Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?

A Science-Technology-Society focus in teaching sciences: What technology are we talking about from this perspective in our teaching practice?

Enfoque ciencia-tecnología-sociedad en la enseñanza de las ciencias: ¿De qué tecnología estamos hablando desde esta perspectiva en nuestra práctica docente?

Autores/as

  • Ruth do Nascimento Firme Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil

Palabras clave:

Chemistry teaching, Didactic model, Technological education (en).

Palabras clave:

enseñanza de química, modelo didáctico, educación tecnológica (es).

Palabras clave:

ensino de química, modelo didático, educação tecnológica (pt).

Biografía del autor/a

Ruth do Nascimento Firme, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil

Licenciada em Química. Mestra em Ensino de Ciencias. Doutora em Educação. Professora do Departamento de Química/área Ensino de Química da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil.

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Cómo citar

APA

Firme, R. do N. (2020). Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, 15(1), 65–82. https://doi.org/10.14483/23464712.14300

ACM

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Firme, R. do N. 2020. Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias. 15, 1 (ene. 2020), 65–82. DOI:https://doi.org/10.14483/23464712.14300.

ACS

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Firme, R. do N. Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?. Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc. 2020, 15, 65-82.

ABNT

FIRME, Ruth do Nascimento. Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, [S. l.], v. 15, n. 1, p. 65–82, 2020. DOI: 10.14483/23464712.14300. Disponível em: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/14300. Acesso em: 13 dic. 2024.

Chicago

Firme, Ruth do Nascimento. 2020. «Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?». Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias 15 (1):65-82. https://doi.org/10.14483/23464712.14300.

Harvard

Firme, R. do N. (2020) «Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?», Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, 15(1), pp. 65–82. doi: 10.14483/23464712.14300.

IEEE

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R. do N. Firme, «Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?», Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc., vol. 15, n.º 1, pp. 65–82, ene. 2020.

MLA

Firme, Ruth do Nascimento. «Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?». Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, vol. 15, n.º 1, enero de 2020, pp. 65-82, doi:10.14483/23464712.14300.

Turabian

Firme, Ruth do Nascimento. «Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?». Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias 15, no. 1 (enero 14, 2020): 65–82. Accedido diciembre 13, 2024. https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/14300.

Vancouver

1.
Firme R do N. Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente?. Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc. [Internet]. 14 de enero de 2020 [citado 13 de diciembre de 2024];15(1):65-82. Disponible en: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/14300

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ABORDAGEM CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS: DE QUAL TECNOLOGIA ESTAMOS FALANDO DESDE ESTA PERSPECTIVA EM NOSSA PRÁTICA DOCENTE?

A SCIENCE-TECHNOLOGY-SOCIETY FOCUS IN TEACHING SCIENCES: WHAT TECHNOLOGY ARE WE TALKING ABOUT FROM THIS PERSPECTIVE IN OUR TEACHING PRACTICE?

ENFOQUE CIENCIA-TECNOLOGÍA-SOCIEDAD EN LA ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS: ¿DE QUÉ TECNOLOGÍA ESTAMOS HABLANDO DESDE ESTA PERSPECTIVA EN NUESTRA PRÁCTICA DOCENTE? 

Ruth do Nascimento Firme*

Cómo citar este artículo: Firme, R.N. (2020). Abordagem ciência-tecnologia-sociedade (CTS) no ensino de ciências: de qual tecnologia estamos falando desde esta perspectiva em nossa prática docente? Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, 15(1), 65-82. DOI: http://doi.org/10.14483/23464712.14300

Recibido: 21 de diciembre de 2018; aprobado: 09 de mayo de 2019


* Licenciada em Química. Mestra em Ensino de Ciencias. Doutora em Educação. Professora do Departamento de Química/área Ensino de Química da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil. Correio eletrônico: ruthquimica.ufrpe@gmail.com 


Resumo 

Neste artigo, analisamos uma proposta de organização de conteúdos para a abor­dagem Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) no ensino de Química. O nosso obje­tivo foi o de caracterizar, do ponto de vista filosófico, a tecnologia na abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade no ensino de ciências. Visamos contribuir tanto com discussões sobre a natureza da tecnologia, quanto com aquelas que direcionam uma prática docente coerente com esta abordagem. A proposta de organização de conteúdos para a abordagem CTS foi elaborada por um grupo de professores de ciências quando cursavam a disciplina optativa “A perspectiva CTS e o ensino de ciências” em um programa de pós-graduação de uma instituição pública de ensino superior brasileiro. Nesta direção, adotamos a pesquisa qualitativa descritiva. Para organização dos resultados, descrevemos a organização de conteúdos a partir das dimensões Ciência, Tecnologia e Sociedade e, em seguida, analisamos a proposta considerando como categorias analíticas: artefato/produto, modo de conhecimento, tipo de atividade humana, e volição. As análises contribuíram para caracterizar a tecnologia na abordagem CTS nestas categorias. Portanto, ao adotar esta perspectiva, é desejável que o professor de ciências considere tais dimensões em sua prática do­cente, com vistas a contribuir, por exemplo, para desmistificar algumas concepções equivocadas sobre a tecnologia, dentre outras, a ideia de tecnologia como ciência aplicada, e promover a compreensão da natureza da tecnologia. Contudo, para o professor de ciências adotar a abordagem CTS em sua prática docente deve atender aos aspectos relativos às diferentes dimensões da tecnologia, discussões. Assim as reflexões sobre seu paradigma de tecnologia se constituem em uma das demandas da formação de professores de ciências.

Palavras-chave: ensino de química, modelo didático, educação tecnológica. 

Abstract 

In this article, we analyze a proposal for content organization to address the Science­Technology-Society (STS) issue in chemistry teaching. Our goal is to characterize tech­nology from a philosophical point of view, namely, the STS perspective, for application in science education. We seek to contribute to both discussions about the nature of technology and those on how to guide practicum teaching coherent with this approach. The content organization proposal was prepared by a group of natural science teach­ers when they took the elective “The STS perspective and science teaching” in a post­graduate program of a Brazilian institution of higher education. We adopt a qualitative descriptive approach. For the results consolidation, initially, we describe the proposal for the organization of contents based on the Science, Technology and Society dimen­sions, and then we analyze the proposal based on the analytical categories of artefact/ product, mode of knowledge, type of human activity, and evolution. We characterize technology as a product/artefact, a specific type of knowledge, a human activity, and evolution. Therefore, in the adoption of this science teaching approach, it is desirable for the teacher to consider such dimensions in the teaching practice, to contribute, for example, to demystify some misconceptions about technology, such as the idea of tech­nology as applied science, and promote an understanding of the nature of technology. However, for science teachers to adopt the STS approach in teaching practice, they must address aspects related to the different dimensions of technology, discussions, and reflections on the paradigm that constitute one of the conditions of this process and, in this sense, training science teachers is necessary for the debate on this topic.

Keywords: Chemistry teaching, Didactic model, Technological education.

Resumen 

En este artículo, analizamos una propuesta de organización de contenidos para tratar el tema ciencia-tecnología-sociedad (CTS) en la enseñanza de la Química. Nuestro objetivo fue caracterizar la tecnología desde el punto de vista filosófico, en la perspec­tiva CTS para la enseñanza de las ciencias. Buscamos contribuir tanto con discusiones sobre la naturaleza de la tecnología, como con aquellas que orienten una práctica docente coherente con este enfoque. La propuesta de organización de contenidos fue elaborada por un grupo de profesores de ciencias naturales, cuando cursaban la electiva “La perspectiva CTS y la enseñanza de ciencias” en un programa de posgrado de una institución brasileña de educación superior. En este sentido, adoptamos la in­vestigación cualitativa descriptiva. Para la organización de los resultados, inicialmente, describimos la propuesta de organización de contenidos a partir de las dimensiones ciencia, tecnología y sociedad y, a continuación, analizamos su propuesta desde las categorías analíticas: artefacto/producto, modo de conocimiento, tipo de actividad humana, y evolución. Caracterizamos la tecnología como producto/artefacto, como un tipo de conocimiento específico, como actividad humana y como evolución. Por tanto, al adoptar este enfoque de enseñanza de ciencias, es deseable que el profesor considere tales dimensiones en su práctica docente para contribuir, por ejemplo, a desmitificar algunas concepciones equivocadas sobre la tecnología, como la idea de esta como ciencia aplicada, y promover la comprensión de la naturaleza de la tecnología. Sin embargo, para que el profesor de ciencias adopte el enfoque CTS en su práctica docente, debe atender los aspectos relativos a las diferentes dimensiones de la tecnología, discusiones y reflexiones sobre su paradigma que se constituyen como una de las condiciones de este proceso y, en este sentido, se hace necesaria la formación de profesores de ciencias para el debate al respecto.

Palabras clave: enseñanza de química, modelo didáctico, educación tecnológica.


Introdução

Neste artigo, analisamos uma proposta de orga­nização de conteúdos para a abordagem Ciên­cia-Tecnologia-Sociedade (CTS), elaborada por um grupo de professores de ciências da natureza, quando cursavam uma disciplina optativa A pers­pectiva CTS e o ensino de ciências em um progra­ma de pós-graduação de uma instituição pública de ensino superior brasileiro. O nosso objetivo foi o de caracterizar, do ponto de vista filosófico, a tecnologia na abordagem CTS no ensino de ciên­cias visando contribuir tanto com discussões sobre a natureza da tecnologia, quanto com discussões que direcionem uma prática docente coerente com esta abordagem de ensino. 

Ao longo de onze anos temos desenvolvido pes­quisas sobre abordagem Ciência-Tecnologia-Socieda­de (CTS) no ensino de ciências, mas especificamente, desde a conclusão do mestrado em 2007. Isso porque assumimos tanto a contribuição do ensino de ciências segundo a abordagem CTS para o enfrentamento do contexto sócio-histórico contemporâneo, marcada­mente influenciado pela ciência e tecnologia, como o interesse de ampliar reflexões sobre uma prática docente coerente com esta abordagem de ensino. Partimos do pressuposto que a prática docente “pode ser permanentemente questionada e reinventada por ser uma prática humana, portanto, histórica e cultu­ral” (MALDANER, 2000 p. 65). 

Nos últimos anos, a Didática das Ciências tem vinculado ciência e democracia, destacando que práticas cidadãs podem ser favorecidas pelo ensi­no de ciências quando se mobiliza conhecimentos (conceitos, habilidade e atitudes) próprios da ativi­dade científica em diferentes situações que contri­buam para uma formação cidadã (GARCÍA, 2002). Contudo, corroborando com SANTOS (2010 p. 85), precisamos considerar que o conceito de cidadania “é um conceito historicamente situado” e, nesta di­reção, “o cidadão do século XXI, para além de um ser individual, é um ser social, com uma identida­de cultural construída dialogicamente nas relações sociais da comunidade” (SANTOS, 2010 p. 86).

É na perspectiva de formação do cidadão contem­porâneo que destacamos a necessária alfabetização científica e tecnológica dos estudantes, entendida como a condição de “saber ler a realidade, uma realidade concreta marcada pelo desenvolvimento científico e tecnológico” (MARCO-STIEFEL, 2002 p. 34) (tradução nossa).

Um cidadão cientifica e tecnologicamente alfa­betizado lida, por exemplo, com desafios científicos e tecnológicos postos por uma sociedade caracte­rizada pela mudança, age a partir da compreensão de como o sistema funciona, toma decisões con­siderando seus conhecimentos e valores, e dentre outros aspectos, tem conhecimento de ciência e de tecnologia para “apreciar as convenções comuni­cacionais da ciência, os seus pressupostos, as suas crenças fundamentais, as suas convenções e o seu caráter humano” (AIKENHEAD, 2009 p. 21) (tradu­ção nossa). Portanto, corroboramos com ALONSO (2010) ao considerarmos que a alfabetização cien­tífica e tecnológica se constitui como um dos pa­radigmas do ensino de ciências para o século XXI.

É considerando a alfabetização científica e tecno­lógica dos estudantes que destacamos a abordagem CTS no ensino de ciências cujos objetivos são, entre outros, os de alfabetizar científica e tecnologicamen­te os estudantes de forma a dar aos mesmos condi­ções de participação no processo democrático de tomada de decisão sobre aplicações e implicações do desenvolvimento científico e tecnológico, e de contribuir para práticas cidadãs no que se refere à resolução de problemas relacionados com a ciên­cia e a tecnologia na sociedade (MEMBIELA, 2002) (tradução nossa). Segundo DIÁZ, ALONSO, MAS (2003 p. 90), a alfabetização científica e tecnológica inclui vários aspectos próprios da abordagem CTS, como, por exemplo, “a presença da tecnologia como elemento que facilita a conexão com o mundo real e uma melhor compreensão da natureza da ciência e da tecnociência contemporâneas”.

Adicionalmente, segundo SANTOS (2010 p. 89), esta abordagem de ensino se constitui de perspec­tivas sociais e de abordagens de ensino mais ex­ternalistas voltadas para contextos do mundo real, implicando em uma organização curricular que questiona, entre outros aspectos, “os usos políticos do conhecimento científico e os dilemas éticos de algumas tecnologias, [...], e o sistema de valores e de crenças que nos rege; [...]”, exigindo, nesta perspectiva, discussões sobre ciência, tecnologia e sociedade em si mesmas e, particularmente, sobre interações que estabelecem entre as mesmas (SAN­TOS, 1999, 2010).

Segundo ALONSO (2010), um dos objetivos das discussões sobre ciência, tecnologia e sociedade inerentes à abordagem CTS, é compreender a natu­reza da ciência e da tecnologia, ou seja, compreen­der um conjunto “de características de C e T como uma maneira de conhecer” (tradução nossa). Neste contexto, à luz das especificidades da alfabetiza­ção científica e tecnológica e da abordagem CTS no ensino de ciências discutidas até então, temos como hipótese neste estudo que as características da tecnologia nesta abordagem de ensino, são diferen­tes daquelas para as quais ela é considerada como ciência aplicada, por exemplo, visto que “aquilo que denominamos tecnologia se apresenta, pois, como uma realidade polifacetada: não apenas em forma de objetos e conjuntos de objetos, mas também como sistemas, como processos, como modos de proceder, como certa mentalidade” (CUPANI, 2016 p. 12). É a partir desta hipótese, que problematiza­mos a dimensão Tecnologia na abordagem CTS de ensino de ciências, e por conseguinte, a tecnologia se constitui como objeto de estudo neste artigo.

A tecnologia está presente de forma significati­va na sociedade contemporânea (CUPANI, 2016) e tem sido compreendida de diferentes maneiras. ACEVEDO DIÁZ (1996) concebe a tecnologia como constituída de diferentes componentes: o científico­-tecnológico considerando as relações mútuas entre a ciência e a tecnologia e as finalidades específicas de cada uma; o histórico-cultural destacando as mu­danças provocadas pela tecnologia no meio natural e cultural; o organizativo-social enfatizando a rele­vância da tecnologia como fator que influencia as formas de organização social; o verbal-iconográfico considerando a linguagem própria da tecnologia; e o técnico-metodológico que expressa capacidades técnicas para produção e manuseio dos artefatos tec­nológicos. PACEY (1990) define tecnologia e prática tecnológica considerando três aspectos: o técnico referente às habilidades, instrumentos, recursos hu­manos, artefatos/produtos, conhecimentos; o organi­zacional relativo à gestão da tecnologia; e o cultural envolvendo valores, criatividade, concepções sobre a tecnologia. Para KNELLER (1980 p. 268) a tecno-logia é “o empreendimento historicamente em de­senvolvimento que consiste em construir artefatos e organizar o trabalho para satisfazer necessidades humanas”. Quanto à compreensão da tecnologia como ciência aplicada, STAUNDENMAIER (1985 apud PALACIOS et al. 2003), por exemplo, discute alguns argumentos que buscam desmistificá-la, são eles: a tecnologia modifica os conceitos científicos; os problemas que busca resolver têm natureza dife­rente dos problemas da ciência; e o conhecimento tecnológico tem suas especificidades e é dependente de habilidades técnicas.

Os primeiros estudos sobre a abordagem CTS no ensino de ciências tiveram início no Brasil na década de 1990 (SANTOS, 2010). Em trabalho anterior, rea­lizamos uma breve revisão de publicações em cinco periódicos nacionais de Qualis da Capes entre A e B, considerando o período de 2013 a 2018, e mapea­mos artigos nos quais constavam a sigla CTS em seus títulos. Do conjunto de vinte e três artigos mapeados, encontramos trabalhos sobre a abordagem CTS com objetos de estudos diversificados, como, por exem­plo: concepções docentes de ciência, tecnologia e sociedade (TORO-BAQUERO, 2014); diretrizes curriculares e relações CTS (ROEHRIG, CAMARGO, 2014; ROSO, AULER, 2016); materiais ou recursos didáticos na perspectiva CTS (BARBOSA, BAZZO, 2013; SILVA, MARCONDES, 2015; OLIVEIRA et al., 2018; VIECHENESKI, SILVEIRA, CARLETTO, 2018; ); saberes populares e o enfoque CTS (ZANOTO, SIL­VEIRA, SAUER, 2016); relações CTS a partir de Marx (CARVALHO, ZANIN, SHIMBO, 2017); sequências/ propostas didáticas na perspectiva CTS (OLIVEIRA, RECENA, 2014; BUFFOLO, RODRIGUES, 2015; CAVALCANTI, RIBEIRO, BARRO, 2018; SOUZA, AMAURO, FERNANDES-SOBRINHO, 2018; FER­REIRA et al., 2018); mapeamento de trabalhos sobre CTS (CHRISPINO et al., 2013; FREITAS, GHEDIN, 2015); alfabetização científica e tecnológica a partir da abordagem CTS (FABRI, SILVEIRA, 2013); mode­los tecnocráticos em práticas educativas CTS (ROSA, AULER, 2016); formação continuada de professores de ciências e a educação CTS (STRIEDER, KAWA­MURA, 2017; MILLI, ALMEIDA, GEHLENA, 2018); formação inicial e a abordagem CTS (ROSO et al., 2015); ensino de gênero e sexualidade e a perspec­tiva CTS (LIMA, SIQUEIRA, 2013); concepção dis­centes de tecnologia na abordagem CTS (OLIVEIRA, GUIMARÃES, LORENZETT, 2016).

Entretanto, dentro deste conjunto de artigos, iden­tificamos apenas um trabalho referente a tecnologia na abordagem CTS, o de OLIVEIRA, GUIMARÃES, LORENZETT (2016). Neste trabalho, os autores ana­lisaram concepções de tecnologia apresentadas por alunos do Ensino Médio durante uma intervenção didático-pedagógica com enfoque CTS em uma escola da rede pública de ensino da região metro­politana de Curitiba-PR e concluíram que os alunos têm diferentes compreensões acerca da tecnologia e do como ela influencia e é influenciada pela socie­dade. Portanto, trabalhos cujo objeto de estudo seja a natureza da tecnologia inerente a esta abordagem de ensino ainda são incipientes no Brasil. Neste sentido, consideramos que a ausência deste tipo de discussão pode contribuir para o desenvolvimento de uma prática docente que assume a tecnologia com uma compreensão incoerente à esperada para a abordagem CTS no ensino de ciências. Adicio­nalmente, a palavra tecnologia tem sido bastante disseminada em nossa sociedade contemporânea, contudo esta disseminação não tem garantido, por exemplo, uma melhor compreensão do seu sentido e “uma competência para emitir opiniões racionais fundamentadas sobre aspectos tecnológicos que nos afetam a todos” (SANTOS, 1999 p. 87).

Portanto, neste estudo buscamos respostas para o seguinte questionamento: de que tecnologia estamos falando quando adotamos a abordagem CTS no ensino de ciências? Mas, especificamente, questionamos: o que é tecnologia?; é artefato/produ­to?; é um modo específico de conhecimento?; se sim, quais aspectos estão envolvidos na produção deste conhecimento?; é uma atividade humana?; quais são as dimensões da tecnologia?; qual a natureza da tecnologia?. E nesta direção, quais implicações para a prática docente ao adotar a abordagem CTS considerando a natureza da tecnologia?

Buscando respostas para estas questões, pers­pectivas históricas ou filosóficas, por exemplo, po­deriam nortear nossa discussão. Contudo, optamos por caracterizar a natureza da tecnologia a partir de uma perspectiva filosófica, considerando que “quando dirigimos a nossa reflexão filosófica para qualquer assunto, descobrimos que é ocasião de formular questões que dizem respeito às diversas áreas tradicionais da filosofia”, como, por exemplo, formular questões ontológicas, epistemológicas e axiológicas (CUPANI, 2016 p. 23). Portanto, é a partir de uma reflexão do ponto de vista da filosofia da tecnologia que buscaremos responder às questões postas neste estudo. 

1. A tecnologia sob a perspectiva filosófica

A natureza da tecnologia é complexa. E esta com­plexidade é percebida, por exemplo, considerando as diferentes compreensões de tecnologia postas na literatura (CUPANI, 2016 p. 15-16):

[...] “Fabricação e uso de artefatos” (MITCHAM, 1994); “uma forma de conhecimento humano” en­dereçada a “criar uma realidade conforme nossos propósitos” (SKOLIMOWSKI, 1983); “conhecimento que funciona, knowhow” (JARVIE, 1983); “imple­mentações práticas da inteligência” (FERRÉ, 1995); “a humanidade trabalhando [at work]” (PITT, 2000); colocação da Natureza à disposição do homem como recurso (HEIDEGGER, 1997); “o campo de conheci­mento relativo ao projeto de artefatos e à planificação da sua realização, operação, ajustamento, manuten­ção e monitoramento, à luz de conhecimento cien­tífico” (BUNGE, 1985c); o modo de vida próprio da Modernidade (BORGMANN, 1984); “a totalidade dos métodos a que se chega racionalmente e que têm eficiência absoluta (para um dado estágio do desen­volvimento) em todo campo de atividade humana” (ELLUL, 1964, grifo do autor); “a estrutura material da Modernidade” (FEENBERG, 2002). (aspas do autor)

Segundo CUPANI (2016), MITCHAM (1994) dis­tingue quatro manifestações ou dimensões da tec­nologia: artefato; modo de conhecimento; tipo de atividade humana; e como volição. Neste sentido, tomamos por base estas dimensões para discorrer­mos sobre a natureza da tecnologia.

a. Tecnologia como artefato

Uma das manifestações da tecnologia é, antes de tudo, relacioná-la aos produtos/artefatos, conside­rados como “todos os artefatos materiais fabricados pelo homem cuja função depende de uma específi­ca materialidade enquanto tal” (MITCHAM, 1994, apud CUPANI, 2016 p. 16). Nesta direção, podemos dizer que “a tecnologia é uma atividade endereçada à produção de algo novo, e não à descoberta de algo existente” (CUPANI, 2016 p. 171).

Tomamos o termo artefato como objetos ou pro­cessos artificiais (CUPANI, 2016). Desta forma:

Ambas as palavras: artefato e artificiais denotam o que foi produzido conforme uma ‘arte’, um saber-fazer que implica regras de procedimento. A palavra arte é o equivalente latino do termo grego techne, que desig­nava uma habilidade envolvendo um saber específico, [...]. O artefato[...] resulta ser, literalmente, ‘aquilo feito com arte’. (CUPANI, 2016 p. 14) (aspas do autor)

Por conseguinte, a produção e o uso de artefatos, segundo CUPANI (2016 p. 18), “implicam maneiras específicas de conhecer o mundo material”, as quais têm características próprias. 

b. Tecnologia como modo de conhecimento

Etimologicamente, a palavra tecnologia é uma de­rivação da expressão grega techne, indicando que ela se refere um tipo de conhecimento, ao tempo em que é o logos da técnica (GONZALÉZ, 2005). Nesta direção, “a tecnologia é um modo específico de conhecimento e, previamente, um modo especí­fico de resolver determinados problemas cognitivos” (CUPANI, 2016 p. 183). Portanto, o conhecimento tecnológico é prescritivo à medida que visa a pro­dução de algo novo em função “de um determinado propósito humano, um objeto (artefato) com proprie­dades desejadas, idealizado e fabricado conforme um projeto (design)” e busca resolver problemas relativos à factibilidade, à confiabilidade e à efici­ência dos inventos, à relação custo-benefício etc. (CUPANI, 2016 p. 171).

VICENT (1990 apud CUPANI, 2016 p. 176) pro­põe categorias para o conhecimento tecnológico e para atividades geradoras deste conhecimento. Quanto ao conhecimento tecnológico as catego­rias são relativas aos: conceitos fundamentais que definem o design; critérios e especificações que condicionam “metas específicas e quantitativas, tecnicamente definidas”; conceitos teóricos; da­dos quantitativos prescritivos que estabelecem os critérios a serem atendidos; saberes “provenientes da experiência profissional”; e procedimentos para projetar, “como a otimização, modos de pensar que se mostraram eficazes e, sobretudo, habilidade para julgar”. Quanto às atividades geradoras do conhe­cimento tecnológico, as categorias propostas são: a transferência de conhecimentos científicos para o fazer tecnológico, adaptando-os; a criação de noções; a pesquisa teórica direcionada ao projeto; a pesquisa experimental; a prática de projetar nas quais são revelados problemas e necessidades esti­mulando a busca pelo conhecimento; a produção do artefato que pode indicar problemas que necessitam de novos conhecimentos; e o uso do artefato que pode revelar aspectos que precisam ser melhorados.

É neste contexto das atividades geradoras do co­nhecimento tecnológico que destacamos a relação da tecnologia com a ciência. Segundo SANTOS (1999), existem diferentes abordagens desta relação: abordagens idealistas que consideram a tecnologia como ciência aplicada; abordagens materialista considerando a tecnologia precedente da ciência; e as abordagens interacionistas para as quais a rela­ção ciência-tecnologia é simbiótica. Nesta direção, assumimos neste estudo a perspectiva interacionista da relação ciência-tecnologia considerando que:

Os esforços de uma são necessários à outra. Cientistas e tecnólogos são grupos de pessoas que aprendem uns com os outros, de modos mutuamente benéficos, quer os seus trabalhos se desenvolvam sin­crônica quer diacronicamente. É da interação social entre cientistas e tecnólogos que se geram inovações. Na realidade, os conhecimentos e as competências da ciência servem frequentemente, mas não exclu­sivamente, de instrumentos intelectuais à tecnologia bem como os da tecnologia servem de instrumentos materiais à ciência. (SANTOS, 1999 p. 147)

Portanto, a partir das discussões sobre a tecno-logia como modo de conhecimento, entendemos que ela não se reduz à ciência aplicada, dado que “a produção e o uso de artefatos implicam maneiras específicas de conhecer o mundo material, maneiras essas que, parcialmente, incorporam o saber cien­tífico, mas que possuem igualmente características próprias” (CUPANI, 2016 p. 18). 

c. Tecnologia como atividade humana

A tecnologia é uma atividade social que se desenvol­ve intersubjetivamente para transformar a realidade natural ou social (GONZÁLEZ, 2005). A dimensão social da tecnologia, segundo GONZALÉZ (2005), permeia os principais estágios da saber tecnológi­co. Isso porque: este saber leva em conta, além de conhecimentos científicos e tecnológicos, valores sociais (envolvendo os usuários do produto) e eco­nômicos (o potencial de rentabilidade do artefato) que interferem no design; o processo tecnológico se desenvolve em empresas organizadas socialmente, considerando valores tais como, culturais, econô­micos, estéticos, etc., e institucionalmente; o pro-duto/artefato tecnológico é produzido e usado pela sociedade e “tem um uma avaliação econômica no mercado”. Adicionalmente, “os critérios da socieda­de têm uma influência considerável na promoção de algum tipo de inovação (com suas patentes) ou de uma tecnologia alternativa (um novo design, proces­so e produto)” (GONZALÉZ, 2005 p. 28) (tradução nossa). Em outras palavras, em diferentes níveis, a sociedade pode se constituir como um dos motores da tecnologia, bem como, a tecnologia pode fun­cionar como motor da sociedade (SANTOS, 2002).

É nesta perspectiva que se constitui a relação tecnologia-sociedade, dado que “não é suficiente que o produto ‘funcione’ [...], tem ainda de satisfazer uma gama de outras condições de natureza social que podem incluir impacto ambiental, custo, prefe­rências, estéticas, valores, exigências ergonômicas, extensão de mercado [...]” (SANTOS, 1999 p. 161). Portanto, podemos considerar a tecnologia “como uma tentativa de direcionar uma atividade humana para obter um domínio criativo e transformador da­quela realidade - natural ou humana e social - sobre a qual ela está trabalhando” (GONZALÉZ, 2005 p. 12). (tradução nossa). 

d. Tecnologia como volição

Esta manifestação refere-se às atitudes ou propósitos do homem em sua relação com a realidade (CUPA­NI, 2016). Nesta direção, por exemplo:

[...] a máquina e as trucagens técnicas a ela asso­ciadas são, hoje, a chave de muitos sonhos. Por um efeito regressivo, à medida que a técnica vai permi­tindo sonhos, vai-os reforçando. A sociedade atual, muitas vezes com base na publicidade, espera da ci­ência e da técnicas que salvaguardem as suas ilusões, que a façam viver de sonhos. (SANTOS, 1999 p. 171)

Nesta perspectiva, o aspecto volitivo é, dos mo­dos de manifestação da tecnologia, o mais subjetivo: “a maneira única como a motivação da pessoa se conecta com a produção, o uso e o conhecimento dos artefatos” (CUPANI, 2016 p. 22), ou seja, diz respeito às diferentes formas de se relacionar com a tecnologia. Neste sentido, diferentes maneiras podem ser consideradas, como, por exemplo, “como vontade de sobreviver, como vontade de controle ou poder, como vontade de liberdade, como pro­cura de eficiência, como afã de realizar um ideal humano...” (CUPANI, 2016 p. 22). Neste contexto, esta dimensão da tecnologia parece ter relação com a questão da consciência tecnológica necessária, para, por exemplo, fazer com que os cidadãos se relacionem com a tecnologia “resistindo aos seus efeitos negativos e aproveitando o seu papel social positivo” (SANTOS, 1999 p. 173). Por conseguinte, “considerar a tecnologia como volição aponta assim para a necessidade de uma análise ética da tecnolo­gia” (MITCHAM, 1994 apud CUPANI, 2016 p. 22).

À luz das discussões sobre as diferentes manifes­tações da tecnologia, temos neste estudo o objetivo de caracterizar, do ponto de vista filosófico, a tec­nologia na abordagem CTS no ensino de ciências visando contribuir tanto com discussões sobre a natureza da tecnologia, quanto com discussões que direcionem uma prática docente coerente com esta abordagem de ensino. 

2. Metodologia

Para este estudo seguimos uma abordagem qualita­tiva e descritiva dos dados ao considerarmos que, segundo DENZIN, LINCOLN (2006), buscamos pela interpretação dos fatos no sentido de entender seus significados, sem interferir neles.

Para o atendimento do objetivo deste estudo, isto é, caracterizar, do ponto de vista filosófico, a tecnologia na abordagem CTS de ensino de ciên­cias, analisamos uma proposta de organização de conteúdos para este tipo de abordagem. A proposta em tela foi elaborada por um grupo de professores de ciências da natureza quando cursavam, no se­gundo período de 2016, uma disciplina optativa que discute a abordagem CTS no ensino de ciências em um Programa de Pós-Graduação de uma instituição pública de ensino superior brasileiro.

Naquela ocasião, após discussão em sala de aula sobre pressupostos teóricos e metodológicos desta abordagem, os sete professores de ciências da natureza foram solicitados, em grupos, a elaborarem, no computador no programa power point, propos­tas de organização de conteúdos para abordagem CTS. Para a elaboração das propostas foi sugerido a sequência de conteúdos proposta por EIJKELHOF, KORTLAND (1987 apud AIKENHEAD, 2009 p. 31) constituída por: “conteúdo social; conteúdo tec­nológico; conteúdo científico canônico; conteúdo tecnológico avançado; conteúdo social avançado”. Este modelo, segundo AIKENHEAD (2009), busca a integração do conteúdo CTS e o conteúdo cien­tífico canônico, assegurando a contextualização deste último de forma relevante para os alunos. Nesta direção, ao adotarmos a abordagem CTS, podemos organizar os conteúdos da seguinte forma: inicialmente, discutir uma questão social (conteúdo social) e tecnologias a ela relacionadas (conteúdo tecnológico) que gere a necessidade da aprendiza­gem de conceitos e práticas científicas (conteúdo científico); e em seguida, aprofundar as discussões sobre as tecnologias possibilitando uma maior com­preensão das mesmas (tecnologia avançada), e re­tomar a questão social inicial com vistas à tomada de decisão (conteúdo social avançado).

Foram elaboradas três propostas pelos grupos de professores, das quais selecionamos a proposta ilustrada a seguir (Figura 1), considerando que esta atendeu a todas as etapas da sequência de conteú­dos discutida anteriormente.

Fonte: elaboração de um grupo de mestrandos.

Na proposta de organização de conteúdos para a abordagem CTS ilustrada na figura 1, observamos que o grupo de professores de ciências da natureza optou pela questão social do derramamento de lama tóxica nos rios, e este derramamento foi por eles associado à mortalidade de peixes, desestruturação da cadeia alimentar e contaminação do ambiente (conteúdo social). Relacionada à questão social, as práticas tecnológicas selecionadas foram: detecção de metais pesados, barreiras de contenção da lama e monitoramento da água (conteúdo tecnológico). Visando a compreensão da questão social e das práticas tecnológicas, os professores definiram como conteúdos científicos elementos químicos, tabela periódica, metais pesados e suas propriedades, pH, teia alimentar, ciclos biogeoquímicos, efeito de bor­da EIA/RIMA (conteúdo científico). Após a apren­dizagem dos respectivos conteúdos científicos, as práticas tecnológicas seriam rediscutidas (conteúdo tecnológico avançado) para tomada de decisão sobre práticas de recuperação do rio e impactos econô­micos-pesca (conteúdo social avançado).

Na condução deste estudo seguimos dois pro­cedimentos metodológicos: inicialmente, descre­vemos a proposta de organização de conteúdos na abordagem CTS ilustrada na figura 1 a partir das três dimensões inerentes à abordagem CTS – Ciência, Tecnologia e Sociedade –; e, posteriormente, anali­samos a respectiva proposta buscando caracterizar, do ponto de vista filosófico, a tecnologia na aborda­gem CTS. Para a análise da proposta de organização de conteúdos para a abordagem CTS, adotamos como categorias analíticas quatro dimensões da tecnologia: artefato, modo de conhecimento, tipo de atividade humana e volição (MITCHAM, 1994 apud CUPANI, 2016). 

3. Resultados e discussão

Inicialmente, descrevemos a proposta de organi­zação de conteúdos em tela considerando as três dimensões da abordagem CTS - Ciência, Tecnologia e Sociedade. Nesta direção, quanto à dimensão Sociedade, o derramamento de lama tóxica com a presença de metais pesados nos rios, como, por exemplo, o mercúrio, se constitui como uma pro­blemática sócio-ambiental-econômica. Social, con­siderando, por exemplo, que “o metilmercúrio é uma toxina mais potente do que os sais de Hg2+, porque é solúvel em tecidos gordurosos de animais, bioacumula e biomagnifica, [...] podendo quando ingerido, “atravessar a barreira sangue-cérebro e a barreira da placenta humana (BAIRD, CANN, 2011 p. 695) e ocasionar diversos problemas de saúde. O metilmercúrio, sendo uma toxina solúvel em teci­dos gordurosos, tem seus principais efeitos tóxicos no sistema nervoso central (BAIRD, CANN, 2011). Ambiental, à medida que desestrutura a cadeia ali­mentar. E econômica, considerando os impactos econômicos nas atividades dos pescadores da região devido à mortalidade de peixes. Isso porque, pela a ação de bactérias anaeróbicas o mercúrio inorgânico é convertido em mercúrio orgânico e, desta forma, pequenos animais aquáticos consomem mercúrio orgânico. Ao longo da cadeia alimentar, animais aquáticos de pequeno porte são consumidos por animais aquáticos maiores. Portanto, “à medida que o elemento move-se para cima na cadeia alimentar desde os micróbios até o camarão e o peixe [...], o mercúrio torna-se cada vez mais concentrado” (SKOOG et al, 2008 p. 822). É nesta perspectiva que grande parte do metilmercúrio presente no organismo humano é decorrente de peixes usados na alimentação (BAID, CANN, 2011).

Quanto à dimensão Tecnologia, a detecção de metais pesados, as barreiras de contenção da lama e o monitoramento da água foram mencionadas pelo grupo de professores como práticas tecnológicas. A detecção de metais pesados, por exemplo, pode contribuir para o monitoramento das águas com vistas à recuperação das águas do rio contaminado pela lama tóxica. A detecção de metais pode ser realizada por meio de diferentes técnicas. Segundo SKOOG et al (2008 p. 796), “traços de metais em água contaminadas são frequentemente determina­dos por meio de uma técnica multielementar como a espectroscopia de massas com plasma acoplado indutivamente ou a espectroscopia de emissão atô­mica em plasma acoplado indutivamente”.  

Para discussão neste texto, iremos considerar a espectroscopia de absorção atômica em chama (EAA) visto que “é coerentemente o método atômico mais empregado [...] em razão de sua simplicidade, efetividade e custo relativamente baixo” (SKOOG et al, 2008 p. 814), embora tenha como limitação o fato de precisar de lâmpadas diferentes para cada analito, ou seja, sua característica monoelementar. 

Ainda de acordo com SKOOG et al (2008), esta técnica foi introduzida em 1955, mas o primeiro es­pectrômetro foi comercializado em 1959 devido aos problemas relativos às larguras das linhas de absor­ção atômica que eram muito estreitas. Neste sentido, com o uso de fontes de radiação que “emitem não somente uma linha com o mesmo comprimento de onda selecionado para a medida de absorção, mas também uma linha que é mais estreita” (SKOOG et al, 2008 p. 814) (grifo do autor), o problema criado pelas linhas de absorção estreitas foi contornado.

A espectroscopia de absorção atômica em chama “envolve a quantificação da energia absorvida de uma fonte de radiação incidente para a promoção de elétrons de elementos no estado fundamental, sendo que a quantidade de luz absorvida é proporcional ao número de átomos, em seu es­tado fundamental, presentes na  chama” (SKOOG et al., 2006 apud LEMES, SILVA, VARGEM, 2017 p. 
117). Segundo SKOOG et al (2008 p. 822-823), o método de absorção atômica da radiação de 253,7 nm pelo mercúrio, por exemplo, é um dos métodos analíticos mais úteis no monitoramento de águas.

O método de absorção atômica da radia­ção de 253,7 nm pelo mercúrio tem o seguinte funcionamento:

uma amostra suspeita de conter mercúrio é de­composta a quente em um mistura de ácidos nítrico e sulfúrico, a qual converte o mercúrio ao estado +2. Os compostos de Hg(II) são reduzidos ao metal com uma mistura de sulfato de hidroxilamina e sulfato de estanho (II). O ar é então bombeado através da solução para carregar o vapor resultante contendo mercúrio por um tubo de secagem e para a célula de medida. O vapor de água é retido por Drierite em um tubo de secagem de forma que somente o mercúrio e o ar passam através da célula. O mono­cromador de espectrofotômetro de absorção atômica é sintonizado em um banda próxima a 254 nm. A radiação da linha de uma lâmpada de cátodo oco de mercúrio de 253,7 nm passa através das janelas de quartzo da célula medida, a qual é colocada no caminho óptico do instrumento. A absorvância é diretamente proporcional à concentração de mer­cúrio na amostra. As soluções de concentrações de mercúrio são tratadas de forma similar com a fina­lidade de calibração do instrumento. [...]. (SKOOG et al, 2008 p. 822-823)

É neste contexto que a espectroscopia de absor­ção atômica por chama se configurou como uma das técnicas analíticas discutidas neste trabalho para a detecção de metais pesados com vistas ao monito­ramento das águas do rio contaminado pela lama tóxica. Isso porque o método baseado na absorção atômica da radiação de 253,7 nm pelo mercúrio, por exemplo, é “empregado para se determinar mercúrio em alimentos, metais, minérios e amostras ambientais” tendo como uma de suas vantagens, sensibilidade de cerca de 1 ppb, simplicidade do método, e condições de operação à temperatura ambiente (SKOOG et al, 2008 p. 823). 

Quanto à dimensão Ciência, a partir da proposta de organização de conteúdos na abordagem CTS elaborada pelos professores, podemos considerar que a toxidade da lama em rios é decorrente, por exemplo, da presença de metais pesados. Os me­tais pesados são elementos químicos localizados próximos ao meio e topo da tabela periódica, têm densidades altas quando comparadas aos materiais comuns e são considerados venenosos para os seres humanos (BAIRD, CANN, 2011). O mercúrio, por exemplo, é um metal pesado, cuja forma inorgânica mais recorrente é Hg+2. Quando ocorre a deposição destes cátions em sedimentos lamacentos de águas naturais, pode ocorrer a formação do dimetilmer­cúrio, “especialmente sob condições anaeróbicas, quando as bactérias anaeróbicas e microrganismos convertem Hg+2 para Hg(CH3)2” (BAIRD, CANN, 2011 p. 694).

Adicionalmente, as águas ácidas ou neutras, aquelas que possuem, respectivamente, pH menor que 7 e pH igual a 7, favorecem o aumento da solu­bilidade do mercúrio e da velocidade da metilação do mercúrio, e isto pode propiciar a formação do metilmercúrio em detrimento da formação do di­metilmercúrio. Por conseguinte, a “acidificação de águas naturais indiretamente aumenta a exposição de peixes predadores ao metilmercúrio” (BAIRD, CANN, 2011 p. 696).  Os ácidos, em solução aquosa produzem íons H3O+, e neste sentido, a concentra­ção desses íons é expressa pelo pH, ou seja, o pH de uma solução é o negativo do logaritmo da con­centração de íon hidrônio (ATKINS, JONES, 2006).

Concluída a descrição da proposta de organização de conteúdos para a abordagem CTS ilustrada na figu­ra 1, buscamos responder à questão norteadora deste estudo: de que tecnologia estamos falando quando adotamos a abordagem CTS de ensino de ciências?

Nesta direção, para responder esta questão, bus­camos caracterizar, do ponto de vista filosófico, a tecnologia na abordagem CTS considerando as quatro manifestações ou dimensões da tecnolo­gia propostas por MITCHAM (1994 apud CUPANI, 2016): artefato/produto; modo de conhecimento; atividade humana; e volição.

Quanto à manifestação da tecnologia como ar­tefato/produto, temos neste estudo, por exemplo, o espectrômetro de absorção atômica em chama. Este tipo de espectrômetro é “um instrumento espectros­cópico que utiliza um monocromador ou um policro­mador juntamente com um transdutor para converter as intensidades radiantes em sinais elétricos” cuja finalidade é permitir a identificação de medidas de absorção (SKOOG et al, 2008 p. 729). Adicionalmen­te, para além do artefato propriamente dito, parece relevante compreendermos o espectrômetro de ab­sorção atômica em chama como produto da atividade tecnológica que foi planejado e desenhado para uma finalidade específica, a qual envolve conhecimentos científicos e conhecimentos tecnológicos, etapas e procedimentos para sua produção.

Quanto à manifestação da tecnologia como um modo de conhecimento, destacamos neste estudo que a espectrometria de absorção atômica por cha­ma, enquanto método analítico, mobiliza conheci­mentos científicos como, por exemplo, atomização, “processo no qual a amostra é volatilizada e de­composta de forma que produza uma fase gasosa de átomos e íons” (SKOOG et al, 2006 p. 798), e mobiliza conhecimentos tecnológicos relativos ao processo de produção do espectrômetro e aos procedimentos de uso deste artefato, ou seja, ao manuseio do espectrômetro. Nestes dois aspectos, os conhecimentos tecnológicos são relativos, por exemplo, às características dos atomizadores, aos tipos de chamas empregadas, aos tipos de lâmpadas como fontes de radiação e às técnicas para evitar ao máximo as interferências.

Em outras palavras, os conhecimentos tecno­lógicos relativos à produção do espectrômetro e à técnica da espectrometria de absorção atômica por chama envolvem, por exemplo: conceitos fun­damentais relativos aos componentes básicos dos instrumentos analíticos para a espectrometria de ab­sorção atômica em chama – fonte de energia radian­te, o seletor de comprimento de onda, cubetas para conter a amostra, detector de radiação, e unidade de processamento e leitura do sinal (SKOOG et al, 2006) –, que definem o design do espectrômetro; e saberes provenientes da experiência, relativos, por exemplo, à informação de que as cubetas de melhor qualidade “têm janelas que são perpendiculares à direção do feixe de forma que minimize as perdas por reflexão” (SKOOG et al, 2006 p. 728) e à oti­mização do processo considerando, por exemplo, as interferências físicas, químicas e de ionização do analito (SKOOG et al, 2006).

A manifestação da tecnologia como um tipo de atividade humana, ou seja, um tipo de atividade so­cial, é evidenciada à medida que ela se desenvolve intersubjetivamente para transformar a realidade natural ou social (GONZÁLEZ, 2005). No caso deste estudo, a dimensão social relativa à técnica da es­pectrometria de absorção atômica de chama pode ser destacada, considerando, segundo GONZÁLEZ (2005): valores sociais e econômicos relativos, por exemplo, às empresas usuárias deste equipamento e aos critérios de rentabilidade que são considerados na produção do espectrômetro de absorção atômi­ca por chama, os quais impactam no design deste artefato; a espectrometria de absorção atômica por chama, enquanto um dos métodos analíticos de determinação qualitativa e quantitativa de espécies atômicas, é realizada em laboratórios de pesquisa ou industriais de esferas públicas ou privadas, as quais têm uma estrutura organizacional e institucional; e o resultado da atividade tecnológica relativo tanto à produção do espectrômetro de absorção atômica por chama como às informações obtidas por meio deste artefato. Neste segundo aspecto, destacamos que tais informações têm implicações sociais, dentre as quais no caso da proposta analisada, uma das implicações se refere à identificação da quantidade de mercúrio nas águas do rio poluído pelo derrama­mento da lama tóxica. Adicionalmente, a dimensão social da atividade tecnológica evidencia-se dado que “os critérios da sociedade têm uma influência considerável na promoção de algum tipo de ino­vação (com suas patentes) ou de uma tecnologia alternativa (um novo design, processo e produto)” (GONZALÉZ, 2005 p. 28) (tradução nossa).

Um outro aspecto da atividade tecnológica como atividade humana é o fato desta atividade não só gerar artefatos, mas gerar conhecimento tecnológico. No caso deste estudo, e tomando por base as ideias de VICENT (1990 apud CUPANI, 2016), o conheci­mento tecnológico é gerado, por exemplo, quando: conhecimentos científicos relativos à produção e ao manuseio com o espectrômetro de absorção atômi­ca em chama são transferidos e adaptados para o que se propõe; pesquisas teóricas e experimentais sobre, por exemplo, o design do espectrômetro e o seu funcionamento, são desenvolvidas; problemas relativos à produção do espectrômetro são identi­ficados; se desenvolve melhorias sobre aspectos identificados no uso do espectrômetro.

Quanto a volição como uma das dimensões da tecnologia, um aspecto a ser considerado são as formas como as práticas tecnológicas podem ser concebidas do ponto de vista da sociedade, mais especificamente, do ponto de vista da questão so­cial do derramamento de lama tóxica nos rios que causou a mortalidade de peixes, a desestruturação da cadeia alimentar, a contaminação do ambiente e impactos econômicos na pesca no local. De modo mais específico, discussões sobre a relação custo/ benefício entre tais práticas tecnológicas e a recu­peração da água do rio contaminado, ou sobre os problemas éticos, econômicos e políticos suscitados pelas práticas tecnológicas, as quais no caso do nos-so estudo, foram a detecção de metais pesados, as barreiras de contenção da lama e o monitoramento da água, podem ser desenvolvidas.

As análises empreendidas sobre a espectrometria de absorção atômica por chama, método analítico para a medição de traços de metais pesados em águas contaminadas, a partir das quatro dimensões da tecnologia propostas por MITCHAM (1994 apud CUPANI, 2016), contribuíram para caracterizar­mos, do ponto de vista filosófico, a tecnologia na abordagem CTS. Por conseguinte, podemos dizer que, quando adotamos a abordagem CTS em nossa prática docente, estamos falando da tecnologia que se manifesta:

• como artefato/produto fabricado pelo homem com uma função definida, os quais vão desde artefatos físicos, como, por exemplo, aos artefa­tos que se constituem como instrumentos para a ação (MITCHAM, 1994 apud CUPANI, 2016).

• como um tipo de conhecimento específico, que incorpora parcialmente o conhecimento cientí­fico estabelecendo uma relação simbiótica com a ciência (C-T) (SANTOS, 1999), mas que tem características próprias no que diz respeito aos conhecimentos necessários à produção e ao manuseio dos artefatos (CUPANI, 2016). 

• como atividade humana à medida que a tecno-logia: é desenvolvida intersubjetivamente para transformar a realidade natural ou social; con­sidera aspectos sociais e econômicos relativos, por exemplo, às empresas usuárias e aos critérios de rentabilidade; é realizada em laboratórios de pesquisa ou industriais de esferas públicas ou privadas, com estrutura organizacional e institucional; tem seus resultados relativos à produção e às informações obtidas por meio do uso de seus artefatos têm implicações sociais; e é influenciada pela demanda da sociedade (CUPANI, 2016); 

• como volição, considerando que esta dimen­são da tecnologia está voltada para questões sobre a autonomia das práticas tecnológicas bem como para questões relativas às maneiras subjetivas dos indivíduos se relacionarem com a tecnologia. 

É na perspectiva da compreensão da natureza da tecnologia, um dos objetivos da abordagem CTS de ensino de ciências e uma das condições da al­fabetização científica e tecnológica dos mesmos (ALONSO, 2010), que algumas expectativas podem ser propostas para a prática docente ao adotar a abordagem CTS de ensino de ciências. Nesta dire­ção, enquanto professores de ciências, ao adotarmos esta abordagem em nossa prática docente, no que se refere à tecnologia, parece desejável: 

• considerarmos os artefatos/produtos tecnológi­cos, como, por exemplo, o espectrômetro de absorção atômica em chama, abordando os fins para os quais foram produzidos, ou seja, permitir a identificação de medidas de absorção (SKOOG et al, 2008), bem como seu manuseio e funcionamento.

• discutirmos a tecnologia, como, por exemplo, a espectrometria de absorção atômica por chama, como modo de conhecimento específico com características próprias, que mobiliza conheci­mentos científicos, estabelecendo uma relação simbiótica com a ciência, e tecnológicos rela­tivos, por exemplo, ao processo de produção do espectrômetro e aos procedimentos de uso, visando desmistificar concepções equivocadas sobre a tecnologia, mais especificamente, a ideia de tecnologia como ciência aplicada. 

• caracterizar a tecnologia como atividade hu­mana que busca transformar a realidade (na­tural e social) estabelecendo relações com a sociedade, visto que a sociedade pode se constituir como um dos motores da tecnologia, bem como, a tecnologia pode funcionar como motor da sociedade (SANTOS, 2002), e gera conhecimento tecnológico sobre, por exemplo, melhorias de aspectos identificados no uso do espectrômetro. 

• considerarmos a dimensão volitiva da tecnolo­gia, no sentido de contribuir para o desenvol­vimento de uma consciência tecnológica pelos estudantes, sobre, por exemplo, a relação custo/ benefício e a importância da espectrometria de absorção atômica por chama na detecção de metais pesados na recuperação da água do rio contaminado, fazendo-os apreender a se rela­cionar com a tecnologia “resistindo aos seus efeitos negativos e aproveitando o seu papel social positivo” (SANTOS, 1999 p. 173). 

Em outras palavras, podemos dizer que quando o professor de ciências trabalha estas dimensões da tecnologia no contexto de uma abordagem CTS em sua prática docente, pode contribuir para:

• a alfabetização científica e tecnológica dos estudantes na perspectiva da formação para a cidadania, ou seja, para a leitura do mundo marcado culturalmente científico e tecnológico (MARCO-STIEFEL, 2002);

• dar condições aos estudantes para: lidarem com desafios tecnológicos postos pela sociedade em constante mudança; agirem a partir da compre­ensão de como o sistema tecnológico funciona; tomarem decisões considerando seus conheci­mentos e valores sobre a tecnologia (AIKENHE­AD, 2009); 

• desenvolver nos estudantes o exercício da parti­cipação de tomada de decisão sobre aplicações e implicações do desenvolvimento científico e tecnológico (MEMBIELA, 2002); 

• desenvolver uma prática docente mais coerente com a abordagem CTS no que se refere à dimen­são Tecnologia, ao discutir suas diferentes manifes­tações e questionar, por exemplo, “[...] os dilemas éticos de algumas tecnologias, [...]”, bem como, as interações que a tecnologia estabelece com a ciência e com a sociedade (SANTOS, 2010 p. 89). 

Contudo, para o professor de ciências, ao adotar a abordagem CTS em sua prática docente, atender aos aspectos desejáveis relativos às diferentes dimensões da tecnologia, as discussões e reflexões sobre seu paradigma de tecnologia se constituem como uma das condições deste processo. Isso porque, “depois que se conhecem as regras do jogo, já não se pode jogar ingenuamente” (VASCONCELOS, 2013 p. 163). 

4. Considerações finais

Neste estudo temos como objetivo caracterizar, do ponto de vista filosófico, a tecnologia na abordagem CTS no ensino de ciências visando contribuir tan­to com discussões sobre a natureza da tecnologia, quanto com discussões que direcionem uma prática docente coerente com esta abordagem de ensino. A nossa hipótese considerou que a tecnologia nes­ta abordagem de ensino, não pode ser reduzida a ideia de ciência aplicada.

A partir das análises realizadas neste estudo, podemos dizer que quando adotamos a abordagem CTS em nossa prática docente, estamos falando de uma tecnologia que se manifesta: como artefato/ produto fabricado pelo homem com uma função definida; como um tipo de conhecimento específico, que incorpora parcialmente o conhecimento cien­tífico estabelecendo uma relação simbiótica com a ciência, tendo características próprias; como ativi­dade humana influenciando e sendo influenciada pela sociedade; e como volição, que envolve ques­tões sobre a autonomia da tecnologia, bem como questões sobre as diversas maneiras dos indivíduos se relacionarem com a tecnologia.

Nesta direção, ao adotar a abordagem CTS, é desejável que o professor de ciências em suas au­las: considere os artefatos/produtos tecnológicos abordando os fins para os quais foram produzidos, bem como seu manuseio e funcionamento; discuta a tecnologia como modo de conhecimento específico com características próprias, mas que se desenvolve em uma relação simbiótica com a ciência; caracteri­ze a tecnologia como atividade humana que busca transformar a realidade (natural e social) estabelecen­do relações com a sociedade em diferentes níveis; e considere a dimensão volitiva da tecnologia, no sentido de contribuir para o desenvolvimento de uma consciência tecnológica pelos estudantes.

Entretanto, a adoção da abordagem CTS de en-sino de ciências na prática docente a partir do que apontamos como desejável, implica uma reflexão sobre o paradigma de tecnologia do professor e, neste sentido, destacamos a relevância de discussões epistemológicas sobre a natureza da tecnologia nos processos de formação de professores de ciências. Pensando em discussões desta natureza, somos le­vados a outro questionamento: de qual sociedade estamos falando quando adotamos a abordagem CTS em nossa prática docente? 


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