DOI:
https://doi.org/10.14483/23464712.13855Publicado:
2019-07-31Obstáculos epistemológicos sobre a água em livros didáticos de ciências do sexto ano do ensino fundamental, no PNLD 2017 do Brasil
Epistemological obstacles on water in didactic science books of sixth grade of basic education, in the PNLD 2017 of Brazil
Obstáculos epistemológicos sobre el agua en libros didácticos de ciencias para grado sexto, en el PNLD 2017 de Brasil
Palabras clave:
education science, epistemology, learning, Bachelard, school books (en).Palabras clave:
ciencias de la educación, epistemología, aprendizaje,, Bachelard, libro de escolaridad (es).Palabras clave:
ciências da educação, epistemologia, aprendizagem, Bachelard, livros escolares (pt).Descargas
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OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS SOBRE A ÁGUA EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS DO SEXTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL, NO PNLD 2017 DO BRASIL
EPISTEMOLOGICALOBSTACLESONWATER IN DIDACTICSCIENCEBOOKS OF SIXTH GRADE OF BASICEDUCATION, IN THE PNLD 2017 OF BRAZIL
OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS SOBRE EL AGUA EN LIBROS DIDÁCTICOS DE CIENCIAS PARA GRADO SEXTO, EN EL PNLD 2017 DE BRASIL
Natiely Quevedo dos Santos*, Eduarda Maria Schneider**, Lourdes Aparecida Della Justina***
Cómo citar este artículo: Santos, N. Q., Schneider, E. M., y Justina, L. A. D. (2019). Obstáculos epistemológicos sobre a água em livros didáticos de Ciências do sexto ano do ensino fundamental, no PNLD 2017 do Brasil. Gdola, Ensenza y Aprendizaje de las Ciencias, 14(2), 376-391. DOI: http://doi.org/10.14483/23464712.13855
Recibido: 18 de septiembre de 2018; aprobado: 23 de abril de 2019
* Mestranda em Educação em Ciências e Educação Matemática, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel – Paraná. Correio eletrônico: natielyquevedo@gmail.com - ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1104-4132
** Doutora em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática, Docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Santa Helena– Paraná. Correio eletrônico: emschneider@utfpr.edu.br - ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5142-6608
*** Doutora em Educação para a Ciência, Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel– Paraná. Correio eletrônico: lourdesjustina@gmail.com - ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6013-7234
Resumo
O presente artigo aborda um estudo epistemológico do conteúdo sobre a água presente em sete livros didáticos da disciplina de Ciências que foram aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático 2017 no Brasil, do sexto ano do ensino fundamental. Ressaltamos a importância da análise de livros quanto aos obstáculos epistemológicos, tendo em vista que, podem representar um entrave à construção do conhecimento, dificultando o processo de ensino-aprendizagem, no entanto, quando estes são identificados, podem colaborar para mudança na postura tanto do professor quanto do aluno em relação ao conteúdo estudado, e contribuir para melhorar o ensino de Ciências. Nosso objetivo foi o de evidenciar se existe a presença ou não de obstáculos epistemológicos sobre o tema da água nos livros didáticos, tendo em vista que estes são um dos recursos mais utilizados em sala de aula para nortear o ensino nas escolas. A pesquisa teve caráter qualitativo, baseando-se na análise de conteúdo, na qual, evidenciou a presença do obstáculo do conhecimento quantitativo nos sete livros analisados e que apresentam também, os demais obstáculos propostos por Bachelard, sendo o obstáculo substancialista, evidenciado em seis dos sete livros analisados, já o obstáculo do conhecimento geral foi encontrado em quatro obras analisadas, o obstáculo verbal pode ser observado em três e tanto os obstáculos de experiência primeira, unitário e pragmático, realista e animista foram evidenciados em uma obra dentre as sete analisadas. Estudos relacionados aos obstáculos epistemológicos devem ser encarados como uma maneira de permitir avanços na formação de alunos e professores alertando para uma maior preocupação com o processo de ensino-aprendizagem e com recursos utilizados em sala de aula, como o livro didático, possibilitando a reflexão quanto a sua escolha e maneira de utilização.
Palavras chaves: ciências da educação, epistemologia, aprendizagem, Bachelard, livros escolares.
Abstract
This article deals with an epistemological study of the content about water, present in seven didactic books of science for sixth grade, approved by the National Program of the Didactic Book 2017, in Brazil. The importance of book analysis based on epistemological obstacles is highlighted, bearing in mind that they can represent an impediment to the construction of knowledge, which hinders the teaching-learning process. However, when identifying obstacles, they allow changes in the perspective of both the teacher and the student regarding the content studied, and contribute to the improvement of science education. Our objective was to study if exist or not epistemological obstacles about water contents on didactic books, taking into account that it is an important resource in the classroom to guide teaching processes. The research had qualitative character, based on content analysis, where we showed the presence of the obstacle of quantitative knowledge in the seven books studied, which also present other obstacles proposed by Bachelard. The substantial obstacle appears in six into seven books analyzed, while the obstacle by general knowledge is shown in six books. The verbal obstacle in three books, but the obstacles about the first experience, pragmatic, realist and animist, are presented each one on a paper. Investigations about epistemological obstacles facilitate advances in students and teacher’s education, and in turn, highlight the concern about resources commonly used in the teaching-learning process. Particularly, this kind of research stimulates reflections about how and why to choose didactic books to improve classes developing.
Keywords: education science, epistemology, learning, Bachelard, school books.
Resumen
El presente artículo aborda un estudio epistemológico del contenido sobre el agua, presente en siete libros didácticos de ciencias para sexto grado, que fueron aprobados por el Programa Nacional del Libro Didáctico 2017 en Brasil. Se resalta la importancia del análisis de libros a partir de los obstáculos epistemológicos, teniendo en cuenta que pueden representar un impedimento para la construcción del conocimiento, lo cual dificulta el proceso de enseñanza/aprendizaje. Sin embargo, cuando estos son identificados, posibilitan cambios en la perspectiva tanto del profesor como del estudiante respecto al contenido estudiado, y contribuye al mejoramiento de la enseñanza de las ciencias. Nuestro objetivo fue evidenciar si existe o no obstáculos epistemológicos sobre el tema del agua en los libros didácticos, teniendo en cuenta que es uno de los recursos más utilizados en el aula para orientar la enseñanza en las escuelas. La investigación tuvo carácter cualitativo, basándose en el análisis de contenido, en donde evidenciamos la presencia del obstáculo del conocimiento cuantitativo en los siete libros estudiados, que también presentan los demás obstáculos propuestos por Bachelard. El obstáculo sustancialista se encontró en seis de siete libros analizados, mientras el obstáculo por conocimiento general fue encontrado en cuatro obras; el obstáculo verbal se observó en tres, y los obstáculos de experiencia primera, unitaria y pragmática, realista y animista fueron evidenciados en una obra cada uno. Los estudios relacionados con los obstáculos epistemológicos deben considerarse un camino que facilita avances en la formación de alumnos y profesores, y a su vez resaltan la preocupación sobre los recursos utilizados en el proceso de enseñanza/ aprendizaje, específicamente la reflexión sobre los criterios de elección y uso del libro didáctico, posibilitando la reflexión en cuanto a su elección y forma de utilización.
Palabras clave: ciencias de la educación, epistemología, aprendizaje, Bachelard, libro de escolaridad.
Introdução
A organização didática do ensino brasileiro é orientada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB 9.394/96), ela estabelece a finalidade da educação no Brasil e como deve estar organizada, visando proporcionar a todos uma educação inicial para o exercício da cidadania. Mesmo sendo muitas as mudanças ocorridas nas leis que regem o ensino no Brasil, a educação básica, de qualidade deve ser garantida pelas esferas federais, estaduais e municipais em que, cada um, com suas responsabilidades, devem proporcionar todo apoio e incentivo necessário à promoção da educação para todos.
A formação básica oferecida nas escolas deve ter o intuito de capacitar os cidadãos para aprender o domínio da leitura, da escrita, do cálculo, da compreensão do meio natural, social, político, tecnológico, cultural e de valores (KRASILCHIK, 2000). A educação nos anos iniciais e finais do ensino fundamental possui papel importante na vida dos educandos, onde estes aprendem valores, a conviver em sociedade, a adquirir habilidades, conhecimentos e a enxergar possibilidades e condições favoráveis para o seu desenvolvimento.
No que tange o ensino de Ciências, sua meta é preparar o cidadão para pensar sobre questões que exigem um posicionamento e, portanto, despertar seu senso crítico, instigando-o a buscar conhecimento, a desenvolver competências e responsabilidades e refletir sobre suas ações (SANTOS et al. 2011; TRIVELATO, SILVA, 2011). Esta meta não é fácil de ser alcançada, exigindo um trabalho coletivo visando novas técnicas e metodologias de ensino para alcançar bons resultados.
Para que ocorram mudanças no ensino de Ciências, uma necessidade emergencial está na postura epistemológica do professor, sendo este, um mediador e construtor de conhecimentos, estabelecendo relações e reflexões que visam contribuir para uma aprendizagem significativa dos educandos (SCHEIFELE et al. 2014). É de fundamental importância a participação ativa do aluno, questionando, argumentando e construindo seu conhecimento frente a um novo conceito ou informação.
São muitas as estratégias utilizadas pelo professor para tornar o ensino mais atrativo e tentar facilitar a compreensão do conteúdo desenvolvido em sala de aula. Diante dessas estratégias, estão as analogias e metáforas, que são meios comparativos para explicar algo mais complexo e que muitas vezes, podem ser utilizadas de forma equivocada, ocorrendo a falta de compreensão do fenômeno por parte do educando (GOMES, OLIVEIRA, 2007).
Analogias e metáforas são na maioria das vezes, utilizadas com a intenção de facilitar a compreensão de um determinado assunto ou conteúdo, no entanto, é preciso utilizá-las de maneira organizada e sistematizada para que não ocorra a assimilação de noções inadequadas, ou fora de contexto por parte dos educandos, sendo que desta maneira, podem resultar na constituição de obstáculos epistemológicos que dificultam a construção do conhecimento científico (BACHELARD, 1996).
Entre os epistemólogos das ciências, Gaston Bachelard em seu livro “A formação do espírito científico”, faz um alerta para os perigos da má utilização de analogias e metáforas como recurso ou método de ensino de Ciências e estabeleceu a noção de obstáculo epistemológico para a formação do conhecimento científico, sendo esses obstáculos relacionados com a concepção de ruptura entre o conhecimento sensível ou do senso comum e o conhecimento científico.
Tendo em vista que no contexto educacional brasileiro, professores de ciências e de diversas outras disciplinas utilizam em sala de aula o livro didático como um recurso essencial para promover o processo de ensino-aprendizagem dos alunos, ANDRADE, ZYLBERSZTAJN, FERRARI (2000) alertam que é preciso ter cuidado com as analogias, metáforas, imagens e modelos que se encontram presentes nestes livros.
Nesse contexto em que articulamos a questão metodológica, o livro didático e seus usos, bem como a epistemologia subjacente aos conteúdos, torna-se relevante uma análise dos obstáculos epistemológicos avaliando se encontram presentes ou não nos livros, tendo em vista que estes são um dos recursos mais utilizados em sala de aula e que devemos levar em consideração que uma distorção dos conteúdos neles apresentados pode ocasionar problemas de aprendizagem e assimilação de conceitos importantes.
Dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula no ensino de Ciências selecionamos o tema água, que nos livros didáticos é trabalhado com mais frequência nas séries finais do Ensino Fundamental, especificamente no sexto ano. E é diante da importância deste recurso fundamental para a existência da vida, que se torna necessário compreender como é apresentada nos livros, qual a visão retratada, os conceitos e conhecimento abordados, as habilidades a serem desenvolvidas pelos educandos, se há presença ou não de obstáculos epistemológicos que podem distorcer alguns conceitos e dificultar a construção do conhecimento científico dos alunos.
Sendo assim, apresentamos na sequência uma análise geral sobre o ensino de ciências destacando alguns de seus objetivos e perspectivas, e sobre o tema água as competências a serem alcançadas e qual o conhecimento que se deve ter a respeito deste tema, sempre destacando sua importância.
1. O ensino de Ciências e o tema água
Segundo KRASILCHIK (2000), o atual modelo curricular presente na maioria dos cursos de graduação e também dos cursos de ensino fundamental e médio, ainda são baseados na mera reprodução dos conhecimentos e apesar dos debates e pesquisas o currículo tradicional ainda permanece nas escolas brasileiras. Nesse modelo, o ensino de Ciências ainda é caracterizado pela transmissão e memorização das informações no qual o professor apresenta o conteúdo escolar de forma expositiva, considerando o aluno um sujeito passivo e receptivo, realizando tarefas sem que haja questionamentos a respeito do que lhe foi ensinado.
Para SANTOS et al. (2011), o ensino de Ciências necessita permitir ao aluno responsabilizar-se pelo seu próprio desenvolvimento intelectual, tornando-se capaz de fazer questionamentos, reflexões e raciocinar sobre o mundo, formando assim um indivíduo que saiba buscar, analisar e discutir o conhecimento que está sendo construído.
Nessa perspectiva, o ensino de Ciências deve ter como objetivo, estabelecer as condições para que o aluno possa identificar problemas por meio de observações de um fato e conseguir levantar hipóteses ou suposições sobre ele, trabalhando de forma a tirar suas próprias conclusões de maneira crítica e responsável (BRASIL, 1998).
SILVA, TRIVELATO, em 1999, já ressaltavam que no ensino de Ciências o livro didático era um material de apoio bastante utilizado nas práticas pedagógicas, em muitos casos, usado de maneira exclusiva. Muitas vezes, o livro é o único veículo estruturado de acesso aos conhecimentos científicos disponíveis aos alunos e que acaba norteando o ensino em salas de aula, mesmo que, por muitas vezes, não corresponda aos anseios pedagógicos dos professores.
Como aponta MEGID NETO, FRACALANZA (2003) muitos professores deixaram de usar o livro didático como um manual, utilizando-o ainda como material para desenvolvimento de atividades em sala de aula ou como apoio bibliográfico complementar na prática escolar, para desenvolvimento e planejamento de aulas, para leitura dos alunos e do próprio professor, notando-se assim certa mudança na forma de utilização do livro didático.
Os livros didáticos são ainda muito utilizados em sala de aula como principal material de apoio e pensando nisso, SANTANA, SOUZA, SHUVARTZ (2012) destacam que o livro didático é apenas um recurso que auxilia no desenvolvimento da aula, o autor ressalta que o professor como mediador do conhecimento tem o papel de avaliar e escolher os livros, bem como, utilizá-los da melhor maneira possível, de preferência como um material de apoio em conjunto com outros recursos didáticos.
Segundo GOMES, SILVA (2014), o livro didático se constitui de uma ferramenta importante para o ensino, devido a sua fácil acessibilidade e disponibilidade, além de ser um material de pesquisa e amparo ao professor na preparação e desenvolvimento das aulas, sendo também utilizado como uma fonte de estudo para os alunos.
Por outro lado, SILVA, TRIVELATO (1999) afirmam que o livro detém um conhecimento simplificado e resumido ao nível do aluno, trazendo informações, conforme relata o autor, “prontas” para o consumo. Neste sentido, não permite que o educando consiga por si só refletir e questionar informações necessárias à construção do seu conhecimento, muito embora, o livro didático possa facilitar a prática dos professores quanto ao conteúdo a ser desenvolvido em sala de aula, ele requer uma maior atenção no sentido de como ele está contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem dos alunos.
MEGID NETO, FRACALANZA (2003) argumentam que os conteúdos apresentados nos livros didáticos muitas vezes apresentam o conhecimento científico como sendo uma verdade absoluta e desvinculada do contexto histórico, social e cultural dos educandos e que apesar das várias mudanças ocorridas ao longo do tempo, não modificou o tratamento dado aos conteúdos presentes nele e que remetem a um conhecimento científico apresentado como uma verdade, que uma vez determinada, sempre será verdade, sustentando assim a visão positivista de ciência.
Para BRASIL (2016), os livros didáticos estão a todo momento passando por reformulações e atualizações frente as temáticas emergenciais, no que tange sobre as questões sociais, de saúde e meio ambiente despertando novas maneiras de ensinar e aprender, sendo que, devem aparecer como instrumentos de apoio, de problematização, estruturação de conceitos, uma fonte de pesquisa para estudantes e professores.
Existem atualmente três programas governamentais que são voltados ao livro didático, sendo eles: o Programa Nacional do Livro Didático para o ensino fundamental (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). Uma vez inscritos no PNLD e aprovados em avaliações pedagógicas os materiais são distribuídos pelo MEC às escolas públicas da educação básica. As coleções didáticas aprovadas passam a integrar o Guia de Livros Didáticos que trazem uma descrição dos requisitos para avaliação e uma resenha da obra, sendo assim um instrumento que auxilia na definição do livro, que é disponibilizado tanto para às escolas como para toda sociedade no site do MEC, contudo a escolha acaba sendo feita apenas pelos professores, coordenadores e diretores das escolas (OTALARA, 2008).
Diante da importância que os livros didáticos possuem no contexto da prática docente em sala de aula e que por muitas vezes acaba sendo o único material de apoio ao qual professores e alunos têm acesso, este artigo tem como objetivo realizar uma análise dos obstáculos epistemológicos do conteúdo água nos livros didáticos do PNLD 2017, buscando saber quais os conhecimentos sobre o tema estão sendo apresentados em livros didáticos de Ciências da Natureza voltadas para o sexto ano do ensino fundamental, e aprovadas na última edição do Programa Nacional do Livro Didático-PNLD 2017.
Dentre temas trabalhados em sala de aula no ensino de Ciências no 6º ano do Ensino Fundamental, destacamos a água, por ser uma temática que está presente no cotidiano dos alunos, tendo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que trata-se de um documento com caráter normativo, que será referência obrigatória para orientar na elaboração dos currículos da educação básica, indicando os conhecimentos e competências que se espera que os estudantes desenvolvam ao longo das etapas e modalidades da educação (BRASIL, 2016).
Com relação à temática água, conforme BRASIL (2016), as competências a serem alcançadas são sobre reconhecer a importância da água para a manutenção da vida no planeta, a presença e ausência de água, os estados físicos, ciclo hidrológico, usos da água na agricultura, geração de energia, equilíbrio dos ecossistemas, problemas decorrentes do uso da água, qualidade e potabilidade da água, entre outros.
Tendo em vista os avanços proporcionados por meio do conhecimento científico e tecnológico, torna-se importante refletir sobre construção da Ciência e suas implicações nos aspectos econômicos, políticos e sociais para compreender de que maneira esta tem contribuído para a formação do cidadão (CEDRAN et al. 2017). Quando se trata de temas relacionados ao cotidiano dos alunos, estes permitem maiores discussões e apontamentos que contribuem para o processo de ensino.
2. Epistemologia bachelardiana e obstáculos epistemológicos
Um dos eixos norteadores da obra de Gaston Bachelard, em “A formação do espírito científico”, são os conceitos de obstáculos epistemológicos que estão relacionados com a quebra entre o conhecimento científico e o conhecimento do senso comum e que “pode ser estudada no desenvolvimento histórico do pensamento científico e na prática da educação” (BACHELARD, 1996, p. 21). Além do conceito de obstáculos epistemológicos, Bachelard também ressalta o conceito de ruptura, sendo este uma descontinuidade entre o conhecimento comum e conhecimento científico (JUSTINA, 2011).
Os obstáculos epistemológicos, entendidos como barreiras à apropriação do conhecimento científico, estão fundamentados na experiência primeira, no obstáculo verbal, no conhecimento geral, unitário e pragmático, no obstáculo substancialista, realista, animista, no uso abusivo de imagens usuais e no conhecimento quantitativo (ANDRADE, ZYLBERSZTAJN, FERRARI, 2000).
Experiência primeira: segundo BACHELARD (1996, p. 29), “na formação do espírito científico,
o primeiro obstáculo é a experiência primeira”, onde esta é “colocada antes e acima da crítica”. Para STADLER et al. (2012), quando se faz uma releitura do conceito para o estudante, este é um obstáculo relacionado com conhecimento já adquirido pelo aluno sobre os temas estudados, ou seja, como suas ideias e explicações baseadas no senso comum entendem os fenômenos.
Conhecimento geral: para BACHELARD (1996, p. 69), “Nada prejudicou tanto o progresso do conhecimento científico quanto a falsa doutrina do geral, que dominou de Aristóteles a Bacon, inclusive, e que continua sendo, para muitos, uma doutrina fundamental do saber”. O conhecimento geral fornece mesma resposta a todas as questões, são respostas vagas, seguras e gerais seja a qualquer questionamento (SANTOS, 1998). Falar sobre um tema específico, como no caso da água, apenas abordando que esta passa por transformações sem explicar de fato como estas ocorrem na natureza, não exemplificando o fenômeno em questão, caracteriza-se como um conhecimento vago sobre o assunto, fazendo com que o aluno saiba que a água passa por transformações, no entanto, não compreendendo como isso ocorre e quais transformações seriam estas, que neste caso envolvem transformações físico-químicas e que envolvem o ciclo contínuo da água.
Obstáculo verbal: Para BACHELARD (1996, p. 27) o obstáculo verbal é tido como “a falsa explicação obtida com a ajuda de uma palavra explicativa” onde, conforme o autor é atribuído a algumas palavras um poder mágico de explicação. Segundo SANTOS (1998), são utilizados em algumas situações pedagógicas termos do senso comum, para tentar facilitar a compreensão do fenômeno científico, estabelecendo-se como barreira ao ensino formal das Ciências. Ao tentar facilitar a compreensão do fenômeno por parte do aluno, alguns termos como água pura são utilizados em referência para uma água potável, por exemplo, não se atentando a estabelecer que a água é uma mistura de vários elementos.
Conhecimento unitário e pragmático: explana-se na procura do caráter utilitário de um fenômeno como princípio de uma explicação única e direta, sem fazer relação com outros contextos (SANTOS, 1998). Geralmente a água é vista por seu aspecto utilitário, destacando seus usos em diferentes segmentos como indústria, comércio, agricultura e utilidades domésticas, se atentando a vê-la apenas diante de sua importância econômica e necessidade perante seu consumo.
Substancialista: o substancialismo se alterna do interior para o exterior, buscando no profundo justificativas do evidente. “É constituído por intuições muito dispersas e até opostas” (BACHELARD, 1996, p. 121). Quando tenta-se explicar um fenômeno de forma simplificada, em que os objetos são conhecidos por meio da função que desempenham e de suas qualidades superficiais e evidentes (LOPES, 1993). É comum ao abordar o tema água, atribuir a ela características como doce ou salgada, não explicitando que trata-se de uma mistura de vários elementos.
Realismo: é caracterizado por manter preso o pensamento na observação ou no dado primeiro, bloqueando assim as informações que podem contribuir para a formação do conhecimento científico (SCHEIFELE et al. 2014). Ao se ter a visão de que a água é apenas um recurso de uso pessoal, não evidenciando sua importância para a manutenção da vida não só humana, mas de todos os seres existentes no planeta.
Animismo: este obstáculo explica-se numa tendência de modo ingênuo para animar, atribuir vida e muitas vezes características humanas para objetos inanimados. No ensino de Ciências, o obstáculo animista compõe-se como uma dificuldade à apropriação dos conceitos científicos (SANTOS, 1998). Ao conceder vida a água, como por exemplo dizer que a água viva que corre pelos rios, acaba por ofuscar a compreensão deste elemento ao supervalorizar a vida, não se atentando a explicar que ela é fundamental para a vida como componente essencial para diversas reações metabólicas que os seres vivos realizam, mas que esta, por si só não possui vida.
Conhecimento quantitativo: BACHELARD (1996, p. 259) afirma: “A grandeza não é automaticamente objetiva, e basta dar as costas aos objetos usuais para que se admitam as determinações geométricas mais esquisitas, as determinações quantitativas mais fantasiosas”. Há maior preocupação com a mensuração do que com a realidade que permeia o objeto.
Sendo assim, conforme LOPES (1993) torna-se necessário a análise dos obstáculos epistemológicos no campo da Educação de forma a contribuir para a superação dos obstáculos epistemológicos que podem ser vistos como entraves que acabam impedindo construção do conhecimento científico por parte do educando.
Nesse sentido, faz-se pertinente estender a análise dos obstáculos epistemológicos a recursos como os livros didáticos, tendo em vista que são bastante utilizados em sala de aula e buscando entender como alguns temas relacionados ao cotidiano dos alunos, como por exemplo, o tema água, encontra-se presente nos livros didáticos. O conhecimento destes obstáculos evidenciados anteriormente podem auxiliar no entendimento de como ocorrem à construção de um determinado conceito e apontar as razões pelas quais encontramos dificuldades em desenvolver um modelo adequado para explicar fenômenos da ciência, neste caso tratando-se do tema água, como este deve ser apresentado para que proporcione ao aluno uma aprendizagem e compreensão dos fenômenos que a permeiam. Diante disto, na sequência apresentamos algumas considerações sobre o ensino do tema água na disciplina de Ciências.
3. Ensino do tema água
Vista como um elemento vital para a humanidade, a água já foi objeto de veneração e temor em que se criavam mitos e símbolos para explicar as forças da natureza. Assim, as civilizações antigas, por meio de experiências se organizavam em torno das bacias hidrográficas e costas marítimas (PITERMAN, GRECO, 2005). Foi possível escrever a história ao longo do tempo, criar culturas e hábitos mediante a presença ou ausência de água (BACCI, PATACA, 2008).
A água tem importância básica para a manutenção da vida no planeta, sendo assim, ao nos referirmos a ela estamos ao mesmo tempo nos referindo a nossa sobrevivência bem como a conservação e equilíbrio da biodiversidade (BACCI, PATACA, 2008). Segundo OLIVEIRA (2008), a água é um recurso natural essencial a todas as atividades humanas e demais organismos vivos, sendo um fator de equilíbrio dos ecossistemas.
Estando a água tão presente em nosso dia-a-dia, destaca-se a necessidade de se realizar discussões que visam proporcionar a conscientização em relação à preservação deste recurso tão importante para a manutenção da vida.
Espera-se também que os alunos possam reconhecer a importância, por exemplo, da água, em seus diferentes estados, para a agricultura, o clima, a preservação do solo, a geração de energia elétrica, a qualidade do ar atmosférico e o equilíbrio dos ecossistemas (BRASIL, 2016, p. 277).
O conhecimento sobre o tema água deve estar pautado desde o reconhecimento da porcentagem de água presente nos seres vivos, onde conforme TUNDISI, TUNDISI (2011) dentre as necessidades humanas com relação à água, temos em primeiro lugar a demanda fisiológica, onde cerca de 60% a 70% de nosso peso corporal é constituído por moléculas de água que atua como solvente e contribui para o desenvolvimento de nossas funções metabólicas.
Outro conhecimento sobre o tema bastante presente em livros didáticos é o de que a água é uma substância constituída por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio e que pode ser encontrada na natureza em três estados físicos: líquido, sólido e gasoso e é por meio desses diferentes estados físicos que ela forma um ciclo o qual é conhecido como ciclo hidrológico (OTALARA, 2008).
Para MICELI, FREIRE (2014), ao ser trabalhada a temática água na sala de aula, esta pode apresentar várias interfaces, exigindo assim uma interdisciplinaridade entre diferentes áreas do conhecimento, pois ao envolver a gestão das águas, por exemplo,
o tema deixa de ser somente um conteúdo de Ciências e passa a relacionar-se com questões como a química da água, o ciclo hidrológico, a porcentagem de água nos seres vivos entre outros, como também assume uma dimensão política e social.
A água é um recurso natural essencial à existência e manutenção da vida, ao bem estar social e ao desenvolvimento socioeconômico. No Brasil, a promoção de seu uso sustentável vem sendo pautada por discussões nos âmbitos local, regional e nacional, na perspectiva de se estabelecerem ações articuladas e integradas que garantam a manutenção de sua disponibilidade em condições adequadas para as futuras gerações (BRASIL, 2006).
Diante dos diversos usos da água e da utilização cada vez maior dos recursos hídricos, cresce as preocupações relacionadas não apenas com sua quantidade, mas principalmente com sua qualidade. Vale ressaltar que inicialmente sua utilização era restrita ao consumo doméstico e a criação de animais e que atualmente, devido ao seu uso diversificado, ela torna-se cada vez mais disputada (POLETO, GONÇALVES, 2012).
Para analisar como este tema se apresenta nos livros didáticos e se os conhecimentos sobre ele podem ou não configurar-se de obstáculos epistemológicos para o ensino e aprendizagem dos alunos, apresentamos na sequência os procedimentos metodológicos norteadores desta pesquisa.
4. Procedimentos metodológicos
O presente artigo consiste em uma pesquisa bibliográfica e de reflexões epistemológicas sobre o tema água. O pressuposto metodológico fundamenta-se na pesquisa de caráter qualitativo. FLICK (2009 p. 20) aponta a pesquisa qualitativa como sendo “de particular relevância ao estudo das relações sociais devido à pluralização das esferas da vida”.
Para FLICK (2009), os aspectos fundamentais de uma pesquisa qualitativa consistem na escolha apropriada de teorias e métodos; identificação e análise de perspectivas diferentes; reflexões a respeito da pesquisa por parte dos pesquisadores como sendo parte do processo de produção do conhecimento; e na diversidade de métodos e abordagens.
Sob esse pressuposto, foram selecionados sete livros didáticos dentre os treze aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/2017) de Ciências do 6º ano do Ensino Fundamental no qual a temática água é abordada. A descrição de todos os livros aprovados pelo PNLD/2017 é apresentada no Apêndice 1.
Para escolha dos livros analisados, seguimos os seguintes critérios: ano de edição que deve ser referente ao ano de 2015 e editoras diferentes, no caso de livros da mesma editora foi selecionado apenas um deles, a critério dos autores. A Tabela 1 apresenta os livros selecionados para análise.
A partir da escolha dos livros, as unidades referentes ao tema água foram submetidas à análise de conteúdo, em que foram realizadas leituras preliminares (análise flutuante) das unidades/capítulos e/ou partes que abordam o tema água.
A análise de conteúdo, conforme BARDIN (1977) é um método que envolve um conjunto de técnicas de análise das comunicações entre os seres humanos, dentre elas, a da linguagem escrita, por que estas são mais estáveis e constituem um material objetivo, sendo aperfeiçoado constantemente o qual podemos consultar quantas vezes forem necessárias.
Para facilitar a discussão dos resultados, identificamos os livros conforme apresentado na Tabela 1, com códigos, sendo Obra 01 referente ao livro 01, Obra 02, referente ao livro 02 [...] até a Obra 07 referente ao sétimo livro analisado.
5. Resultados e discussões
A interpretação dos dados envolveu o aprofundamento da análise buscando desvelar a presença de obstáculos epistemológicos nos fragmentos selecionados na etapa anterior para análise, com base na Tabela 2 apresentada na sequência.
Na Tabela 2, estão os resultados da pesquisa bibliográfica e de reflexões epistemológicas sobre o tema água realizadas nos sete livros didáticos com o intuito de indicar alguns dos possíveis obstáculos epistemológicos presentes nas obras.
Na Obra 01 de Eduardo Canto, Ciências naturais -Aprendendo com o cotidiano, o tema água é abordado na Unidade C: Água e sua importância, em dois capítulos, sendo o Capítulo 7. A água: bem precioso e Capítulo 8. Contaminação da água. Os dois capítulos apresentam o conteúdo na visão antropocêntrica, direcionado para a água como recurso que atende as atividades humanas. Essa característica desencadeia uma série de obstáculos à aprendizagem do aluno, como, por exemplo, o próprio título do Capítulo 7 – “Água: bem precioso” (p. 91), já representa um obstáculo realista ao representá-la como um recurso da sociedade e não do meio, este obstáculo pode dificultar a construção do conhecimento científico já que conforme STADLER et al. (2012) o aluno se contenta com a explicação concreta bloqueando informações que são importantes para sua formação, como neste caso, o fato da água estar presente em todos os organismos vivos e participando de reações metabólicas essenciais, tanto humanas, como em vegetais auxiliando no seu crescimento e desenvolvimento.
O primeiro capítulo deste livro inicia com o uso da água que só se refere à utilidade humana, como por exemplo, usos domésticos, industriais, agrícolas e na geração de energia. Sendo este um conhecimento a ser desenvolvido com os alunos, este pode desencadear um obstáculo pragmático, levando-o a interpretar a água apenas sob o ponto de vista utilitarista, e ainda apenas em relação às atividades humanas e não em todas as relações entre meio e biodiversidade onde segundo ANDRADE, ZYLBERSZTAJN, FERRARI (2000) não se relacionam outros contextos e se refere apenas aos seus aspectos utilitários como princípio de uma explicação sobre o fenômeno.
O segundo capítulo referente ao tema, enfoca apenas a poluição da água e sua consequente geração de doenças também relacionadas aos seres humanos. O livro não aborda os conteúdos: ciclo hidrológico e estados físicos, que conforme BRASIL (2016) são conteúdos importantes e que devem ser trabalhados com os alunos para que os mesmos desenvolvam habilidades referentes a aplicação dos conhecimentos sobre as mudanças de estado físico da água para explicar o ciclo hidrológico e analisar suas implicações na agricultura, no clima, na geração de energia, no provimento de água potável e no equilíbrio dos ecossistemas regionais (ou locais).
Ainda com relação à Obra 01, ela aborda questões relacionadas aos usos da água, sua poluição, captação e distribuição, citando questões relacionadas à como a água chega até nossas residências, abordando a importância da economia da água e dizendo que a água “[...] pode se esgotar nas épocas sem chuvas” (p. 102) não se atentando a explicar sobre o ciclo hidrológico e os estados físicos da água, sem uma explicação científica para esses fenômenos, podendo levar a um obstáculo no pensamento do professor ou do aluno, não evidenciando o movimento contínuo que a água realiza e seu processo de transformação na natureza. Esta falta de explicação de como os fenômenos ocorrem é caracterizado conforme BACHELARD (1996) como obstáculo do conhecimento geral, um conhecimento vago, sem explicações científicas de como acontecem os fenômenos.
A Obra 02 traz o tema em sua Unidade 2: Água: substância vital. Abordando os conteúdos em três capítulos: 1. A água no ambiente e nos seres vivos; 2. Água uma substância fundamental; 3. A importância da água para a saúde humana. Este livro, diferente da Obra 01, aborda a água no ambiente e nos seres vivos englobando plantas, animais, não se reportando somente ao ser humano. Descreve os estados físicos e ciclo da água, sua importância e utilidades. No primeiro capítulo o livro atribui qualidade a água “[...] água salgada dos oceanos e mares” (p. 56) evidenciando um obstáculo substancialista ao elencar qualidades a água, nos quais a água salgada seria referente a grande quantidade de sais dissolvidos nesta e água tida como doce na realidade seria aquela que possui menor concentração destes sais. Pela quantidade e aprofundamento do tema nesta obra não evidenciamos a presença de outros fatores que podem caracterizar a constituição de obstáculos epistemológicos.
Na Obra 03, intitulada Ciências Novo Pensar, o tema água encontra-se na Unidade 4: A água, estando dividida em cinco capítulos, Capítulo 11. Existência e composição da água; Capítulo 12. A água na natureza; Capítulo 13. Propriedades da água; Capítulo 14. Água potável e saneamento básico; Capítulo 15. Água e saúde. O referido livro didático não apresenta maiores considerações sobre a importância da água no equilíbrio dos ecossistemas. Atribui características a água “água salgada”
(p. 190) e “água doce” (p. 190), assim como a Obra 02. Quanto aos usos da água na agricultura, não detalha como estes ocorrem, apenas apresenta um texto intitulado “Falta de água ameaça segurança alimentar dos brasileiros” (p. 219) ressaltando a diminuição da produção agrícola em decorrência da falta de chuvas em algumas regiões, mas não detalha a importância que a água tem para o desenvolvimento das plantas, apresentando no início da unidade a informação de que “Numa planta a água geralmente representa 80% do organismo” (p. 167), caracterizando um obstáculo do conhecimento geral, não abordando que é por meio de suas raízes que a planta consegue absorver grandes quantidades de água dentre outros elementos que são essenciais ao seu desenvolvimento e manutenção de suas atividades metabólicas.
Este livro também apresenta o termo “água virtual” (p. 173), que foi empregado para denominar a água utilizada para fabricação de diversos produtos, sendo então aquela que de certa maneira não é contabilizada ou percebida por não ser diretamente consumida como, por exemplo, a água utilizada para consumo nas residências. O termo pode caracterizar-se como obstáculo verbal, já que faz uso de analogias para exemplificar os fatos, o que para Bachelard (1996) ocorre com a finalidade de facilitar a compreensão de uma estrutura, mecanismo ou determinado fenômeno natural, mas que pode levar a formação de ideias confusas ou errôneas acerca de um conhecimento.
Na Obra 04, Companhia das Ciências, a temática está na Unidade 4: A água na natureza, compreendendo oito capítulos. Capítulo 15. A água nos seus estados físicos; Capítulo 16. O ciclo da água; Capítulo 17. Água: solvente universal; Capítulo 18. Pressão da água; Capítulo 19. A água nos seres vivos; Capítulo 20. Poluição da água; Capítulo 21. Saneamento básico; Capítulo 22. As doenças e a água. Neste livro, assim como na Obra 03, o termo “Água virtual” (p. 159) é utilizado, o que representa um obstáculo verbal, em que conforme LOPES (1996), a não atenção para com o novo sentido de um termo pode se constituir como um obstáculo à compreensão do conhecimento científico. O livro também atribui características a água classificando ela como “água salgada” (p. 174) e “água doce” (p. 174), assim como a Obra 02 e 03, evidenciando um possível obstáculo substancialista. O livro ainda aborda o tema “Água: solvente universal” (p. 170), não é explicitado que ela não é o único solvente existente, ocorrendo assim uma falta de informação de parte do conhecimento científico representando um obstáculo do conhecimento geral, onde conforme CARVALHO FILHO (2006) esse obstáculo não permite que o sujeito tenha a noção exata do fenômeno em estudo, neste caso o livro ressalta que “Dada a importância de dissolver um grande número de substâncias, a água é chamada de solvente universal” (p. 171), porém não aponta exemplos de outros elementos que também conseguem dissolver substâncias.
A Obra 05, Para viver juntos - Ciências da natureza, o tema encontra-se em 3 capítulos: Capítulo 1. Água: estados físicos e propriedades; Capítulo 2. Água e os seres vivos; Capítulo 3. A água na natureza. O Capítulo 1 inicia abordando os estados físicos da água e suas propriedades e apresenta um obstáculo substancialista ao atribuir qualidade à água, no texto apresenta-se como “substância tão conhecida e valiosa” (p. 20). Ao decorrer do livro o autor aborda o termo “Água virtual: ela está em tudo que você consome” (p. 76) como evidenciado também nas Obras 03 e 04 e o termo “O planeta tem sede” (p. 66), caracterizando um obstáculo verbal, que para BACHELARD (1996) é visto como uma explicação falsa alcançada com auxílio de uma palavra explicativa, neste caso o planeta não tem sede, sendo esta uma característica fisiológica dos seres vivos que nele habitam, sendo também caracterizado como um obstáculo animista, assim como em outro trecho deste mesmo livro em que aborda o ciclo da água e ao final, utiliza a frase “A água superficial alimenta as nascentes dos rios [...]” (p. 26), ofuscando a compreensão deste elemento ao supervalorizar a vida, não se atentando a explicar que ela é fundamental para a vida como componente essencial para diversas reações metabólicas que os seres vivos realizam, mas que, por si só não possui vida.
A Obra 06, Ciências, aborda o tema em duas unidades, Unidade 1. Água no ambiente, contando com o Capítulo 1. A água na Terra; Capítulo 2. Ciclo e propriedades da água. Unidade 2. Água – Tratamento e saúde, trazendo o Capítulo 1. Qualidade da água; Capítulo 2. Usos da água. Ao abordar o tema qualidade de água, o autor refere-se à água potável como “água límpida” (p. 38), o qual conforme LOPES (1993) indica um obstáculo substancialista, em que os objetos são caracterizados conforme a função que desempenham e também de acordo com suas qualidades sejam elas superficiais ou evidentes. O livro aborda as propriedades da água e apresenta qualidade a ela empregando o termo “água pura” (p. 24), porém, ele explica em uma nota de rodapé que a água pura se refere a “água que não apresenta sais minerais, outras substâncias ou partículas misturadas” (p. 24).
Na Obra 07 o tema encontra-se na Unidade 3: A água no ambiente, sendo dividido em três capítulos: Capítulo 12. A água e a vida; Capítulo 13. A água e seus estados físicos; Capítulo 14. Tratamento de água e de esgoto para todos. No livro o autor retrata que “a água é invisível” (p. 154), o que pode gerar um obstáculo substancialista. MELZER et al. (2009) ressaltam que o obstáculo substancialista apresenta-se nos livros didáticos quando aspectos da aparência são enfatizados o que causa a abstração do aluno em relação a determinado fenômeno, no caso da água, dando a entender que trata-se de algo oculto, despercebido ou imperceptível.
Ao final da unidade, este livro, apresenta um capítulo falando sobre a importância do tratamento da água e de esgoto, porém não aborda as doenças que podem estar relacionadas a esta questão, podendo assim representar um obstáculo do conhecimento geral, em que conforme SANTOS (1998), seria um conhecimento vago que não traz informações mais completas sobre o assunto em questão. Ao decorrer do livro, o autor apresenta um texto com o título “A crise da água” (p. 180), sendo assim um obstáculo de experiência primeira, onde faz surgir a ideia de medo da falta de água sem explicar os motivos ou razões para tal fato, STADLER et al. (2012), aponta que este conhecimento está apoiado no senso comum, aquele já adquirido pelo aluno e não apresenta reflexões sobre o fenômeno permanecendo assim apenas as impressões primeiras sobre ele.
Todos os livros analisados apresentam o obstáculo do conhecimento quantitativo, em que, sentem a necessidade de apresentar a representação da quantidade de água disponível por meio de um gráfico de setores, no qual constam as porcentagens relacionadas a quantidade total de água disponível no mundo e a quantidade que está disponível para consumo. Buscam com essas representações e números, uma forma de enfatizar que a água disponível para o consumo é pequena quando comparada ao total de água que se encontra disponível no mundo e que, no entanto, não serve para consumo humano e que assim, essa necessidade de quantificação e representação, pode gerar um impacto logo que se recebe esta informação, trazendo reflexões, angústias e medo perante uma possível falta de água, por esta se encontrar em quantidade tão baixa.
Diante da noção dos obstáculos epistemológicos propostos por Gaston Bachelard, sendo estes o alicerce para a interpretação dos resultados discutidos anteriormente e frente a presença deles nas sete obras analisadas, enfatizamos que o processo para a construção do conhecimento científico deve ser objeto de reflexão, inclusive no que diz respeito às práticas e recursos utilizados em sala de aula que merecem devida atenção. Sendo assim, na sequência apresentamos as considerações finais alcançadas por meio desta pesquisa.
6. Considerações finais
Tendo em vista a importância que a água possui para a manutenção do planeta e da vida existente nele, discussões em torno dessa temática devem estar presentes no contexto educacional fazendo parte do cotidiano dos alunos e para isso a escola tem um papel fundamental nas questões relacionadas à água e recursos hídricos.
Sabendo que o livro didático é um recurso muito utilizado nas salas de aulas e que com o presente trabalho pode-se observar a presença de obstáculos epistemológicos nos livros se fazem necessárias pesquisas relacionadas ao seu uso e a maneira como os conteúdos estão nele abordado.
O obstáculo do conhecimento quantitativo foi encontrado em todos os livros didáticos analisados nesta pesquisa, em que, foi possível perceber, a importância dada à mensuração da quantidade de água disponível no mundo mais do que a própria realidade que permeia o objeto, não deixando claro de quanto se trata, por exemplo, em litros, essa porcentagem apresentada, distanciando-se da vida dos estudantes, dificultando um maior entendimento do assunto, remetendo à falsa impressão de que a água disponível para consumo, por estar em quantidade pequena se comparada com o total disponível no mundo, pode assim, acabar a qualquer momento.
A maioria dos livros, também apresentam os obstáculos substancialistas, nos quais atribuem qualidades a água, como doce, salgada, pura, límpida, em alguns pode ser constatado a presença de obstáculos verbais, em que abordam o termo “água virtual” como forma de se referir a quantidade de água utiliza direta ou indiretamente em alguns produtos que consumimos.
O obstáculo de conhecimento geral pode ser observado em alguns livros, ao evidenciar a água como único solvente universal ou relatando que a água passa por transformações, embora não explica os processos que envolvem estes fenômenos, apresentando somente informações mais superficiais sobre ela.
Com o exposto temos que, é importante a análise de livros quanto aos obstáculos epistemológicos presentes que podem ser um entrave à construção do conhecimento dificultando o trabalho em sala de aula, conforme afirma Bachelard (1996), no entanto quando estes são identificados podem colaborar para uma mudança na postura tanto do professor quanto do aluno em relação ao tema discutido em sala e contribuir para a melhoria do ensino de Ciências.
Estudos de obstáculos epistemológicos de Gaston Bachelard devem ser encarados como um modo de permitir avanços na formação de alunos e professores alertando para a maior preocupação com o processo de ensino-aprendizagem, possibilitando reflexões a fim de promover a construção de conceitos e aquisição de conhecimentos necessários à sua formação enquanto cidadão. Para tal, se faz necessário maiores discussões a respeito da escolha dos livros didáticos nas escolas, trocas de experiências entre professores relacionadas à prática docente, incentivo a pesquisa leituras e discussões relacionadas aos obstáculos epistemológicos.
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