Interações discursivas mediadas na aula de ciências

Discursive interactions mediated in the classroom

Interacciones discursivas mediadas en el salón de clases

Autores/as

  • Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil.
  • Luiz Fernando Mackedanz Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
  • Jaqueline Ritter Universidade Federal do Rio Grande, Brasil

Palabras clave:

Language, Science education, Dialogue, Discursive method (en).

Palabras clave:

lenguaje, enseñanza de las ciencias, diálogo, método discursivo (es).

Palabras clave:

linguagem, ensino de ciências, diálogo, método discursivo (pt).

Biografía del autor/a

Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli, Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil.

Doutora em Educação em Ciências, pela Universidade Federal do Rio Grande, Brasil. Professora da educação básica, Técnica em Educação no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil.

Luiz Fernando Mackedanz, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

Doutor em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Professor Associado da Universidade Federal do Rio Grande, no Instituto de Matemática, Estatística e Física.

Jaqueline Ritter, Universidade Federal do Rio Grande, Brasil

Doutora em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande, na Escola de Química e Alimentos.

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Cómo citar

APA

Baquini da Silva Martinelli, N. R., Mackedanz, L. F., y Ritter, J. (2020). Interações discursivas mediadas na aula de ciências. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, 15(1), 28–45. https://doi.org/10.14483/23464712.14167

ACM

[1]
Baquini da Silva Martinelli, N.R. et al. 2020. Interações discursivas mediadas na aula de ciências. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias. 15, 1 (ene. 2020), 28–45. DOI:https://doi.org/10.14483/23464712.14167.

ACS

(1)
Baquini da Silva Martinelli, N. R.; Mackedanz, L. F.; Ritter, J. Interações discursivas mediadas na aula de ciências. Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc. 2020, 15, 28-45.

ABNT

BAQUINI DA SILVA MARTINELLI, Núbia Rosa; MACKEDANZ, Luiz Fernando; RITTER, Jaqueline. Interações discursivas mediadas na aula de ciências. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, [S. l.], v. 15, n. 1, p. 28–45, 2020. DOI: 10.14483/23464712.14167. Disponível em: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/14167. Acesso em: 2 may. 2024.

Chicago

Baquini da Silva Martinelli, Núbia Rosa, Luiz Fernando Mackedanz, y Jaqueline Ritter. 2020. «Interações discursivas mediadas na aula de ciências». Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias 15 (1):28-45. https://doi.org/10.14483/23464712.14167.

Harvard

Baquini da Silva Martinelli, N. R., Mackedanz, L. F. y Ritter, J. (2020) «Interações discursivas mediadas na aula de ciências», Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, 15(1), pp. 28–45. doi: 10.14483/23464712.14167.

IEEE

[1]
N. R. Baquini da Silva Martinelli, L. F. Mackedanz, y J. Ritter, «Interações discursivas mediadas na aula de ciências», Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc., vol. 15, n.º 1, pp. 28–45, ene. 2020.

MLA

Baquini da Silva Martinelli, Núbia Rosa, et al. «Interações discursivas mediadas na aula de ciências». Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, vol. 15, n.º 1, enero de 2020, pp. 28-45, doi:10.14483/23464712.14167.

Turabian

Baquini da Silva Martinelli, Núbia Rosa, Luiz Fernando Mackedanz, y Jaqueline Ritter. «Interações discursivas mediadas na aula de ciências». Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias 15, no. 1 (enero 1, 2020): 28–45. Accedido mayo 2, 2024. https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/14167.

Vancouver

1.
Baquini da Silva Martinelli NR, Mackedanz LF, Ritter J. Interações discursivas mediadas na aula de ciências. Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc. [Internet]. 1 de enero de 2020 [citado 2 de mayo de 2024];15(1):28-45. Disponible en: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/14167

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INTERAÇÕES DISCURSIVAS MEDIADAS NA AULA DE CIÊNCIAS

DISCURSIVEINTERACTIONSMEDIATED IN THE CLASSROOM

INTERACCIONES DISCURSIVAS MEDIADAS EN EL SALÓN DE CLASES

Núbia Rosa Baquini da Silva Martinelli*, Luiz Fernando Mackedanz**, Jaqueline Ritter***

Cómo citar este artículo: Baquini da Silva Martinelli, N.R., Mackedanz, L.F. y Ritter, J. (2020). Interações discursi­vas mediadas na aula de ciências. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, 15(1), 28-45. DOI: http://doi.org/10.14483/23464712.14167

Recibido: 28 de noviembre de 2018; aprobado: 15 de abril de 2019


* Doutora em Educação em Ciências, pela Universidade Federal do Rio Grande, Brasil. Professora da educação básica, Técnica em Educação no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil. Correio eletrônico: nubia.bachini@riogrande.ifrs.edu.br

** Doutor em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Professor Associado da Universidade Federal do Rio Grande, no Instituto de Matemática, Estatística e Física. Correio eletrônico: luismackedanz@furg.br

*** Doutora em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande, na Escola de Química e Alimentos. Correio eletrônico: jaqueline.ritter@furg.br 


Resumo

Neste trabalho, buscamos estudar interações pedagógicas dialógicas e discursivas, que resultam em formação conceitual, durante aulas de Ciências do 9º ano do Ensino Fundamental, no sul do Brasil. O objetivo é demonstrar um modo de desenvolver o componente curricular de Ciências Naturais, superando o ensino instrucional, em favor de um ensino contextualizado, que considera as motivações dos estudantes na relação com as mediações docentes, como possibilidades de aprender e ensinar. Move nossas práxis a questão: por quais “meios” as manifestações dos estudantes em sala de aula podem constituir-se como mediações entre os movimentos de ensi­nar e aprender, para que a aprendizagem possa ocorrer dialógica e dialeticamente? Trata-se de pesquisa-ação, cujo corpo empírico forma-se por filmagens das aulas transcritas e analisadas, segundo a teoria bakhtiniana das “interações discursivas”, na qual a linguagem é fundamentalmente analisada como categoria fundante dos movimentos de ensinar e aprender. Trabalhamos em escolas públicas municipais, partindo da premissa de que o trabalho pedagógico que fomenta a expressão dos estudantes é capaz de gerar movimentos de ensinar e aprender dialógicos, nos quais as interações verbais proporcionam formulações conceituais dos estudantes a partir das mediações docentes. Assim, os temas das enunciações constituem-se em formulações teórico-práticas capazes de gerar interpretações acerca das lógicas de produção científica, por meio dos conceitos científicos e suas manifestações linguísticas sobre o funcionamento das Ciências Naturais, sobre sua natureza e sobre as suas inter-relações com a sociedade.

Palavras-chave: linguagem, ensino de ciências, diálogo, método discursivo. 

Abstract

In this research, we study the dialogic and discursive pedagogical interactions encour­aging conceptual construction in 9th grade science classes at a school in southern Brazil. The main objective is to demonstrate how to develop the curricular component of natural science classes by moving past instructional teaching and instead facilitating contextualized teaching, which considers students’ motivations in relation to teaching through mediation. We base this practice on the following question: through what strategies can students’ activities in class be constituted in mediations that develop processes of teaching and learning in a dialogic and dialectical way? Data collection in this action research was done through video recordings, transcriptions, and analy­ses of classes according to the Bakhtinian theory of discursive interactions, according to which language is a founding category of teaching and learning movements. We worked in municipal public schools under the hypothesis that pedagogical work to stimulate students’ expressions impacts the dialogical movements of teaching and learning, where verbal interactions allow their conceptual formulations through teach­ing as mediation. Thus, the themes about enunciation become theoretical-practical approaches capable of generating interpretations about the logic of science produc­tion, throughout scientific concepts and their linguistic manifestations about the functioning of science, its nature, and its interrelationships with society.

Keywords: Language, Science education, Dialogue, Discursive method.

Resumen

En esta investigación, estudiamos las interacciones pedagógicas dialógicas y discur­sivas que fomentan la construcción conceptual en las clases de ciencias de grado noveno, en un colegio del sur de Brasil. El principal objetivo es demostrar un modo de desarrollar el componente curricular de Ciencias Naturales, superando la enseñanza instructiva y favoreciendo la enseñanza contextualizada, que considera las motivacio­nes de los alumnos en la relación con las mediaciones docentes como posibilidades de aprender y enseñar. Fundamentamos esta práctica en la pregunta: ¿Por cuáles "medios" las manifestaciones de los estudiantes en la clase, pueden constituirse en mediaciones que desarrollan procesos de enseñar y aprender de manera dialógica y dialéctica? Esta fue una investigación-acción, cuya toma de datos se realizó por medio de filmaciones de clases transcritas y analizadas según la teoría bakhtiniana de las "interacciones discursivas", según la cual, el lenguaje es fundamentalmente analizado como categoría fundadora de los movimientos de enseñar y aprender. Trabajamos en escuelas públicas municipales bajo la hipótesis de que el trabajo pedagógico que alimenta la expresión de los estudiantes es capaz de producir movimientos de enseñar y aprender dialógicos, donde las interacciones verbales permiten sus for­mulaciones conceptuales a través de las mediaciones docentes. Así, los temas de las enunciaciones se constituyen en planteamientos teórico-prácticos capaces de generar interpretaciones acerca de las lógicas de producción de las ciencias, por medio de los conceptos científicos y sus manifestaciones lingüísticas sobre el funcionamiento de la ciencia, sobre su naturaleza y sobre sus interrelaciones con la sociedad.

Palabras clave: lenguaje, enseñanza de las ciencias, diálogo, método discursivo. 


Introdução

Ensinar e aprender na contemporaneidade deman­dam olhares atentos a um panorama intrincado e fluido de inter-relações, que nos faz refletir sobre a prática escolar, que no nosso entender deve su­perar formas estáticas, em favor de formas móveis, que captem as oportunidades de ensinar e apren­der que se desenham no momento da interação pedagógica, que é fundamentalmente discursiva. Isso não descaracteriza a intencionalidade e o planejamento docente, tendo em conta os sabe­res historicamente acumulados pelas sociedades. Entretanto, não se pode mais esperar os feedbacks das aprendizagens, obedecendo á velha dinâmi­ca pedagógica instrucional formada por minis­tra-exercita-consolida-cobra, própria da educação bancária (FREIRE, 1996), que, como tal, deposita informações e depois espera do estudante, a sua reprodução nos momentos avaliativos. DEMO (1991) chama aulismo à prática de aula onde só se exercita o ensino e se repassa, no dizer do autor, conhecimento de segunda mão, na qual criações e recriações não são incentivadas e promovidas, dificultando os movimentos de aprender.

A partir dessas ideias promovemos e pesquisa­mos práticas curriculares dialéticas e dialógicas formadas de movimentos de ensinar e aprender integrados e articulados, nos quais as manifesta­ções discentes em processos mediados dão pistas que orientam a professora-pesquisadora, quanto ao replanejamento necessário no curso da aula e no programa de ensino. A linguagem verbal e corporal são as vias dessa comunicação, que dá indícios das aprendizagens havidas, bem como das fragilidades ou dificuldades nas elaborações conceituais e, so­bretudo das curiosidades e motivos que movem o interesse discente. Segundo OLIVEIRA (2002) me­diação para Vygotsky é: “o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; [que] deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada” (OLIVEIRA, 2002, p. 26), podendo constituir-se atra­vés de signos e instrumentos, sendo signo, palavra com significado. Assim, os conceitos são palavras significadas em processos mediados pelas relações de ensinar e aprender. Isso permite afirmar que “nas formas superiores do comportamento humano, o indivíduo modifica ativamente a situação estimula­dora como parte do processo de resposta a ela. Foi a totalidade da estrutura dessa atividade produtora do comportamento que Vygotsky tentou descrever com o termo "mediação"” (COLE; SCRIBNER, in VYGOTSKY, 1991 p. 15, aspas no original).

Em se tratando de relações pedagógicas escola­res, BORTOLOTTO, FIAD (2017) apontam uma “ar­tificialidade conversacional que habita certa tradição na cultura escolar” (p.16), que instaura a necessidade de refinar o olhar para as relações pedagógicas para que, na perspectiva da linguagem como definidora dessas relações, “o exercício mútuo da contrapalavra seja realidade na escola e não uma artificialidade perspectivada em sua significação mínima à de uma estratégia de conversação” (BORTOLOTTO; FIAD, 2017, p. 18).

Partindo dessas ideias, investigamos por quais “meios” as manifestações dos estudantes em sala de aula podem constituir-se como mediações entre os movimentos de ensinar e aprender, para que a aprendizagem possa ocorrer dialógica e dialetica­mente. Portanto, perseguimos – via linguagem – os meios mediacionais que influenciam tanto as apren­dizagens dos estudantes tornando-os mais capazes, quanto orientam o replanejamento da professora a qual interpreta sua práxis. De acordo com VYGOT­SKY (2001) aprendizagem é uma modificação ativa no sujeito por meio de novos esquemas mentais, oriunda de processos comunicativos mediados por instrumentos e signos, inseridos pelo sujeito mais experiente, acontecendo no seio de uma cultura, sob influência de sua historicidade. É então a con­cretização do potencial de desenvolvimento de todos os envolvidos em interações discursivas, que ocorre através da mediação inserida. Assim, a zona de desenvolvimento potencial se caracteriza por possibilidades de aprendizagens que se realizam com o auxílio de um parceiro mais capaz, através da linguagem, que interage simbioticamente com  o pensamento.

Apresentamos resultados de pesquisa-ação sobre construções conceituais discentes com potencial de transformarem-se em conhecimentos e saberes (re)formulados no momento da aula, em interações dialógicas mediadas nas quais as falas da professora e dos estudantes são consideradas mediações dos processos de ensinar e aprender, assim como outros instrumentos inseridos, como mediação semiótica (VYGOTSKY, 2001). 

1. Desenho metodológico

Nesta pesquisa-ação (CARR, KEMMIS, 1988), é nossa intenção apontar construções conceituais discentes, a partir da sala de aula, como mundo vivido e lido pelos estudantes e pela professora, através das inte­rações pedagógicas mediadas (VYGOTSKY, 2001) que fomentam movimentos de ensinar e aprender dialógicos (FREIRE, 1996), analisados através da te­oria das interações discursivas de BAKHTIN (2006).

Apresentamos análise de três aulas de Ciências do 9º ano, das quais constituímos como categorias ana­líticas, consoante a teoria bakhtiniana, enunciações, apresentadas como Temas de Enunciações. Selecio­namos aqueles enunciados que dão pistas sobre a construção de conhecimentos sobre a natureza do próprio conhecimento e da Ciência. O corpo empí­rico é formado por aulas filmadas e transcritas, das quais trazemos análise referente ao tema Natureza da Ciência, pontuando alguns dos seus aspectos mais per­tinentes: os Movimentos da Ciência, a Visão popular sobre a Ciência e Nomenclatura científica. As aulas foram desencadeadas a partir do filme “A história do Mundo em 2 Horas”1 assistido anteriormente pelos estudantes em aula. Para organizar a escrita estabe­lecemos o código: A numerado para falas dos estu­dantes, seguido das letras G (aula Gravidade), M (aula Marés), S (aula Sistema Solar X Modelo Atômico) e P para falas da professora. Utilizamos AA para diversas vozes, ou quando é impossível determinar o falante.

Explicamos a seguir a constituição dos temas das enunciações. Partindo da aula, tornada viva no processo analítico, segue-se a sequência: leitura prévia das transcrições das aulas, atentando para a ocorrência de palavras e/ou expressões que indi­cassem possibilidades de constituição conceitual, as quais chamamos prototemas. Após analisou-se as possibilidades de, em torno destes constituírem­-se as enunciações. Demarca-se assim os passos da análise: identificação do enunciado; leitura acurada; descrição do contexto extraverbal, que ocorre ao longo do processo; e análise do enunciado2 propria-mente dita. Os elementos linguísticos das enuncia­ções segundo Bakhtin são: relação com os outros participantes, conclusibilidade e, principalmente alternância entre falantes.

Na teoria das interações discursivas (BAKHTIN, 1997, 1998, 2006), o gênero discursivo constitui-se como unidade de análise, tendo três aspectos prin­cipais: o conteúdo temático (tema); o estilo verbal (seleção dos recursos linguísticos); e a construção composicional, que indica o gênero: “toda situação inscrita duravelmente nos costumes possui um au­ditório organizado de certa maneira e consequen­temente um certo repertório de pequenas fórmulas correntes” (BAKHTIN, 2006 p. 128). Assim o gêne­ro discursivo reúne tipos relativamente estáveis de enunciados, que dependem do espaço-tempo onde ocorrem, como a sala de aula, da qual intencio­namos, através da análise, fazer aparecer as vozes sociais que se fazem presentes. Entretanto, como alerta FARACO (2016), estes gêneros são fluidos e hibridizam-se, pois estão subordinados ás condições concretas de ocorrência, como destacaremos na análise. Quanto ao texto produzido, de acordo com Bakhtin “constitui-se um discurso encaixado no in­terior do qual se manifesta uma interação dinâmica. Essa passagem (do discurso direto ao indireto) impli­ca análise e reformulação completa, acompanhadas de um deslocamento e/ou um entrecruzamento dos “acentos apreciativos”” (YAGUELLO, 2006 p. 19, aspas no original), que são próprios da concretude das interações e funcionam como “auxiliares mar­ginais das significações linguísticas” (BAKHTIN, 2006 p. 138).

Significação em Bakhtin não tem o mesmo signi­ficado que em Vygotsky, sendo que para o primeiro: “qualquer mudança de significação é sempre [ ] uma reavaliação: o deslocamento de uma pala­vra determinada de um contexto apreciativo para outro. É por isso que, na enunciação viva, cada elemento contém ao mesmo tempo um sentido e uma apreciação” (BAKHTIN, 2006 p. 138). Já para VYGOTSKY (2001), essa variação no significado da palavra pertente ao campo dos sentidos. Segundo ele, “o sentido de uma palavra é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. [ ] O significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa” (VY­GOTSKY, 2001 p. 123).

GOULART (2009), baseando-se em Bakhtin, ex­plica que aspectos argumentativos das enunciações no processo pedagógico explicitam o movimen­to discursivo de construção do conhecimento, de modo que o dialogismo3 é a via de concretização da aprendizagem na linguagem. Escolhemos a aula como espaço-tempo de estudo, sabendo que a pala­vra expressa torna-se um “signo que refrata e reflete a realidade em transformação” (GIROLA, 2004 p. 322), da qual os falantes tomam parte. Enunciação é a objetivação externa do conteúdo (interno) a ser expresso sendo eminentemente social “mesmo sob a forma original confusa do pensamento que acaba de nascer, pode-se já falar de fato social e não de ato individual interior” (BAKHTIN, 2006 p. 120).

A formação de significados se dá através da pa­lavra, que é enunciada como discurso para o outro: “A palavra é o signo ideológico por excelência; ela registra as menores variações das relações so­ciais” (YAGUELLO, 2006 p. 17). Assim o sujeito ao enunciar, põe em contato a sua palavra, com a realidade que a produz, de modo que “palavra é expressiva, mas essa expressão, reiteramos, não pertence à própria palavra: ela nasce no ponto de contato da palavra com a realidade concreta e nas condições de uma situação real, contato esse que é realizado pelo enunciado individual” (BAKHTIN, 1997 p. 314), assim, as interações discursivas são de natureza eminentemente social.

O primeiro tema analisado provém das discussões sobre diferentes tipos de conhecimentos e sobre a natureza da Ciência, que não estavam previstas no planejamento docente, entretanto constituem-se nas interações. De acordo com a proposta pedagógica da pesquisa-ação emancipatória (CARR, KEMMIS, 1988), que investiga movimentos de ensinar e apren­der dialógicos, não é possível ignorar a curiosidade dos estudantes sobre os movimentos e a natureza da Ciência, uma vez que essas curiosidades iniciais mos­tram-se propícias a produzir elaborações conceituais. 

2. Discussão de resultados

É nossa intenção apontar evoluções nas elabora­ções conceituais discentes, oriundas das vivências dialógicas orientadas para a natureza do próprio conhecimento e da Ciência. Apresentamos tabela que relaciona os objetivos das aulas, os conceitos desenvolvidos, através dos temas das enunciações selecionados, de acordo com o aporte teórico, por apresentarem conexão entre a razão teórica e a razão prática, que deve ser entendida como: “a ra­zão que se orienta [...] a partir do vivido, isto é, do interior do mundo da vida” (FARACO, 2016, p. 19).

a. Tema de Enunciação: Movimentos da Ciência

Em se tratando da natureza do conhecimento AR­ROYO (2017) avalia que “os docentes e os alunos têm direito a conhecer as tensões que levaram a essa sistematização dos conhecimentos que precisam aprender” (p. 122). Para o autor o conhecimento dos movimentos da Ciência e da constituição interna das diferentes ciências ajuda a compreender fatos científicos e a melhor entender teorias e conceitos. A seguir mostramos diálogo sobre a relação entre conhecimento e informação, aspecto importante no processo de aprender sobre Ciência:

“P: ...Os colegas mencionaram no trabalho o ta­manho do asteroide que ocasionou a formação da lua, está aqui, vamos ver: ...6.800Km, aproximadamente o diâmetro de Marte.

A4G: Tu não sabe (sic) de cabeça, sora (sic)?

P: Não! Todos os dados que estão tabelados a gente não precisa decorar; a gente só tem que saber onde encontrar... E o outro, que ocasionou a extinção dos dinossauros, era bem menor, vamos procurar aqui na internet, que a prof também não sabe de cabeça... Olha, diâmetro estimado entre 12 e 14Km. Vejam a diferença! (Escreve no quadro).

P:O que significa diâmetro? Me mostrem o diâ­metro dessa figura aqui. E se fosse esférica?”

Gesticula, demonstrando a esfera, a partir do desenho; os estudantes gesticulam simulando um corte da esfera.

“P: Pra facilitar a conta, de cabeça: vamos consi­derar que o diâmetro do 2º asteroide seja 6000Km. Quanto é 6000:12? Vamos considerar 12Km o diâme­tro do outro, também pra facilitar a conta... Se fosse 6000 dividido por 6, qual seria a resposta?

A: 1000.

P:Mas não é seis, não é por seis... É por 12,... Fi­zemos isso só pra facilitar a conta... Sendo o diâmetro do asteroide, 12Km, quanto dá?

A:É a metade, sora(sic): 500.

P:Isso mesmo: o asteroide que formou a lua é, pelas nossas contas, aproximado tá gente... 500 vezes maior do que o outro! O outro que... Desencadeou os eventos que... Acabaram por extinguir os dinos (sic).”

MORIN (2011) e HARGREAVES (2004) discu­tem a importância de diferenciar informação de conhecimento na perspectiva da educação eman­cipadora, através de um ensino que quer construir conhecimento, que é passível de elaboração, em movimento; enquanto que a informação é forma­da por dados, que têm caráter estanque. O poeta Eliot relaciona essas categorias com a sabedoria, em forma de questionamentos: “Onde está a sabe-doria que perdemos no conhecimento? Onde está  o conhecimento que perdemos na informação?”4 (ELIOT, 2004 p. 300). O diálogo apresentado de­monstra que a falta de uma informação é rapida­mente sanada mediante o acesso a fontes, como a internet ou livros, sem prejuízo do raciocínio em curso. Este aspecto é bastante trabalhado em aula, com a professora-pesquisadora sempre instigando os estudantes para a construção dos conceitos, através das informações e dados, tratados dialogicamente.

A relação entre informação e conhecimento atra­vessa-se no diálogo, que tem outro objetivo: res­ponder a questão5 de por que um segundo meteoro bateu na Terra e, em vez de formar-se daí outra lua, apenas desencadeou fenômenos que culminaram na extinção dos dinossauros. A partir daí a professora conduz para o tratamento matemático que objetiva comparar as dimensões envolvidas nos dois even­tos. Esse entrelaçamento de temas é explicado por Bakhtin: “O enunciado é um elo na cadeia da co­municação discursiva e não pode ser separado dos elos precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro, gerando nele atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas” (BAKHTIN, 1997 p. 320). Esse entrelaçamento de temas justifica, a nosso ver, as dificuldades encontradas em desmem­brar as transcrições, para obter os enunciados. Além disso, o processo de transcrição, sendo tão intenso (três aulas demandaram quase dois meses), leva-nos a comparar as palavras transcritas, à palavra nativa (no sentido idiomático), que segundo BAKHTIN (2006) “é percebida como um irmão, como uma roupa familiar, ou melhor, como a atmosfera na qual habitualmente se vive e se respira. Ela não apresenta nenhum mistério” (p. 102). Entretanto, a análise isenta requer distanciamento e capacidade de desapegar-se do material produzido.

Na aula Gravidade discute-se o aspecto da in-certeza da Ciência, como construção humana, as­pecto que um dos estudantes traz, em resposta ao colega que indaga:

“A1G: Sora (sic), como assim duas teorias sobre  a mesma coisa?

A2G: ... Nada é impossível, os cientistas não têm  certeza. A sora (sic) mesmo já ensinou que na ciência  até sobre as coisas do passado, tem...? Equipes de  cientistas que ficam... trabalhando, estudando... Tur­ mas diferentes de cientistas que pesquisam a mesma  coisa... e que não concordam assim, em tudo...

P:Correto! Mas vocês sabem que um dos objetivos da Ciência é justamente conhecer os fenômenos, para poder, em função do que é conhecido, fazer previ­sões. Mas nem sempre isso... Nem sempre se torna possível, é um movimento...”

Na 3ª aula da sequência: Sistema Solar X Mode­los Atômicos aparece discussão sobre a natureza da Ciência, propiciada pelo uso de analogia entre dois modelos: o sistema planetário e o modelo atômico de Rutherford. Assim trabalhamos a analogia entre dois modelos, um mais conhecido dos estudantes (o análogo); e o modelo a ser aprendido (o alvo) de acordo com a tipificação de SILVA, TERRAZAN (2005).

“AS1: Mas sora (sic), tem uma coisa... Se tu pensar (sic) que... Tem planetas, astros que tem tanto satéli­te girando com ele... Tem as poeiras... Cósmicas... É mais ou menos como a nuvem, nuvem eletrônica do modelo mais... Da nuvem.

P: Essa tua ideia é muito interessante... Mas... É, tem uma diferença importante: a nuvem eletrônica não é uma nuvem, como as nuvens de chuva, feita de matéria... A nuvem eletrônica é uma região de probabilidade de o elétron estar se movendo. E as órbitas, dos corpos celestes são bem conhecidas... E tem outra diferença importante também: no sistema solar tem uma força predominante agindo. Que força é mesmo? Tenho certeza que vocês sabem. 

AA: Gravidade sora (sic)... Se tu tem certeza, é gravidade. Mas, como predominante? 

P: Isso! Isso mesmo! No sistema solar tem a gra­vidade que é uma força de atração, mas no sistema atômico, tem forças elétricas de atração e de repul­são... E também forças que surgem por causa das configurações... 

P:  ...Em Ciência não se pode forçar a situação pra encaixar na nossa intenção... No que pretendemos... Então vamos deixar bem claro que essa analogia é com o modelo de Rutherford-Bohr. Ela não é geral pra qualquer modelo atômico.” 

Nesse excerto, pode-se perceber o movimento que parte da palavra de autoridade da professora como mote para o desenvolvimento conceitual, tornando-se “palavra semi-alheia, [ou palavra per­suasiva, que leva a] produtividade criativa [que] consiste precisamente em que ela desperta nosso pensamento e nossa palavra autônoma” (BAKHTIN, 1998 p.145). Assim as enunciações vão se consti­tuindo na tensão entre forças antagônicas, compon­do movimento tensionado, contraditório e plural.

Do ponto de vista da epistemologia do conheci­mento científico do mundo, diz-nos (BACHELARD, 1996) que este não se dá de forma direta por isso a importância dos modelos científicos, que devem funcionar como mediações para construir com­preensões sobre fenômenos e processos naturais: “A compreensão pode ser entendida como o mo­vimento de aproximar o signo de outros signos já conhecidos, sendo uma resposta a um signo por meio de outros signos” (GIROLA, 2004 p. 320), ideia encontrada na teoria sócio interacionista da aprendizagem:

Nos conceitos científicos que a criança adquire na escola, a relação entre esses conceitos e cada objeto é logo de início mediada por outro conceito. Assim, a própria noção de conceito científico implica uma certa posição relativamente a outros conceitos, isto é, um lugar num sistema de conceitos. (VYGOTSKY, 2001 p. 80)

Nesse caso, os próprios estudantes planejaram sua apresentação do seminário, através da analogia entre o modelo do sistema solar e o modelo atômi­co de Rutherford, pois encontraram nesta forma o material de consulta que utilizaram, como expresso na fala reproduzida abaixo:

“AS1: Sora sora (sic)... Olha só o que a gente achou! A gente tá (sic) pesquisando a nossa parte que ainda falta apresentar, do Sistema Solar... E olha aqui o que a gente achou! Esse site aqui ó (sic), ele relaciona... Tipo (sic) ele é histórico, história da Físi­ca... E ele diz isso aqui ó (sic)...

AA: Ele diz que o sistema solar, que já conheciam há muito tempo... Desde desse Jordano (sic), que o Sistema Solar, a ideia dele, foi usada pelos cientistas que... Tipo (sic) que queriam explicar a ideia deles do átomo, o modelo que eles achavam certo... E eles usaram o Sistema Solar... A ideia do Sistema Solar pra explicar...”

Observamos que, uma vez estabelecidas as re­lações dialógicas e fomentado o interesse dos estu­dantes, o que vem ocorrendo desde o início do ano letivo, a comunicação entre estudantes e professora flui de modo atípico, estendendo-se para além do espaço-tempo da aula, iniciando-se antes e repetidas vezes estendendo-se além dela. O desenvolvimento da aula encaminhou-se estabelecendo os limites da analogia. FERRY, NAGEM (2009) enfatizam a necessidade tanto de tratar dos aspectos coinci­dentes da analogia; como dos aspectos controver­sos, o que pode ser chamado de contra analogia: “consideramos que é também necessário explici­tar as características que não são compartilhadas” (FERRY, NAGEM, 2009 p. 45) pelos dois sistemas ou conceitos.

Esse exercício de apontar os aspectos em que a analogia mostra-se falha foi exercitado em forma de levantamento item a item nesta aula Modelo Atômico X Sistema Solar, conforme excerto abaixo:

“P: Então, agora vamos ponto a ponto, avaliando... Qual é... A parte principal da analogia?

AS3: É o sol é o átomo... E...

AS1: Não! É sobre o átomo, o sol é o núcleo e os  elétrons girando são os planetas.

P:Ótimo! Isso é o principal. E agora vamos indo item por item. Como é o movimento dos planetas? Como são as órbitas?

AS2: Círculos. Circulares.

AS1: Ah não, são... O planeta vai lá longe... Não anda em círculo certinho. Anda assim né sora (sic)?... Posso fazer aqui no quadro, como eles andam?

P:Pode... E eu já pergunto: nesse ponto da ana­logia, ela é válida? As órbitas dos planetas são iguais as dos elétrons?”

Para DUIT (1991) para aprender Ciências, os estu­dantes devem entender modelos científicos relativos aos conteúdos, tornando-se capazes de avaliar sua abrangência e limitações. E para HODSON (2003) discussões sobre modelos, constituem-se oportuni­dades para os professores acompanharem a expres­são dos estudantes, de suas próprias ideias sobre os fenômenos em estudo, o que fazemos nesta pesqui­sa-ação. Segue-se a sequência do excerto acima:

“AS2: Não. Hum é... Elíptica e os elétrons não... Eles andam em círculos, em volta.

P: Muito bom! Então essa é 1ª limitação da ana­logia entre os modelos. Que mais? Os planetas são solitários nas órbitas deles? Todos?

AA: São.

P:Tem certeza?

AS8: Não né sora (sic)! Se a gente acabou de fazer trabalho da Lua, que é satélite,... Que influi um montão na Terra... E tem outros planetas que tem até mais satélites que a Terra... Saturno tem tantos... Tantas coisas girando que forma um anel...

AS1: Mas sora, sora (sic) eu vi... Quando estudei pro trabalho... Que tem um monte de partes, coisas de dentro do átomo que descobriram depois... Neu­trino... Outro elétron, tipo negativo... Não positivo.

P: É tens razão. A gente inicia estudando as par­tículas elementares ou fundamentais do modelo que estamos estudando... Mas há outras mesmo. Nesses mais de cem anos depois da criação desses modelos, os cientistas vêm pesquisando e já sabem que há mesmo outras partículas...”

É importante notar que um dos estudantes apre­sentadores autoriza-se a expressar o que compre­endeu (corretamente) sobre o fato de haver mais partículas subatômicas, além das elementares. Faz essa colocação na discussão sobre a analogia entre satélites orbitando os planetas, e partículas orbitando  o núcleo, como se vê no excerto acima. Entretanto, o caminho dialógico de verificar a plausibilidade da analogia trouxe, a princípio, descontentamento e frustração por parte dos estudantes autores do traba­lho, pois eles não estão acostumados ao movimento da Ciência de evoluir a partir dos erros e retificações (BACHELARD, 1996); assim como também não estão familiarizados a aprender os conceitos científicos desta forma, como expresso abaixo: 

“AAS: Mas sora (sic) quando a gente te pergun­tou, ontem, tu disse que tava certo, que a gente po­dia usar... A comparação... Agora tu tá fazendo uma lista que vai acabar... Vai acabar dizendo que tá (sic) tudo errado... Sooora (sic), por que tu deixou a gente fazer então?6

P:Calma aí! (...) Vocês consultaram um site confiável7, me consultaram, trouxeram uma analogia, que está proporcionando a gente aprender um montão de coisas importantes, inclusive sobre a validade dos modelos e das analogias. E de quebra tão revisando conceitos básicos de Astronomia... Então tá tudo ok! A Ciência não é feita só de êxitos, a vida estudantil não é feita só de êxitos...”

BAKHTIN (2006) explica que “não se pode cons­truir uma enunciação sem modalidade apreciativa. Toda enunciação compreende, antes de tudo, uma orientação apreciativa. É por isso que, na enunciação viva, cada elemento contém ao mesmo tempo um sentido e uma apreciação” (p. 138). Esta se relaciona segundo o autor, com a entonação do enunciado, nesse caso expresso pelo alongamento da palavra ‘sora’, como expresso acima. Exploramos, na in­teração, todas as possibilidades da analogia, pois:

Muito mais difícil do que a transferência em si é a tarefa de definir um conceito quando já não tem quaisquer raízes na situação original e tem que ser formulado num plano puramente abstrato, sem refe­rência a nenhuma situação ou impressão concretas. [ ] A transição do abstrato para o concreto vem a ve­rificar-se tão árdua para o jovem, como a primitiva transição do concreto para o abstrato. (VYGOTSKY, 2001 pp. 69 e 70)

Este autor expressa uma ideia similar a de FREIRE (1996) de que se deve ensinar a ler o mundo por meio da leitura da palavra: “A análise da realidade com a ajuda dos conceitos precede a análise dos próprios conceitos” (VYGOTSKY, 2001 p. 69). Sobre a formação dos conceitos, que aqui estudamos por meio da analogia desenvolvida nas interações dia­lógicas, o autor diz ainda que: “Os níveis superiores de desenvolvimento do significado das palavras regem-se pela lei da equivalência dos conceitos, segundo a qual, todo e qualquer conceito pode ser formulado em termos de outros conceitos, de um número ilimitado de maneiras” (VYGOTSKY, 2001 p. 96).

Entretanto há que tomar cuidado com o uso de analogias no ensino, no que se refere à forma­ção de imagens mentais, que podem dificultar que o pensamento conceitual evolua na direção desejada: “Mas todo o seu pensamento se nutre dessa imagem, não consegue se despregar de sua intuição primeira. Mesmo quando quer apagar a imagem, a função da imagem persiste” (BACHE­LARD, 1996 p, 93), correndo o risco, segundo o autor, da extensão abusiva das imagens usuais. Assim, para ele as primeiras imagens, oriundas do conhecimento empírico, encaixando-se nas expec­tativas do sujeito: as primeiras impressões podem obscurecer as possibilidades de a aprendizagem dar-se observando o rigor científico, incluindo comprovações empíricas controladas e teorizações internamente coerentes. Por isso aprofundamos o estudo da analogia utilizada, mediante compara­ção de cinco aspectos entre o análogo e o alvo, conforme tabela abaixo.

Segundo VYGOTSKY (2001), explicando os pro­cessos de formação dos conceitos diz que “um nome nunca é um conceito quando aparece pela primeira vez, é simultaneamente demasiado limitado e de­masiado vasto” (p. 65). Essa plasticidade é oriunda na natureza da estreita relação entre palavra e ob­jeto: “O significado de uma palavra representa uma amálgama tão estreita de pensamento e linguagem que é difícil dizer se se trata de um fenômeno de pensamento, ou de um fenômeno de linguagem” (VYGOTSKY, 2001 p. 102).

Defendemos que essas vivências concretas via linguagem capacitam o estudante para ampliar suas compreensões, muito mais eficientemente do que através do ensino bancário, no qual, aliás, o tema natureza da ciência e do conhecimento dificilmente constitui-se como objeto de estudo, na educação básica. BAKHTIN (2006), ao explicar os processos de elaboração de compreensões, valoriza as inte­rações verbais pois:

A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão (...) Compre­ender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra. (BAKHTIN, 1998 p. 135)

Voltando ao risco apontado por BACHELARD (1996), pensamos que ele existirá, em maior ou menor grau, sempre que o estudante tenha con-tato com conhecimentos novos. No caso da aula Sistema Solar X Modelos Atômicos escolhemos questionar as primeiras impressões através da che­cagem, em forma de itens, de todos os aspectos presentes na analogia, seja destacando os aspec­tos coincidentes; seja apontando onde ela não é válida. Delimitamos a base, ou parte principal da analogia: o sistema solar como o análogo; e o núcleo com os elétrons, como o alvo, de acordo com SILVA, TERRAZAN (2005). A partir dessa de­limitação, discutimos comparativamente as outras interações entre os corpos celestes (no macrocos­mo) e partículas (no microcosmo), verificando a plausibilidade de cada proposição:

“P: ...Mas me digam uma coisa: o que mais diz o modelo de Rutherford-Bohr? Aliás, por que o Bohr entrou nessa história mesmo?

AS1: Ah sora (sic) isso agora eu já sei bem! É pra corrigir porque o elétron não cai no núcleo, mesmo tendo força atrativa entre... E não entra tudo em...

AS2: Colapso. Não se acaba o átomo.

AS10: Senão a gente... Daria de ver se isso acontecesse...

P:Isso, ótimo! E então qual foi a correção mesmo que Bohr introduziu...?

AS1: Sora (sic) deixa com a gente, que a gente sabe! Ele disse que o elétron pode ir mais pra dentro e mais pra fora, do lugar que ele anda, normal.

AS6: Órbita dele.

P:Então pegamos outra inadequação da analogia! Pensem comigo, quem são os correspondentes dos elétrons no sistema solar?

AS2: Planetas sora (sic). Ah já entendi!

P: ... E planetas ficam pulando da sua órbita nor­mal, se ganham ou perdem energia? AA: Nãããão sora (sic)! É mesmo né (sic)!...”

Nesse processo surgiram conceitos novos para os estudantes, e outros foram revistos. Para BACHELARD (1996) é importante direcionar a adequada compreensão dos estudantes sobre os fatos científicos, não permitindo que se deixem levar pelas primeiras impressões: “Conviria por meio de frequentes retornos aos temas objetivos, deter as proliferações subjetivas. Há nesse caso todo um ensino recorrente, muito esquecido nos cursos secundários, e que nos parece indispensá­vel para firmar a cultura objetiva” (BACHELARD, 1996 p. 190).

A seguir constituem-se enunciações sobre as­pectos da natureza da Ciência, que são as possíveis não concordâncias entre cientistas, denotando o caráter não absoluto das teorizações e as questões éticas. O primeiro aspecto surge naturalmente em função da interação entre cientistas, materializada nas relações entre os modelos atômicos e a suces­são entre os mesmos:

“P: ... Então isso trouxe a necessidade de uma correção no modelo, e quem propôs essa correção foi o cientista chamado Bohr.

A8S: Mas como assim sora (sic), um cientista cor­rigir o que o outro fez?

P: Ah, então... Isso tem a ver com o jeito que a Ciência funciona... Os cientistas trabalham, pesquisam e comunicam as pesquisas, os resultados... Por exem­plo: a sora tá fazendo uma pesquisa, que já expliquei pra vocês e pra isso a gente tá gravando... Então, eu e os outros cientistas pesquisamos e divulgamos os resultados que eles obtém, que obtemos... Na comu­nidade científica.

A11S: Então é parecido com aquilo que tu explicou (sic)... Na outra aula, que os cientistas, tem uns que pensam diferente, e não concordam assim em tudo? Mas e se os8 do teu grupo não concordarem com a tua pesquisa sora (sic)?”

Ao tratar do caráter não absoluto das teoriza­ções (POPPER, 1993), atravessa-se no diálogo, e na análise, o caráter ideológico da palavra, através do questionamento que destacamos acima. Segundo CHALMERS (1993), “a meta da ciência é falsificar teorias e substituí-las por outras melhores, que de­monstrem maior possibilidade de serem testadas”  (p. 87), demonstrando o caráter histórico e provi­sório do conhecimento científico. Ele mostra que discutir a natureza da Ciência e seus movimentos impressionou a estudante, que percebeu riscos para a pesquisa da qual ela mesma faz parte, mostran­do-se preocupada com a situação da professora­-pesquisadora, de estar á mercê da avaliação pelos pares, o que é explicado em termos da afetividade que integra os processos cognitivos:

não são palavras o que pronunciamos ou escuta­mos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que com­preendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN, 2006, p. 97)

Assim, provavelmente o fato de qualquer pesqui­sa estar submetida à avaliação, passasse desperce­bido, não fosse pela realidade efetivamente vivida pelos estudantes, como integrantes do processo de pesquisa-ação. Também VYGOTSKY (2001), ao explicar as relações dinâmicas entre aspectos da formação do significado, trata do afeto, compondo com a cognição, uma força em prol da significação: “existe um sistema dinâmico de significados em que  o afetivo e o intelectual se unem, mostra que todas as ideias contém, transmutada, uma atitude afetiva para com a porção de realidade a que cada uma delas se refere" (VYGOTSKY, 2001, p. 12). 

b. Tema de enunciação: nomenclatura científica e visão popular sobre Ciência

A seguir aparece, de forma inusitada, no contexto da aula, o tema nomenclatura científica, que transpassa a discussão, que era originalmente sobre as caracte­rísticas físicas das regiões polares, na aula 2, Marés:

“AM7: Sora sora (sic), por que esses nomes... li­tosfera? A parte da sfera é de esfera, esfera que é a Terra... que nem é muito esfera, que a gente viu no filme... Mas...

P:Muitos nomes, palavras científicas não se tradu­zem, são sempre iguais, porque não são dos idiomas modernos, isso facilita a comunicação científica. Os nomes das espécies vivas, que vocês estudaram no 6º, 7º, por exemplo, são em latim, lembram? Homo sapiens, Ilex paraguaiensis... Sempre a 1ª palavra em maiúscula e a 2ª minúscula, o gênero e a espécie, lembram?9

AM2: Queeee sora (sic)? Que isso que tu tá (sic) dizendo?

AM3: Escreve ai sora (sic) o nome da erva do chimarrão que eu quero copiar.

AM9: Tem Cannabis né sora (sic)...

P: Tem, Cannabis sativa, também é nome científico. Mas essa é proibida e te deixa mal...”

Nessa situação da interação verbal reproduzida seria impossível, por motivos morais e até mesmo legais, seguir o curso da aula, ignorando a fala do estudante sobre a Cannabis, sendo importante a professora demarcar sua opinião sobre o consumo de drogas, ao mesmo tempo que fomenta a confian­ça no grupo e legitima os estudantes e a professora como parceiros na relação dialógica FREIRE (1996). A seguir transcrevemos palavras bakhtinianas que justificam a importância desse diálogo não ter sido obliterado, embora fuja do escopo da aula:

Em todo ato de fala, a atividade mental subjetiva se dissolve no fato objetivo da enunciação realizada, enquanto que a palavra enunciada se subjetiva no ato de descodificação que deve, cedo ou tarde, provocar uma codificação em forma de réplica. Sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em minia­tura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra revela-se, no momento de sua expressão, como o produto da inte­ração viva das forças sociais. (BAKHTIN, 1998, p. 66)

Isto posto pensamos que a palavra da profes-sora sobre o uso de drogas precisava ser expressa, sob pena de perder-se oportunidade de contrapor argumentos à ideia do estudante, além de reforçar a integração entre os falantes, como parceiros na comunidade linguística, BAKHTIN (2006). Nesta os gêneros discursivos são fluidos, podendo, conforme  o autor, hibridizar-se e interpenetrar-se, como ocor­reu nessa aula, com gênero discursivo do cotidiano, inserindo-se na sala de aula.

Não obstante em situações em que é imperativo não perder a linha de pensamento, em favor da com­preensão e da formação conceitual, o contexto do desenvolvimento científico e as relações internas da Ciência são retomadas em seguida, sendo oportuni­dades de novas aprendizagens contextuais, tratando­-se os temas na própria aula; outras vezes servindo de mote para interações pedagógicas ulteriores.

O excerto a seguir demonstra a visão do senso comum, veiculada em meios de comunicação, sobre a Ciência e o cientista:

“A11S: Mas sora (sic), tu não é (sic) cientista...? Assim como os que... Que trabalham em laboratórios... Secretos... Que explodem...?”

Aqui aparecem dois aspectos da visão popular sobre a Ciência: como atividade espetacular, de cunho extraordinário, visão histórica, corroborada pela própria história da Física: enquanto alguns cientistas faziam demonstrações experimentais para seus pares em Universidades e associações; outros as faziam em praça pública, que assim se tornavam atrações, como a demonstração do vácuo e da pres­são atmosférica, com os hemisférios de Magdebur­go, demonstrações de fenômenos eletrostáticos e mecânicos, entre outros, conforme WALKER (2001), feitos para contrapor a mistificação da ciência dos séculos XVI e XVII.

E na segunda parte do excerto temos a associa­ção da Ciência com a política e o governo, visão veiculada em filmes de espionagem/ação, que mos­tram cientistas trabalhando em projetos secretos, relativos à segurança nacional. Segue a sequência da interação dialógica:

“P: Não, em laboratório secreto não. Que explo­dem? Mas são cientistas ou terroristas? E sim, tem esse risco de os do meu grupo não concordarem com o que tô (sic) fazendo... Mas tem grupos que pesqui­sam junto... Pra dar mais segurança ao pesquisador na pesquisa dele.

...A2S: Então sora (sic), a gente viu três filmes que os cientistas faziam coisas que o governo usava, a CIA usava contra as pessoas... Isso é um terrorismo.

A6S: Ai guri, terrorismo é só... Aqueles que... Ex­plodem bombas, se explodem junto...”

Aqui aparece uma oportunidade para o tratamen­to integrado do tema terrorismo, que é recorrente nos noticiários, mas pela reação apática dos outros estudantes, inferimos que não é um tema de domínio da maioria. Houve, após essa aula, conversa com o professor de História no sentido da possibilidade de um trabalho pedagógico multidisciplinar, mas não se chegou á concretização da proposta, pois o colega alegou impossibilidade de tratar do tema, em face dos conteúdos de História previstos para o 9º ano. A partir deste debate na aula, voltamos nossa atenção à influência de questões externas na Ciência, inclusive política e ética: 

“P: Vamos fazer mais uma diferença aqui: a Ciên­cia pode ser usada com maus propósitos sim... Pra coisas ruins... Então ela não é boa nem má, mas as pessoas podem fazer bom uso da Ciência ou mau uso... Lembram do filme? Que vocês amaram? Qual a mensagem daquele filme?

AS3: Ah sora (sic), tenso sora (sic)! O camarada que fez os paranauê (sic) todos,... As contas, calculou os sistemas... Com matemática... Mas ele não sabia que era pra aquilo...

AS13: Não era um cara. Era uma guria, uma matemática!

P:Então! Só o que não pode é o cientista estar trabalhando sem saber o porquê ele faz o que faz. E sim, pode ser que os governos usem Ciência para o mal sim. Inclusive isso já aconteceu... E pode acontecer.”

No entender de ARROYO (2017), desenvolver conhecimento com os estudantes acerca do que lhes interessa é uma forma de “elevar as vivências sociais e seus significados á condição de conhecimento a que os estudantes têm direito” (p. 126). A mesma noção expressa FREIRE (1996) através do questio­namento: “Por que não estabelecer uma necessária ‘intimidade’ entre os saberes curriculares funda­mentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?” (p. 34, aspas no original).

Pensamos que a consideração do contexto consti­tui o próprio movimento de aprender, enriquecendo as possibilidades de construções conceituais, como demonstramos nas passagens da análise das aulas, sobretudo na 2ª aula desta sequência, a aula Marés. Nesses enunciados em discussão, o interesse dos es­tudantes centrou-se nos movimentos da Ciência, sua organização interna e suas relações sociais amplas. Nossa compreensão de Ciência e como exercitamos os processos de ensinar no escopo da pesquisa e fora dela, privilegia essa abordagem, uma vez que pro­curamos amiúde não deixar de lado oportunidades de tratar das relações dos movimentos da ciência, que surgem nas interações. Assim, o contexto e a contextualização constituem esta pesquisa-ação por dois motivos interligados: os movimentos de aprender dão-se via sucessivas recontextualizações, conforme RITTER (2017) que ocorrem através da linguagem, na qual as palavras sempre são proferi­das e devem ser compreendidas relativamente a um dado contexto, conforme BAKHTIN (1998):

Assim [ ] aquilo que constitui a descodificação da forma linguística não é o reconhecimento do si­nal, mas a compreensão da palavra no seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisos... (p. 95) 

3. Palavras finais

Partimos do fato de que o tema Natureza da Ciência não estava previsto nos planejamentos, conforme tabela 1, e analisamos a riqueza das construções conceituais, que emergiram das dúvidas e questio­namentos expressos pelos estudantes, por sua vez, frutos do fomento ao diálogo e da aceitação das suas manifestações. Concluímos saudando a participação discente, como mediação legítima e necessária para o sucesso do processo pedagógico dialógico, feito dos movimentos de ensinar e aprender, como um resultado concreto das relações dialógicas promo­vidas em aula e dos encaminhamentos e ajustes no curso das aulas feitos pela professora. 

Desta forma, pensamos que os aspectos de como ensinar, e as informações relativas aos conteúdos a serem ensinados são de responsabilidade da profes-sora, em seu processo de planejar o ensino e suas estratégias, pois conhecimentos técnicos, científicos e pedagógicos, dentre outros (TARDIF, 2005), são mobilizados para dar conta das dimensões: plano e ação. Contudo, muito do que se pretende ensi­nar está na dependência do interesse dos estudan­tes e das relações que envolvem a dialética entre ensinar e aprender. Se por um lado, é imperativo compreendermos esses dois movimentos como não automaticamente associados; por outro temos que compreendê-los em sintonia. Assim, pretendemos ter demonstrado como esse movimento de promover e acolher as manifestações dos estudantes pode e deve servir para atualizar os planejamentos da pro­fessora, no momento da aula e, em médio prazo, no programa de ensino.

As interações pedagógicas estabelecidas e forta­lecidas por processos duplamente mediados propi­ciaram construções conceituais relativas á natureza da Ciência, não originalmente planejadas, conforme Tabela 1. A partir dos conteúdos/conceitos relativos á Gravidade e á relação entre o Modelo atômico de Rutherford e o Sistema Solar, evidenciou-se se­gundo análise bakhtiniana os temas de enunciação: Movimentos da Ciência, abrangendo o caráter não absoluto das teorias e questões éticas em Ciência; Nomenclatura científica e Visão popular sobre a Ciência, que respondem a questão de pesquisa: Por quais “meios” as manifestações dos estudantes em sala de aula podem constituir-se como mediações entre os movimentos de ensinar e aprender para que a aprendizagem possa ocorrer dialógica e dialeti­camente? As construções/significações conceituais nesses temas de enunciação constituíram-se em meios mediacionais evidenciados e potencializados nas interações discursivas professora-estudantes e estudantes-estudantes.

Assim, pensamos ter auxiliado os estudantes a elaborarem conhecimentos, através das interações dialógicas, trabalhando os sentidos e os significados, atribuídos por eles às palavras, sempre conceitos nas linguagens vigotskiana e bakhtiniana. Ao apre­sentar-se nova palavra, apresenta-se novos desafios potencializadores de novos interesses. Segundo FREIRE (1996) uma das formas de desenvolver a autonomia dos estudantes é acompanhar e mediar, pelo ensino, o processo de desenvolvimento da curiosidade epistemológica, a partir da curiosidade ingênua, que ao tornar-se crítica e rigorosa, empre-ende o caminho do aprender.

As origens dos enunciados, o seu contexto de aparecimento nas falas dos estudantes apontam dialeticamente conflitos e aproximações conceitu­ais, no processo das elaborações de compreensão sobre os fenômenos, mediante as situações viven-ciadas e as mediações oportunizadas no ato peda­gógico, sem, entretanto esgotarem-se nele. Assim os fragmentos das falas dos estudantes, devem ser compreendidos como indícios de elaborações e reelaborações conceituais mediadas, que podem servir para (re)direcionar o planejamento docente para que o mesmo possa atuar na zona de desen­volvimento potencial.

A relação dialógica estabelecida com o obje­tivo de que os estudantes elaborem conhecimen­tos consubstancia-se nas relações entre as pessoas implicadas no processo, em forma de confiança, respeito, alegria, motivação para aprender, amoro­sidade (FREIRE, 1996), protagonismo, iniciativa, res­ponsabilidade, criatividade, dentre outras interações produtoras de bem estar, bem conviver e aprender na escola. Concluímos ainda que o movimento analíti­co aponta o redirecionamento das ações curriculares em curso, materializado nos temas das enunciações: Movimentos da Ciência, Nomenclatura científica e Visão popular sobre a Ciência, através dos quais logramos a formação conceitual. Esse movimento curricular espiralado faz-se de ação-reflexão-ação como pesquisa-ação em curso nas aulas investi­gadas pela professora-pesquisadora, guiando-se pelas manifestações dos estudantes em processos dialógicos, que desenvolvidos na ação, são poten­cialmente transformadores, tanto para produção de currículo de Ciências menos engessado e mais contextualizado, quanto para aprendizagem dos estudantes, orientados pela reflexão docente sobre o fazer pedagógico. 


Notas de Rodapé

1 A História do Mundo em 2 Horas. History of The World In Two Hours (original). COHEN, D. 120 minutos, documentário, History Channel: 2001. Reino Unido. Formato digital. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=tnVUJjhc4Ic. Acesso: 30\05\2017. 

2 Há uma linha tênue entre os significados de enunciado e enunciação na teoria bakhtiniana, porém enunciado liga-se mais ao fato; e enunciação ao ato de enunciar. 

3 Cumpre pontuar a diferença entre dialogicidade (em Freire), como interação verbal entre falantes, com vistas ao processo de conscientização, mediado pelo mundo; e dialogismo (em Bakhtin): interação entre sujeitos, como entidades axiológicas, abrangendo qualquer troca, via linguagem, inclusive quando o ouvinte \ leitor não está presente, como nas obras literárias. 

4 “... Where is the wisdom that we have lost in knowledge? Where is the knowledge we have lost in information?”

5 A6G: Porque depois outro cometa... Asteroide veio bateu de novo e aí não formou outro planeta,... Satélite, sei lá,... Só matou os dinossauros? Imagina sora, se esse outro que veio e bateu, tivesse formado outra lua... 

6 O estudante se refere ao uso da analogia entre o Sistema Solar e o Modelo de Rutherford, para apresentar seu trabalho.

7 Sites consultados pelos estudantes: http://web.ccead.puc-rio.br/condigital/mvsl/Sala%20de%20Leitura/ e http://www.cienciamao.usp.br/tudo/exibir.php?midia=lcn&cod=_modelosatomicosabigailfe. 

8 A estudante refere-se aos outros pesquisadores da linha de pesquisa da professora-pesquisadora.

9 Na retomada do curso das interações, a professora esclareceu que  lithos, em grego significa pedra. 


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