computer Technician class, in a Federal Institute of Education in Science and Technology at a Brazilian city in the South of Bahia. Data, including the words of the teacher and 10 of the 25 students, were obtained with the use of videography, transcription of the dialogues and records of photographic images. The selection is justified because it is, under the lens of the TSD, the most significant. In it, we demonstrate in the ALIN the didactic aspects of a ludic nature and of rules recommended for questions and comments, associated with the concepts of Radioactivity. Regarding the conception of didactic contract and its fundamental constituent elements, these aspects are considered "implicit clauses of a didactic contract", which can be transferred to develop ALIN in other teaching contexts. The results show that recreational activity is a potential instrument that creates conditions for the teaching of radioactivity. However, it is necessary that professors and students accept the challenge of carrying them out in spite of the obligations usually acquired in the didactic relationship. We consider that the activity can help to reflect on positive attitudes during the teaching and learning process of FMC concepts in the real classroom environment.
Keywords: Didactics of the Sciences, Didactic Contract, Didactic System.
Resumen
Uno de los grandes desafíos para la inserción de la física moderna y contemporánea (FMC) en la enseñanza media (EM) pasa por las dificultades docentes de enseñar sus conceptos, sin atribuir exclusividad a la resolución de los ejercicios del libro de texto. En este artículo se destacan aspectos didácticos que una actividad lúdica sobre la inestabilidad nuclear (ALIN) proporciona para la enseñanza/aprendizaje de conceptos de FMC. El análisis se fundamenta en la teoría de las situaciones didácticas (TSD). La ALIN es parte de una secuencia de enseñanza/aprendizaje sobre la radiactividad (SEAR), desarrollada, operacionalizada y evaluada como fruto de investigación. La SEAR fue implementada por un profesor de física en su clase de curso Técnico en Informática (nivel medio), en un Instituto Federal de Educación en Ciencia y Tecnología de una ciudad brasileña del Sur de Bahía. Los datos, incluyendo las palabras del profesor y 10 de los 25 estudiantes, fueron obtenidos con el recurso de la videografía, transcripción de los diálogos y registros de imágenes fotográficas. La selección está justificada por ser, bajo la lente de la TSD, el más significativo. En ella evidenciamos en la ALIN los aspectos didácticos de carácter lúdico y de reglas preconizadas por cuestiones y comentarios, asociados a los conceptos de la radiactividad. En cuanto a la concepción de contrato didáctico y sus elementos constituyentes fundamentales, estos aspectos se consideran cláusulas implícitas de un contrato didáctico, que pueden ser transferidas para desarrollar ALIN en otros contextos de enseñanza. Los resultados muestran que la actividad lúdica es un instrumento potencial que crea condiciones para la enseñanza de la radiactividad. Sin embargo, es necesario que profesores y estudiantes acepten el desafío de realizarlas a pesar de las obligaciones usualmente adquiridas en la relación didáctica. Consideramos que la actividad puede ayudar para la reflexión sobre actitudes positivas durante el proceso de enseñanza y aprendizaje de conceptos de la FMC en el ambiente real de clase.
Palabras clave: didáctica de las ciencias, contrato didáctico, sistema didáctico.
Introdução
A importância atribuída ao ensino de Física Moderna e Contemporânea (FMC) no Ensino Médio (EM) tem se materializado na grande produção de trabalhos acadêmico-científicos (artigos, teses, dissertações, simulações, jogos, textos didáticos, hipermídias, dentre outros) (Pereira, Ostermann, 2009). No entanto, as preocupações de pesquisadores, autores de livros didáticos, professores e governo (por meio dos documentos oficiais da educação) se voltam para “como” transformá-la em intervenção prática de sala de aula (Batista, Siqueira, 2017; Batista, 2015; Pessanha, 2014; Timm, 2012; Tiberghien, Vince, Gaidioz, 2009; Siqueira, 2006; Brockington, 2005; Lijsen, Klaassen, 2004).
Para docentes e iniciantes na pesquisa sobre o Ensino de Física, um dos grandes desafios de ensinar conceitos de FMC na Educação Básica, complexidade cognitiva e necessidade de formação docente apropriada, reside na falta de alternativas metodológicas que vá além da dependência da resolução de exercícios de livros didáticos. Acredita-se que novas alternativas podem tornar as aulas de Física didaticamente mais interessantes para a classe estudantil do EM, dado sua contribuição para minimizar as complexidades matemáticas dos conceitos de FMC (Kneubil, Pietrocola, 2017).
De mesmo modo, outro aspecto que se considera importante para o processo de transformação de produção acadêmica em intervenção prática de sala de aula (Collective, 2003) reside no compartilhamento de experiências concretas vivenciadas em salas de aula do EM (Batista, Siqueira, 2017; Tiberghien, Vince, Gaidioz, 2009), uma vez que, quando orientadas por pressupostos teóricos e metodológicos (Lijssen, Klaassen, 2004; Mèheut, Psillos, 2004; Collective, 2003), podem indicar caminhos didáticos para o enfrentamento desses desafios. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é evidenciar aspectos didáticos que uma atividade lúdica da “instabilidade nuclear” (ALIN) fornece para o ensino-aprendizagem de conceitos de FMC.
A ALIN é parte integrante de uma sequência de ensino-aprendizagem sobre a Radioatividade (SEAR), desenvolvida, operacionalizada e avaliada como fruto de uma pesquisa (Batista, 2015) que investigou as seguintes questões:
Como desenvolver e implementar propostas inovadoras apoiadas em referenciais teórico-metodológicos reconhecidos pela literatura? E, Quais resultados práticos esse tipo de investigação nos permite alcançar para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos de Física Moderna e Contemporânea em ambientes reais de sala de aula? (Batista, 2015 p. 14).
Durante a pesquisa, todo processo orientou-se pelos pressupostos teórico-metodológicos da DBR- -TLS Design-Based Research (Pesquisa Baseada em Projeto)-Teaching Learning Sequence (Sequência de Ensino-Aprendizagem) (Lijssen, Klaassen, 2004; Méheut, Psillos, 2004; Collective, 2003).
Em termos gerais, a DBR-TLS é “uma metodologia importante para compreender como, quando e por que inovações educacionais funcionam (ou não) na prática” (Kneubil, Pietrocola, 2017 p. 2). Para tanto, preconiza o alinhamento de princípios fundamentais de teorias de aprendizagem e do conhecimento científico em diferentes perspectivas epistemológicas. Preconiza também o uso de instrumentos inerentes à pesquisa qualitativa, a saber, observação, diário de bordo, entrevista, videografia, imagem, questionário, entre outros (Bogdan, Biklen, 1994), com objetivos de:
Entender o que ocorre em aulas de ciências, em termos de interações do professor, do aluno e de conteúdo específico; Desenvolver o conhecimento didático de conteúdos específicos, determinantes nas mudanças no ensino e na aprendizagem; Preencher a lacuna no conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem necessário ao progresso didático. (Kneubil, Pietrocola, 2017 pp. 4-5)
Com esses objetivos, a DBR-TLS constitui-se em uma linha de investigação desenvolvida por pesquisadores (as) de diferentes universidades do mundo (Kneubil, Pietrocola, 2017; Mèheut, Psillos, 2004), preocupados em operacionalizar a relação teoria-prática, subjacente a transformação de demandas teóricas educativas em intervenção prática em sala de aula (Collective, 2003).
Em função disso, na pesquisa optou-se pelo alinhamento da: teoria da Transposição Didática (TD) de Yves Chevallard (Chevallard, 1991); a teoria da aprendizagem significativa (TAS) de David Ausubel (Moreira, 2011); e pelo uso de instrumentos de coleta de dados como videografia, questionário, imagens fotográficas.
A TD permitiu analisar a sobrevivência do tópico Radioatividade no “sistema didático”. A TAS possibilitou analisar e compreender as concepções dos estudantes sobre o tópico da Radioatividade, bem como tomá-las como ponto de partida para a realização das atividades em sala de aula. Além disso, garantiu a avaliação da potencialidade da SEAR como promotora da aprendizagem significativa (Batista, Siqueira, 2017; 2014; Batista, Siqueira, Reis, 2015).
Com o recorte feito neste trabalho, pretende-se mostrar essas potencialidades a partir da análise individual das atividades da SEAR. Uma vez que, sob a lente dos objetivos da DBR-TLS, estamos tentando compartilhar, de forma detalhada, com os pares, compreensões sobre o que ocorre em aulas de Física, em termos de interações entre professor e estudantes durante o ensino de conceitos de FMC. Em decorrência, nossa proposta é desenvolver conhecimentos didáticos, tão importantes para a renovação do processo de ensino-aprendizagem em ciências, bem como buscar fornecer conhecimentos necessários ao progresso didático da inserção da FMC (Kneubil, Pietrocola, 2017).
Para alcançar o objetivo deste artigo, a análise fundamentou-se na Teoria das Situações Didáticas (TSD) de Guy Brousseau, especificamente, no conceito de contrato didático e dos seus elementos fundamentais constituintes, divisão das responsabilidades, tomada em conta do implícito e relação com o saber (Brousseau, 2008).
1. Breves aspectos da teoria das situações didáticas de Guy Brousseau
A TSD tem origem no campo da Didática da Matemática francesa, nos finais dos anos de 1960. Foi forjada pelo didata e educador matemático francês Guy Brousseau mediante os estudos desenvolvidos no interior do Instituto de Investigação de Ensino de Matemática (IREM) (Silva, Ferreira, Tozetti, 2015; Brousseau, 2008).
No âmbito da Matemática, a TSD investiga a relação didática, “uma comunicação de informações” (Brousseau, 2008 p. 16), elaborada mediante a concepção de ensino que expressa “as relações entre o sistema educacional e o aluno, vinculadas à transmissão de um determinado conhecimento” (op. cit. p.16). Sua intenção é identificar as interações estabelecidas no sistema didático (Chevallard, 1991), em um sentido mais restrito, entre docente- -saber-estudante (Teixeira, Passos, 2013) no âmbito do “sistema didático” (Chevallard, 1991).
Os objetivos da TSD “são propiciar a reflexão sobre as relações entre os conteúdos do ensino e os métodos educacionais e, de modo amplo, abordar a didática como campo de investigação” (Silva, Ferreira, Tozetti, 2015 p. 19952). Em conformidade, o termo situações é definido como “um modelo de interação de um sujeito com um meio determinado” (Brousseau, 2008 p. 21). Por sua vez, esse meio é compreendido como um “subsistema autônomo e antagônico ao sujeito” (p. 21). Contudo, “o recurso de que esse sujeito dispõe para alcançar ou conservar um estado favorável nesse meio será um leque de decisões que dependem do emprego de um conhecimento preciso” (p. 21).
Por outro lado, reserva-se “o termo situações didáticas para os modelos que descrevem as atividades” (p. 21) docentes e estudantis. Dessa forma, é definida como um sistema das interações estudantis com os problemas escolhidos pelo docente, dentro do contexto do ensino, marcado pela presença de uma indicação intencional (Brousseau, 2008). Para tanto, a função docente será indispensável na situação didática, visto que a concepção moderna de ensino solicita que ela deve provocar nos “estudantes as adaptações desejadas, mediante uma escolha judiciosa dos problemas” (Brousseau, 1996 p. 49).
Para Brousseau (1996), se as respostas aos problemas intencionalmente escolhidos são dadas, os estudantes demonstram que sabem, caso não respondam, demonstram uma necessidade de um saber que apela para o ensino. Portanto, percebe- se que o problema tem como objetivo a construção de um conhecimento novo. Todavia, docentes e estudantes devem reconhecer que o novo conhecimento é justificado pela lógica interna da situação, podendo, assim, construí-lo sem a necessidade de apelar para as razões didáticas (Brousseau, 1996). Logo, o objetivo dos problemas escolhidos pelo professor é permitir que o ambiente de sala de aula tenha riqueza de diálogo, reflexão e evolução dos estudantes por conta própria (Brousseau, 1996).
1.1 O contrato didático e seus elementos fundamentais constituintes
De acordo com Brousseau (1996, p. 50), “o contrato didático é a regra do jogo e a estratégia da situação didática. É o meio que o professor tem de colocá-la em cena”. Compreendemos que essa definição revela que o contrato didático é o responsável pela garantia, manutenção e estabilidade da relação docente-saber-estudante (Chevallard, 1991). É a condição de existência da situação didática. Seu propósito é servi-la com exclusividade, por isso, não existe para além da mesma (Brousseau, 1996).
Brousseau (1996, p. 51) afirma que o contrato didático se estabelece em uma:
Relação que determina - explicitamente em pequena parte, mas, sobretudo implicitamente - aquilo que cada parceiro, o professor e o aluno têm responsabilidade de gerir e pelo qual serão, de uma maneira ou de outra, responsáveis perante outro. Este sistema de obrigações recíprocas assemelha-se a um contrato. Aquilo que aqui nos interessa é o contrato didático, ou seja, a parte deste contrato que é específico do conteúdo: o conhecimento matemático visado. (Brousseau, 1996, p. 51)
Nesta relação estabelecida explícita e/ou implicitamente, a manifestação do contrato didático é a “regra do jogo”, obrigações recíprocas que docentes e estudantes devem assumir um perante outro, no contexto da situação didática. Em outras palavras, esse sistema de obrigações evoca a necessidade de uma atitude e um comportamento ético e moral, desses atores perante eles mesmos e perante o saber que se relacionam. Portanto, a existência do contrato didático exige da relação docente-estudante fundamentada na aprendizagem de saberes científicos, de valores educativos, entre outros, um sistema de obrigações vinculadas ao compromisso ético e moral.
Segundo Gauthier et al. (1998), a complexidade de uma sala de aula é tal que, “sem esse compromisso, nada poderia ser dito sobre a sala de aula, nada poderia ser aprendido no que se refere aos seus aspectos estáveis e recorrentes” (Gauthier et al., 1998 p. 351). Por exemplo, dificuldades de realização de atividades, situações em que se exige da atitude docente uma decisão de ver ou não ver, repreender um comportamento inadequado, dar prosseguimento a uma discussão agitada ou encerrá-la, conceder espaço de fala, exagerar ou banalizar um pedido de silêncio, entre outros que permeiam a sala de aula (Gauthier et al., 1998).
Não obstante, o contrato didático se manifesta quando uma ou mais regras não são respeitadas por um dos parceiros da relação didática, ou seja, quando ele é transgredido (Brousseau, 1996). Essa transgressão se traduz na ocorrência de uma ruptura e renegociação, para que o avanço da aprendizagem ocorra (Brousseau, 1996). Nessas condições, parece-nos evidente o quanto as condições para aprendizagem mostram-se dependentes das formas de rupturas e renegociações das cláusulas do contrato didático. Contudo, elas podem ser saudáveis, caso seja respeitado o compromisso com os sistemas de obrigações.
Em outra direção, essa definição de contrato didático dada por Brousseau (1996) significa que “no cotidiano da sala de aula há um conjunto de expectativas dos participantes, definidas a priori, nem sempre de modo explícito, que se traduzem como cláusulas do Contrato Didático estabelecido” (Ricardo, Slongo, Pietrocola, 2003 p. 155).
Tratando-se da materialidade do contrato didático, Jonnaert (1996) afirma que existem três elementos importantes que o constitui, o primeiro elemento é:
A ideia de divisão das responsabilidades: a relação didática não está sob o controle exclusivo do professor; a responsabilidade do estudante é levada em consideração: ele deverá aceitar seu ofício de estudante para saber aprender; esta ideia da divisão de responsabilidades é importante para compreendermos o propósito relativo à devolução didática. (Jonnaert, 1996 p.132 - tradução livre)
Atentando para essa ideia, fica claro que a relação didática não está sobre o controle do professor. Por sua vez, como uma possível cláusula implícita do contrato didático, ela materializa o que estamos chamando de sistemas de obrigações vinculadas ao compromisso ético e moral que os estudantes devem assumir diante do docente e seus saberes. Fica claro que assumir uma parcela desse controle requer a responsabilidade de aceitar seu ofício de aprendiz do saber ensinado.
No seio desse primeiro elemento do contrato didático, “a devolução é um mecanismo de transferência da responsabilidade do mestre ao estudante em um processo de construção de um saber pelo próprio estudante” (Jonnaert, 1996 p. 140). Assim, “o conceito só é concebido se o estudante se inscreve em seu próprio projeto de jogar o jogo da relação didática” (op. cit. p.140). Contrapondo a ideia desse conceito, Jonnaert (1996) chama a atenção para outro conceito, a saber, de contra-devolução didática, que:
É manifestado em uma relação didática pelo estudante que não consegue responder às expectativas do professor. O estudante exige do professor a renúncia da devolução didática. Nessa ruptura do contrato didático o professor deve descobrir os limites da devolução e aceitar a contra-devolução do estudante e mudar de estratégia. (Jonnaert, 1996 p. 140)
Nesse contexto, a existência do contrato didático é condicionada pela existência de um projeto de aprendizagem estudantil, em que aprender os conteúdos da matéria de ensino, passar de ano, obter um diploma, conseguir um estágio, passar no exame de seleção para o nível superior, tenha conformidade, por exemplo, com o projeto político pedagógico da escola, no qual o professor trabalha objetivando colocá-lo em prática (Gauthier et al., 1998; Jonnaert, 1996).
Essa definição está marcada pelo pleito estudantil em exigir a renúncia docente da devolução didática. Uma ruptura explícita do contrato quando sentem dificuldades de resolver o problema na forma proposta (Jonnaert, 1996). Logo, presume-se que uma atitude positiva da ação docente é avaliar a adequação do problema nos níveis cognitivos, didáticos e pedagógicos dos estudantes. Isso pode facilitar que os estudantes possam entrar no jogo e aceitar a devolução. Parece-nos claro que o resultado dessa tensão é a materialidade das rupturas e renegociações, das quais o avanço (para o sucesso ou fracasso) da aprendizagem está submetido (Gauthier et al., 1998).
Dando continuidade, o segundo elemento fundamental do contrato didático exposto por Jonnaert (1996) diz respeito à:
A tomada em conta do implícito: a relação didática funciona tanto, senão mais, sob o “não dito” que sob as regras formuladas explicitamente; o contrato didático se inquieta desses “não ditos” bem mais, ele se dá um valor também importante às regras formuladas explicitamente e pelas quais o professor e estudante são vinculados. (Jonnaert, 1996 p.132 - tradução livre)
Essa ideia revela que a ação docente não precisa verbalizar para o estudante que a realização da atividade tem como objetivo a aprendizagem de um saber a ensinar. “O implícito torna-se muito importante em uma relação didática, pois está no interesse do conceito de contrato didático: jogar sob os paradoxos da relação didática” (Jonnaert, 1996 p.133).
No que confere às regras formuladas explicitamente, quatro são suas ordens de critérios. A primeira ordem perpassa pelo “nível de explicitação das regras: explícitas e formuladas; tácitas e convencionadas; tácitas e não convencionadas; implícitas e inconscientes” (Jonnaert, 1996 p. 135). A segunda ordem pelo “nível de negociação das regras: impostas unilateralmente por um dos participantes da relação didática; negociadas” (p. 135). A terceira, pela “origem das regras: externas (impostas do exterior da classe: regulamento da escola, por exemplo); internas (específico ao grupo classe considerado)” (p. 135). Por fim, a quarta, pelo “grau de espontaneidade das regras: espontâneas (elas emergiram do interior mesmo do grupo classe em questão); preexistentes (elas existem antes da constituição do grupo classe)” (p. 135). Vale ressaltar que Jonnaert (1996) não fornece muitas evidências de como essas ordens de critérios emergem da situação didática. Assim, buscasse abordá-las, aqui, com o intuito de encontrar, na análise, indícios de suas existências.
Por fim, o terceiro elemento do contrato didático, a saber:
A relação com o saber: este é específico do contrato didático, este é tomar em consideração a relação que cada um dos participantes mantém com o saber; o contrato didático deverá então ter em conta a assimetria das relações com os saberes em jogo na relação didática; bem mais, cada uma dessas relações se deve ela mesma de uma das regras do contrato didático. (Jonnaert, 1996 p. 132 - tradução livre)
O que nos chama atenção nesse terceiro e último elemento, é o conceito de assimetria das relações. Ele nos permite observar o lugar privilegiado que os docentes assumem na relação didática, visto que existe, implicitamente, na consciência dos estudantes que sem a ajuda docente dificilmente será possível acessar o saber e construir uma compreensão do mesmo e a solução do problema escolhido. Em outras palavras, o professor possui um domínio sobre o saber, que exige dele a responsabilidade de organizar a situação de ensino que seja favorável à aprendizagem dos estudantes (Jonnaert, 1996).
Por outro lado, Ricardo, Slongo, Pietrocola (2003) observam que existem as expectativas que os estudantes possuem em relação à ação docente, pois, é por meio dela que serão conduzidos na construção do conhecimento almejado. Consideramos, então, que mais próximo do saber, por assim dizer, os docentes criam certa expectativa em relação à ação estudantil, no sentido de aceitarem ou não a devolução do problema. Em nossa perspectiva, a assimetria constitui mais uma regra do contrato didático a ser atendida por docentes e estudantes no seio da relação didática.
Não obstante, para além desses elementos constituintes, existem os chamados conceitos de paradoxo (da devolução da situação, da inadaptação à exatidão, da inadaptação a uma adaptação posterior, da aprendizagem por adaptação e sobre o ator), bem como o que Brousseau (1996 p. 41) denomina de fenômenos de didática, “ligados ao controle da transposição didática”, a saber: o efeito (Topázio, Jourdain, Pigmaleão, Papy e Dienes). Todavia, como esses conceitos estão além do alcance dos objetivos deste artigo, não serão abordados aqui. Ao leitor interessado, ler Brousseau (1996 pp. 41-47).
Considerando que a atividade lúdica da instabilidade nuclear foi elaborada para preparar os estudantes para outra situação didática, em que os conceitos da Radioatividade estão inseridos, espera- -se operacionalizar as ideias até aqui expostas, para evidenciar os aspectos didáticos que podem emergir de uma análise atenta das informações coletadas.
2. Aspectos metodológicos
De natureza qualitativa, este trabalho analisou, exclusivamente, as falas dos sujeitos (de um professor e de 25 estudantes), resguardando suas identidades com o uso de nomes fictícios. Os dados, incluindo as falas do professor e de dez, dos vinte e cinco estudantes, foram obtidos com o recurso da videografia, transcrição dos diálogos e registros de imagens fotográficas. O recorte é justificado por ser, sob a lente da TSD, o mais significativo, posto que as interpretações estejam suportadas pelos conceitos e possibilidades fornecidas por esse referencial, aqui estabelecido como categorias a priori. Ressalta-se que não se pretendeu durante a análise emitir qualquer juízo de valor sobre as falas dos sujeitos e sua relação com sucesso ou fracasso da realização da atividade.
A opção pelo recurso da videografia se justifica pelo argumento de Meira (1991), qual seja, de que o registro de dados, por meio de videografia, fornece um caminho privilegiado de acesso aos conteúdos microscópicos das atividades humanas, ao possibilitar o resgate da densidade de ações comunicativas orais e gestuais.
Em vista disso, seguimos o guia para a análise de dados videografados apresentados por Meira (1991) que preconiza: (1) assistir sem interrupção o episódio de ensino videogravado, realizando anotações preliminares sobre eventos associados à questão de pesquisa e os objetivos, visando familiarização com os dados e caracterização geral do episódio; (2) produzir um “índice de eventos” de acesso rápido a segmentos específicos (falas significativas do professor e estudantes); (3) por meio desse índice, identificar os eventos que têm ligação com a questão de pesquisa e os objetivos; (4) transcrever literalmente os eventos; (5) assistir repetidamente o episódio de ensino, apoiando-se na análise da transcrição, buscando gerar interpretações plausíveis dos microprocessos envolvidos no episódio de ensino pleiteado pela investigação; (6) divulgar resultados e apresentar interpretações ilustradas com exemplos prototípicos colhidos diretamente da videografia e das transcrições. Isso permite ao leitor compreender os argumentos e princípios teóricos sugeridos pelos investigadores, ou construir interpretações alternativas (Meira, 1991).
Por esse recorte, retornamos o objetivo deste artigo: “evidenciar aspectos didáticos que uma atividade lúdica da instabilidade nuclear fornece para o ensino de conceitos de FMC” no Ensino Médio, para estabelecer sua relação com a segunda questão de pesquisa: Quais resultados práticos esse tipo de investigação nos permite alcançar para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos de Física Moderna e Contemporânea em ambientes reais de sala de aula? Consideramo-lo como mais uma resposta importante alcançada pela pesquisa, quando se analisa os dados sob o olhar da teoria das situações didáticas, especificamente, operacionalizando o conceito de contrato de didático e seus elementos fundamentais (divisão das responsabilidades, tomada em conta do implícito e relação com o saber).
Nesse contexto, como parte da SEAR, a ALIN foi desenvolvida (em duas aulas de 50 minutos) com uma turma de Física do curso Técnico em Informática (nível médio), em um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de uma cidade brasileira do Sul da Bahia, durante o primeiro semestre de 2015. Ela foi concebida para despertar a curiosidade e interesse estudantil em aprender alguns conceitos inerentes ao tópico Radioatividade, tais como, transmutação nuclear, decaimento radioativo (beta, alfa e gama), núcleo atômico, prótons, nêutrons, elétrons, meio-vida, que se encontram presentes nos livros didáticos de Física do Ensino Médio (Pietrocola et al. 2010).
O professor que ministrou as aulas tem formação em licenciatura em Física e pós-graduação em Educação em Ciências. Participando ativamente do processo de planejamento das aulas da sequência de ensino-aprendizagem, suas motivações encontravam- se, segundo ele, em oportunizar o conhecimento do tópico a seus estudantes pelo viés da Física, uma vez que seus estudantes já tinham tido contato com o assunto na disciplina de Química. Além disso, apesar de pouco familiarizado com o conteúdo e a abordagem didática, aceitava o desafio, atribuindo-o um aspecto importante para sua formação continuada.
A turma do curso técnico era formada por 25 estudantes, igualmente distribuídos entre meninas e meninos, com média de idade entre 14 e 19 anos. Nessa turma, o professor tinha dois (2) encontros semanais, sempre no período matutino, segundas e quintas-feiras, entre às 10h10min e 11h50min. No que confere a realização da atividade, apenas o professor dispunha de um roteiro para conduzir a ação estudantil: colar com fita adesiva ou cola bastão, aproximadamente, 100 unidades de bolinhas de isopor, a partir de uma única bolinha de isopor presa no fio de náilon fixado no teto (Figura 1), a seguir.
Os estudantes, sob a orientação do professor, formaram grupos de cinco pessoas. Em seguida, iniciou a leitura das regras da atividade, seguindo o que estava escrito no roteiro.
No roteiro, a primeira regra lida foi que os grupos deveriam: escolher um dos elementos químicos presentes no texto 1 - sobre a descoberta da radioatividade1, a saber: Urânio, Tório, Polônio e Rádio. A Segunda regra: escolher o tipo de cola (fita adesiva, cola: branca, bastão ou de silicone) a ser utilizado para colar as bolinhas. Terceira regra: proceder à colagem das bolinhas sem tocar as já previamente coladas, a partir do esquema apresentado. Quarta regra: responder as questões, a saber, 1. O que mantém as suas bolinhas presas? 2. Quantas bolinhas vocês conseguiram colar antes da primeira cair? 3. Por que as bolinhas estão caindo? 4. O elemento que vocês escolheram para nomear o conjunto das bolinhas continua o mesmo?
Em termos conceituais, as questões (1, 2, 3, e 4) são pontes para estabelecer relações, respectivamente, com os conceitos de: (1) força nuclear forte e força nuclear fraca; (2) número de massa atômica, número de prótons e número de nêutrons; (3) decaimentos radioativos alfa, beta e gama; (4) conceito de transmutação nuclear.
No final do roteiro, o professor leu o seguinte comentário: vocês escolheram um tipo de cola para grudar as bolinhas, mas no átomo, mais precisamente, no núcleo do átomo, não existe cola! Pergunta- se: o que poderia realizar este mesmo papel no núcleo do átomo?
Dado esses aspectos descritivos, esperamos ter clarificado o cenário no qual a ALIN está inserida, para com isso mostrar com eles permitem analisar as falas transcritas dos sujeitos, mediante a operacionalização dos conceitos expostos na seção anterior.
3. Análise dos aspectos didáticos da atividade lúdica da instabilidade nuclear
Iniciamos a análise didática retomando a ideia principal da TSD, a saber, investigar a “relação didática” - uma comunicação de informações - para estabelecer a função didática que a ALIN adquire para mediar a comunicação dos conceitos da Radioatividade.
No que confere aos objetivos da teoria das situações didáticas, dentre eles, “propiciar a reflexão sobre as relações entre os conteúdos do ensino e os métodos educacionais”, observamos a pertinência de submeter à ALIN a análise didática que pretendemos.
Outro ponto, que é pertinente situar à atividade, diz respeito à sua relação com a ideia de “modelo de interação do sujeito com um meio determinado” em que os estudantes são exigidos a mobilizar suas decisões para realizar a atividade e entrar no jogo da situação didática. Reforçando essa ideia, evocamos a concepção moderna de ensino que solicita da ação docente provocar nos estudantes “as adaptações desejadas mediante a escolha judiciosa dos problemas” (Brousseau, 1996 p.49), para dizer que a atividade lúdica pode servir ao propósito didático de mediar essas adaptações dos estudantes ao antecipar as ideias que perpassam os conceitos da Radioatividade.
Realizado esse ajuste teórico, tomamos a fala inicial do professor para iniciar a atividade, no contexto apresentado pela Figura 1.
Professor: Observem! Gaby, por favor..., daqui a pouco você não vai mais poder fazer isso. Onde a gente estava, hoje, de certa forma, é um pouco de uma brincadeira que a gente vai fazer aqui, mas que tem tudo haver e no final das contas vocês irão perceber bem a ideia por de trás dessa atividade que a gente vai está fazendo.
O primeiro aspecto didático da atividade é seu caráter lúdico, quando o professor explicita que de “certa forma, é um pouco de uma brincadeira que a gente vai fazer aqui”. Isso demonstra a funcionalidade da atividade ao permitir que os estudantes de forma lúdica se envolvam intelectualmente, mas com satisfação e interesse de aprendizagem. O fator brincadeira ressaltado pelo professor expressa que ela também é indispensável à saúde física, emocional e intelectual dos jovens (Rodrigues et al. 2017; Lemes, Dal Pino Júnior, 2010). Por isso, seu aspecto lúdico pode permitir que o professor explore a criatividade dos estudantes e proporcione elementos que melhore a conduta deles no processo de ensino e aprendizagem, especialmente, sobre os conceitos do tópico da Radioatividade que a atividade comporta.
Outro ponto importante é que o envolvimento intelectual dos estudantes neste momento de brincadeira é evocado implicitamente, mediante a observância das regras a serem obedecidas para a realização da atividade. Esse envolvimento ganha mais sentido quando evocamos o conceito de contrato didático, “a regra do jogo e a estratégia da situação didática; o meio que o professor tem de colocá-la em cena”.
Contidas no roteiro, essas regras orientam os estudantes nessa imersão intelectual para a execução da atividade. Além disso, fornecem ao professor as ferramentas necessárias para coordenar a situação. Esses elementos ressaltam que as regras tornam-se mais um aspecto didático da atividade, pois além de fomentar o envolvimento intelectual dos estudantes, também propicia ao professor jogar com as expectativas deles, neste caso, suscitando-as por meio de sua fala “Professor: vocês irão perceber bem a ideia por de trás dessa atividade”.
Na fala do professor, pode ser observada uma tentativa de construir uma expectativa nos estudantes. Isso, no sentido de despertar neles a curiosidade de entender, do ponto de vista físico, as relações entre as perguntas e os conceitos (transmutação nuclear, decaimento radioativo: alfa, beta e gama, meia-vida, núcleo atômico, prótons, nêutrons, elétrons) necessários para compreensão do fenômeno da Radioatividade.
Com efeito, as regras, como um aspecto didático, ou seja, como “cláusulas implícitas do contrato didático da atividade”, são alicerçadas pela seguinte afirmação: “o professor tem, pois, de efetuar, não a comunicação de um conhecimento, mas a devolução do problema adequado. Se essa devolução se opera, o aluno entra no jogo e, se ele acaba por ganhar, a aprendizagem teve lugar” (Brosseau, 1996 p.51).
Essa comunicação fica evidente na fala seguinte do professor, ao realizar a leitura do roteiro:
Professor: Peço que vocês acompanhem o roteiro aqui, tá gente, pra não ficar nenhuma dúvida. O objetivo é colar aproximadamente 100 unidades de bolinhas de isopor, a partir do esquema, uma única bolinha presa por um barbante, suspensa por um suporte..., tranquilo? No suporte ela vai está presa nesta situação, para justamente vocês conseguirem prender todas as bolinhas aqui! Tudo bem? Ok.
Ao chamar atenção para o objetivo da atividade, “colar aproximadamente 100 unidades de bolinhas de isopor, a partir de um esquema: uma única bolinha presa por um barbante, suspensa por um suporte”, as regras a serem seguidas ficam implicitamente estabelecidas, de modo que a expectativa do professor para com a aceitação delas por parte dos estudantes ganha sua própria dimensão.
Aliado a essa expectativa, encontramos, na fala do professor, o primeiro elemento do contrato didático, a saber, a ideia de divisão de responsabilidade. O Professor fala: “então, vocês vão ter que ficar atentos para ver quantas bolinhas vocês irão conseguir colar; vocês podem até dividir tarefas, vocês se organizem aí”. Como uma “cláusula implícita do contrato didático”, essa ideia de divisão das responsabilidades é apresentada pelo professor para evidenciar, justamente, a parcela de controle da situação didática que os estudantes possuem (Brousseau, 1996). O professor, de forma consciente ou não, sabe que a aceitação das regras pelos estudantes é a prova material da divisão das responsabilidades.
Não obstante, algo muito interessante que ocorre após essa divisão de responsabilidade é a ruptura de algumas regras quando o Professor explicita: “É..., apesar... a ideia é que cada grupo utilizasse um elemento diferente, ou um aparato diferente para fazer a colagem das bolinhas, mas resolvemos mudar, assim, todos vocês irão utilizar a mesma coisa que é a fita adesiva”.
Ao analisar esta colocação do professor, percebemos que essa mudança no tipo de material para colar as bolinhas, apesar de não ter influência nenhuma na execução da atividade, acabou produzindo nos estudantes atitudes transgressivas em relação à atividade. De outro modo, pensamos que isso se deu conforme os estudantes perceberam que tinham algum controle real da situação, por isso poderiam questionar a mudança. No diálogo a seguir, esse momento de discussão pode ser evidenciado:
Professor: todos vocês irão utilizar a mesma coisa que é fita adesiva. Estudante (Bruna): durex. Professor: fita adesiva. Estudante (Camila): durex. Estudante (Saulo): durex é marca de preservativo. (risos e falas simultâneas tomam conta da sala devido a essa associação). Professor: voltemos! Então, vocês não vão ter, no caso, cola branca, cola bastão, cola de silicone, apenas fita adesiva.
Esse momento de confusão, gerado pela observância do professor sobre o uso apenas de um tipo de cola, é visto como algo que pode ser contornado com a reestruturação do roteiro. Atenta-se para esse fato de fornecer apenas um tipo de cola (sugerimos a fita adesiva), sem criar suspeita, por parte dos estudantes, da influência desse material sobre o sucesso ou fracasso deles na realização da atividade.
Não obstante, esse momento pode ser interpretado como possíveis rupturas do contrato didático que foram produzidas, “quando uma ou mais regras não foram respeitadas por um dos parceiros da relação didática, ou seja, quando elas foram transgredidas” (Moretti, Flores, 2002 p.2).
Com efeito, para negociá-las e direcionar a execução da atividade, o professor manifesta seu controle da situação pedindo que os estudantes façam silêncio. Professor: “máximo de cinco alunos por grupo, mas a ideia aqui é a gente fazer uma uniformização, ou seja, ter quatro a cinco alunos por grupo”. Dando sequência ao processo de negociação, a primeira atitude do professor é ler novamente as regras contidas no roteiro, a saber:
Professor: primeiro vocês devem escolher os elementos químicos presentes no texto sobre a descoberta da radioatividade, urânio, tório, polônio e rádio; Segundo, olha! Escolher o tipo de cola, no caso, fita adesiva, que vocês vão utilizar; Terceiro, devem proceder à colagem das bolinhas, atenção! Sem tocar nas bolinhas já coladas, ou seja, gente, a ideia é você pegar essa fita adesiva, colar o máximo de bolinhas que vocês conseguem em volta disso (aparato).
Atenta, aos procedimentos, uma Estudante (Sandra) pergunta: “assim professor?”, fazendo um gesto de cima para baixo com a mão em volta do fio de náilon com a bolinha fixa e suspensa. O Professor, por sua vez responde:
Professor: lógico que de todo o jeito, o máximo de bolinhas que vocês conseguirem, não pode, óbvio! Colou a bola, não pode mais está tocando, certo?! O que é que eu quero dizer com isso, como é que vocês vão fazer, vão colar a fita adesiva na bolinha e ir colando, em cima, do lado, tal, encaixando e geralmente, acaba ficando algo assim (faz gesto circulares com as mãos em torno do fio), a questão é: vocês vão ver as limitações.
Na fala do professor, “colou a bola, não pode mais está tocando, certo?! O que é que eu quero dizer, com isso, como é que vocês vão fazer, vão colar a fita adesiva na bolinha e ir colando”, pode ser observado que ele assumiu o controle novamente da atividade e, de certa forma, ele, ao dizer o que os estudantes não podem fazer, deixa as regras mais claras para que a atividade seja realizada como deveria ser.
Dando continuidade ao estabelecimento das regras, o Professor fala: “segundo grupo é polônio; o primeiro grupo é tório; o terceiro é urânio, o quarto é?”. A Estudante (Aline) responde: rádio. Professor continua: “silêncio oh!”.
Nesse trecho de fala, pode ser percebido que a situação didática, estando sobre o controle do professor, ganha um curso normal para seu bom desenvolvimento. Desse modo, o professor finaliza a leitura das regras do roteiro explicitando a sua parte final:
Professor: quarta parte, vocês têm que estarem atentos para depois responder às seguintes perguntas: 1. Quem mantém as bolinhas presas? 2. Quantas bolinhas vocês conseguiram colar antes da primeira cair? 3. Por que as bolinhas estão caindo? 4. O elemento que vocês escolheram para nomear o conjunto das bolinhas continua o mesmo? Comentário aqui! Vocês escolheram um tipo de cola para grudar as bolinhas, mas no átomo, mais precisamente, no núcleo do átomo, não existe cola, pergunta-se: quem poderia realizar este mesmo papel no núcleo do átomo?
Nesse trecho, observamos que a atividade manifesta, em seu roteiro marcado por regras, questões (1, 2, 3 e 4) e comentário, mais um aspecto didático importante, qual seja, a relação com o saber (conceitos da Radioatividade), retomando a ideia de que “o contrato didático deverá então ter em conta a assimetria das relações com os saberes em jogo na relação didática” (JONNAERT, 1996 p.132). A atividade lúdica nos parece cumprir com esse propósito, e, além disso, garante ao professor seu lugar privilegiado na situação didática, uma vez que os estudantes, sem a ajuda docente, possivelmente, não vão conseguir estabelecer as relações entre as questões (1, 2, 3 e 4) e os conceitos a elas associados (força nuclear forte e fraca; massa atômica, prótons, nêutrons; decaimentos radioativos alfa, beta e gama; transmutação nuclear, meia-vida). Este argumento é corroborado com a seguinte afirmação: “o segundo não somente sabe mais que o primeiro, mas a responsabilidade de organizar a situação de ensino reputa favorável na aprendizagem do primeiro” (Johsua, Dupin, 1993 p.249 – tradução livre).
Ressalta-se, com pesar, que, dado à relevância de apresentar mais informações a esse respeito (quantidade de estudantes que conseguiram estabelecer relações entre as questões e os conceitos), ficamos limitados, neste artigo, a focalizar a análise somente nas falas dos sujeitos, e não nas atividades escritas. Porém, para efeito de evidência, mesmo que incipiente nas falas transcritas e analisadas, isso ocorreu quando, finalizando a leitura do roteiro, o professor diz:
A ideia é a gente, fazer uma pequena analogia, pensando no núcleo do átomo. Então vamos está colando bolinhas que representam o quê? Os estudantes respondem: prótons e nêutrons. Professor: nêutrons no núcleo atômico.
Não obstante, analisando as questões do roteiro e o comentário final, na perspectiva das quatro ordens de critério explicitadas por Jonnaert (1996), notamos que a primeira ordem, explícitas e previamente formuladas, encontra fomento na atividade, quando o professor comunica e explicita essas regras buscando atentar para a compreensão e aceitação estudantil.
Professor: colou a bola, não pode está tocando, certo?! Não é assim, caí, eu posso colar novamente! A ideia é o que, caiu a primeira, para. Então vamos está colando bolinhas que representam o quê? Prótons e?! Prótons e?! Estudantes (coletivamente) respondem: Nêutrons! Professor: Nêutrons no núcleo atômico. A ideia é a gente fazer uma pequena analogia com isso daqui, pensando no núcleo do átomo. Se vocês quiserem bolar alguma estratégia antes de colar, fiquem a vontade, podem começar! Estudante (Eliane) pergunta: podemos colar de duas em duas? Professor: não! É de uma a uma. A primeira fica no lugar que está! Professor: não é competição de tempo tá!
Alinhado a esse excerto, outros a seguir indicam que o professor busca o tempo todo conduzir os estudantes de forma que respeitem as regras. Professor: “oh gente, a ideia é colar sem tá segurando, viu!”; “Olha só, você ver que oh, atenção, sem segurar”; “Sem o apoio, você vem e, oh! Coloca aqui!”; “Assim não, sem tocar, sem tocar, está igual para todo mundo!”. Todavia, como pode ser percebido na discussão a seguir que não se constitui em uma tarefa muito fácil.
Professor: Oh gente, a ideia é colar sem tá segurando viu! Olha só, você ver que oh, atenção, sem segurar, sem o apoio, você vem e, oh! Coloca aqui! Estudante (Marcos): assim, a gente não consegue não! Professor: tente colar uma pelo menos, e reforça sua fala, tente rapaz! Estudante (Marcos): a bola está frouxa. Professor: aí, está colado rapaz! (Mas o aluno toca na bola, e o professor chama à atenção). Professor: assim não, sem tocar, sem tocar, está igual para todo mundo! Estudantes (coletivamente) continuam colando, porém tocando! Professor: assim não, sem tocar, sem tocar. Estudante (Adriano): a gente não está conseguindo. Professor: faz parte. Professor: não se esqueçam de contar, quem está contando? Quem está contando? Professor: sem tocar, sem tocar. Estudante (Débora) diz para outra: sem tocar, não pode tocar. Professor: sem tocar, sem tocar, pessoal.
Percebe-se, nos diálogos, que a condução da atividade, além de exigir um esforço do professor em não permitir as atitudes transgressivas dos estudantes, busca fazer com que os estudantes possam se comprometer seriamente com a atividade. No último trecho de fala em que uma estudante diz para outra, “sem tocar, não pode tocar”, podemos observar que, para alguns, esse compromisso foi aceito, mas para outros, não.
Para os estudantes que respeitaram as regras, Brosseau (1996, p. 46) afirma que “o aluno sabe perfeitamente que o problema foi escolhido para levá-lo a adquirir um conhecimento novo”. Além disso, “saber igualmente que esse conhecimento é inteiramente justificado pela lógica interna da situação”. De certa maneira, observamos que, até certa medida, essa atitude da estudante, em comunicar aos seus pares que “não pode tocar” nas bolinhas para efetuar a cola das outras, nos leva a ideia de que a tomada em conta do implícito (terceiro elemento fundamental do contrato didático) teve lugar. Reforçando essa ideia, no grupo do polônio, ao tentar colar uma bolinha, o movimento brusco de um dos estudantes (Tiago) levou sua colega (Gabriela) a repreendê-lo dizendo: “oh Tiago, desse jeito vai cair todas as bolinhas”.
De maneira a concluir nossa análise, observamos que a ALIN, quando submetida aos crivos dos conceitos de contrato didático e seus três elementos fundamentais, evidenciou, nas falas dos sujeitos participantes do seu desenvolvimento, aspectos didáticos de caráter lúdico e regras marcadas por questões e comentário, associados aos conceitos da Radioatividade. Relacionados à concepção de contrato didático e seus elementos constituintes fundamentais, esses aspectos são considerados “cláusulas implícitas de um contrato didático”, que podem ser transferidas para desenvolver a ALIN em outros contextos de ensino, especialmente, por professores e pesquisadores preocupados com inserção da FMC no EM.
4. Considerações
Buscamos na fundamentação TSD, evidenciar que a ALIN apresenta importantes aspectos didáticos (caráter lúdico e regras marcadas por questões e comentário, associados aos conceitos da Radioatividade) que fomentam o processo de ensino-aprendizagem dos conceitos de FMC no contexto real de sala de aula. Os conceitos de contrato didático e seus elementos constituintes fundamentais possibilitaram mostrar que esses aspectos, por seu caráter pactual com a relação docente-saber-estudantes, são frutos que a atividade fomenta. Isso nos parece evidente nos diálogos entre o professor e os estudantes e na materialidade dos sistemas de obrigações vinculados às regras contidas no roteiro da ALIN.
Para cada uma das questões, a tomada em conta do implícito, a divisão das responsabilidades e a relação com o saber são condições necessárias para que os estudantes sejam direcionados para o que é mais importante na ALIN: a aprendizagem dos conceitos científico da Radioatividade (força nuclear forte e fraca; massa atômica, prótons, nêutrons; decaimentos radioativos alfa, beta e gama; transmutação nuclear, meia-vida).
À medida que os estudantes foram provocados a falar, refletir e evoluir na atividade por conta própria, os elementos fundamentais do contrato didático foram se tornando mais explícitos. A ideia da divisão de responsabilidade ficou clara quando na fala do professor, ele considera a função imprescindível dos estudantes (controle de parcela da situação didática) para a realização da atividade.
No que confere à relação com os saberes (da Radioatividade, atitudinais, procedimentais dos estudantes para a realização da atividade, docente gestão da classe), observamos nos diálogos que a atividade, mediante a atenção dos estudantes para com o roteiro, fornece os primeiros indícios em direção aos conceitos da Radioatividade. Esse fomento proporcionado pela ALIN, em relação a esses saberes, parece-nos produzir algumas condições necessárias para que ocorra a tomada em conta do implícito. Nesse sentido, os estudantes podem perceber que a atividade tem como função didática prepará-los para a construção de novos conhecimentos.
Além dessas evidências, outros aspectos (limitações da atividade) foram manifestados como rupturas do contrato didático, que aconteceram nos momentos em que o professor tenta conduzir a turma para a realização da atividade, observando as regras “explícitas e formuladas” do roteiro. Entretanto, como não são objetos de juízo de valores, essas rupturas permitem observar a potencialidade da ALIN para reavivar o papel dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem. Elas mostram que existe uma dinâmica em sala que foge dos domínios preconizados pelo ensino tradicional, na qual a relação docente-saber-estudante não ocorre unilateralmente.
Os resultados denotam que a ALIN é um instrumento em potencial que cria condições para o ensino da Radioatividade. Todavia, é necessário que professores e estudantes aceitem o desafio de realizá-la atentando para os sistemas de obrigações vinculados a relação didática. Consideramos que a atividade pode ajudar na reflexão de atitudes positivas durante o momento de ensino-aprendizagem de conceitos da FMC em ambientes reais de sala de aula.
5. Referências Bibliográficas
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