As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências

Human Body Representations in Didactic Books of Science

Representaciones del cuerpo humano en libros de texto de ciencias

Autores

  • Emerson de Lima Soares Universidade federal de Santa Maria/UFSM
  • Cátia Silene Carrazoni Lopes Viçosa Universidade federal de Santa Maria/UFSM
  • Edward Frederico Castro Pessano Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA
  • Vanderlei Folmer Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA

Palavras-chave:

didactic body, biosocial body, textbook (en).

Palavras-chave:

cuerpo didáctico, cuerpo biosocial, libro de texto (es).

Palavras-chave:

corpo didático, corpo biossocial, livro didático (pt).

Biografia do Autor

Emerson de Lima Soares, Universidade federal de Santa Maria/UFSM

Mestrando no PPG Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde-UFSM; Cursa Especialização EAD em Educação Especial e Inclusiva- FAEL; Licenciado em Ciências da Natureza- Unipampa; Integrante do Grupo de Estudos em Nutrição, Saúde e Qualidade de Vida (GENSQ)/Unipampa. 

Cátia Silene Carrazoni Lopes Viçosa, Universidade federal de Santa Maria/UFSM

Mestranda no PPG Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde-UFSM; Cursa Especialização EAD em Educação Especial e Inclusiva- FAEL; Licenciada em Ciências da Natureza- Unipampa; Integrante do Grupo de Estudos em Nutrição, Saúde e Qualidade de Vida (GENSQ)/Unipampa

Edward Frederico Castro Pessano, Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA

Doutor em Educação em Ciências-UFSM; Mestre em Educação em Ciências-UFSM; Especialista em Educação Ambiental-FACISA; Graduado em Ciências Biológicas- PUCRS; Docente Unipampa/Campus Uruguaiana. Integrante do Grupo de Estudos em Nutrição, Saúde e Qualidade de Vida (GENSQ); Integrante do Núcleo de Pesquisas Ictiológicas, Limnológicas e Aquicultura da Bacia do Rio Uruguai (NUPILABRU); Grupo de Ação Interdisciplinar Aplicada (UNIGAIA).

Vanderlei Folmer, Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA

Pós doutorado em Bioquímica-Universidade de Lisboa/Portugal; Doutorado em Bioquímica/UFSM; Mestrado em Educação em Ciências-UFRGS; Graduado em Fisioterapia/UFSM e em Letras-Português/Universidade Paulista (UNIP); Docente Unipampa/Campus Uruguaiana; Coordenador do Grupo de Estudos em Nutrição, Saúde e Qualidade de Vida (GENSQ)/Unipampa. 

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Como Citar

APA

de Lima Soares, E., Carrazoni Lopes Viçosa, C. S., Castro Pessano, E. F., e Folmer, V. (2018). As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências. Góndola, enseñanza y aprendizaje de las ciencias, 13(1), 55–72. https://doi.org/10.14483/23464712.12018

ACM

[1]
de Lima Soares, E. et al. 2018. As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências. Góndola, enseñanza y aprendizaje de las ciencias. 13, 1 (jan. 2018), 55–72. DOI:https://doi.org/10.14483/23464712.12018.

ACS

(1)
de Lima Soares, E.; Carrazoni Lopes Viçosa, C. S.; Castro Pessano, E. F.; Folmer, V. As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências. Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc. 2018, 13, 55-72.

ABNT

DE LIMA SOARES, Emerson; CARRAZONI LOPES VIÇOSA, Cátia Silene; CASTRO PESSANO, Edward Frederico; FOLMER, Vanderlei. As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências. Góndola, enseñanza y aprendizaje de las ciencias, [S. l.], v. 13, n. 1, p. 55–72, 2018. DOI: 10.14483/23464712.12018. Disponível em: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/12018. Acesso em: 8 nov. 2024.

Chicago

de Lima Soares, Emerson, Cátia Silene Carrazoni Lopes Viçosa, Edward Frederico Castro Pessano, e Vanderlei Folmer. 2018. “As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências”. Góndola, enseñanza y aprendizaje de las ciencias 13 (1):55-72. https://doi.org/10.14483/23464712.12018.

Harvard

de Lima Soares, E. (2018) “As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências”, Góndola, enseñanza y aprendizaje de las ciencias, 13(1), p. 55–72. doi: 10.14483/23464712.12018.

IEEE

[1]
E. de Lima Soares, C. S. Carrazoni Lopes Viçosa, E. F. Castro Pessano, e V. Folmer, “As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências”, Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc., vol. 13, nº 1, p. 55–72, jan. 2018.

MLA

de Lima Soares, Emerson, et al. “As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências”. Góndola, enseñanza y aprendizaje de las ciencias, vol. 13, nº 1, janeiro de 2018, p. 55-72, doi:10.14483/23464712.12018.

Turabian

de Lima Soares, Emerson, Cátia Silene Carrazoni Lopes Viçosa, Edward Frederico Castro Pessano, e Vanderlei Folmer. “As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências”. Góndola, enseñanza y aprendizaje de las ciencias 13, no. 1 (janeiro 1, 2018): 55–72. Acessado novembro 8, 2024. https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/12018.

Vancouver

1.
de Lima Soares E, Carrazoni Lopes Viçosa CS, Castro Pessano EF, Folmer V. As representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências. Góndola Enseñ. Aprendiz. Cienc. [Internet]. 1º de janeiro de 2018 [citado 8º de novembro de 2024];13(1):55-72. Disponível em: https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/GDLA/article/view/12018

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AS REPRESENTAÇÕES DO CORPO HUMANO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS

HUMAN BODY REPRESENTATIONS IN DIDACTIC BOOKS OF SCIENCE

REPRESENTACIONES DEL CUERPO HUMANO EN LIBROS DE TEXTO DE CIENCIAS

Emerson de Lima Soares *, Cátia Silene Carrazoni Lopes Viçosa* **, Edward Frederico Castro Pessano***, Vanderlei Folmer****

Cómo citar este artículo: Lima Soares, E. de, Carrozoni Lopez Viçosa, C. S., Castro Pessano, E. F., Folmer, V. (2018). As Representações do corpo humano nos livros didáticos de ciências. Góndola, Enseñ Aprend Cienc, 13(1), 55-72. doi: http://doi.org/10.14483/23464712.12018.

Recibido: 17 de mayo de 2017; aprobado: 25 de octubre de 2017


* Mestrando no PPG Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde-UFSM; Especialista em Educação Especial e Inclusiva- FAEL; Licenciado em Ciências da Natureza- Unipampa; Integrante do Grupo de Estudos em Nutrição, Saúde e Qualidade de Vida (GENSQ)/Unipampa. Email: emersonsoareslima@hotmail.com

** Mestranda no PPG Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde-UFSM; Especialista em Educação Especial e Inclusiva- FAEL; Licenciada em Ciências da Natureza- Unipampa; Integrante do Grupo de Estudos em Nutrição, Saúde e Qualidade de Vida (GENSQ)/Unipampa. Email: catialopes00@hotmail.com

*** Doutor em Educação em Ciências-UFSM; Mestre em Educação em Ciências-UFSM; Docente Unipampa/Campus Uruguaiana. Integrante do Grupo de Estudos em Nutrição, Saúde e Qualidade de Vida (GENSQ). Email: edwardpessano@unipampa.edu.br

**** Pós doutorado em Bioquímica-Universidade de Lisboa/Portugal; Doutorado em Bioquímica/UFSM; Mestrado em Educação em CiênciasUFRGS; Graduado em Fisioterapia/UFSM e em Letras-Português/Universidade Paulista (UNIP); Docente Unipampa/Campus Uruguaiana; Coordenador do Grupo de Estudos em Nutrição, Saúde e Qualidade de Vida (GENSQ)/Unipampa.


Resumo

Vários autores têm ressaltado que o Livro Didático (LD) ainda possui um importante papel no processo de ensino e aprendizagem, sendo muitas vezes o principal e único recurso educacional a disposição dos professores (as). Desta forma, neste trabalho analisaremos as representações do corpo humano nos LD de ciências adotados por uma escola pública municipal da cidade de Uruguaiana/RS. No contexto da escrita entendemos que as percepções do corpo perpassam por uma construção histórica e cultural, constituída a partir das relações vividas pelos sujeitos. O presente estudo teve um caráter qualitativo de investigação, fundamentado na análise de conteúdo de Bardin, em que procuramos identificar as representações do corpo humano nas mensagens, características, estruturas, conteúdos e figuras presentes nos livros. Para tanto, montamos uma matriz analítica com perguntas norteadoras relacionadas a abordagem do corpo presente nos LD. Os resultados demonstram que os conteúdos nos LD seguem o mesmo padrão, ou seja, um corpo dividido em partes, como se o corpo humano fosse apenas formado por membros, órgãos e tecidos. Apresentam uma divisão minuciosa do conteúdo, desde a organização celular, conceitos, estruturas, e ainda, as imagens são todas apresentadas de maneira fragmentada, seguindo sempre padrões normativos. Os livros analisados trazem em seus capítulos espaços para discussões sobre o corpo biossocial, de maneira bem elaborada, contemplando diferentes visões, como a sexualidade além da reprodução humana. Acreditamos que estas questões devam fazer parte dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das escolas e do sistema de ensino como um todo, pois deste modo serão realizados mais projetos contemplando a questão. Contudo, ainda cabe ao professor (a) realizar essa abordagem, e se, tais questões não estão contempladas nos LD, ele deve ter em mente que, se somos seres pensantes, nosso corpo é muito mais que componentes orgânicos, e assim buscar os meios para realizar essa abordagem.

Palavras chave: corpo didático, corpo biossocial, livro didático.

Abstract

Several authors have pointed out that Didactic Book still plays an important role in the teaching and learning process, and is often the main, and the only educational resource available to teachers. In this way, we will analyze human body representations in Didactic Books of science adopted by a municipal public school in the city of Uruguaiana/RS. In the context of writing, we understand that body's perceptions permeate a historical and cultural construction, constituted from the relationships lived by the subjects in society. This study is a qualitative research, based on the content analysis of Bardin, in which we seek to identify human body representations in the messages, characteristics, structures, contents, and figures present in books. For this, we set up an analytical matrix with guiding questions related to the approach of the body, showed in didactic books. The results demonstrate that the contents follow the same pattern, that is, a body divided into parts like a human body just formed by limbs, organs, and tissues. They present a detailed division of content, from the cellular organization, concepts, structures, and the images are presented in a fragmented way, always following normative standards. We found these books dedicate spaces to analyze and discuss the biosocial body, in a well-elaborated way, contemplating different visions, such as sexuality beyond human reproduction. We believe that these issues should be part of the Political Education Projects (PPPs) of schools and the educational system as a whole because in this way more projects will be carried out contemplating the issue. However, it is still up to the teacher to take this approach, and if such issues are not addressed in the LD, he should keep in mind that if we are thinking beings, our body is much more than organic components, and so seek means to carry out this approach.

Keywords: didactic body, biosocial body, textbook.

Resumen

Varios autores han mostrado que el libro de texto aún cumple un importante papel en el proceso de enseñanza y aprendizaje, siendo muchas veces el principal y único recurso educativo a disposición de los profesores. Partiendo de este punto, analizaremos en este trabajo las representaciones del cuerpo humano en los libros de texto de ciencias, adoptados por una escuela pública municipal de la ciudad de Uruguaiana/RS. En el contexto de la escritura entendemos que las percepciones del cuerpo atraviesan por una construcción histórica y cultural, constituida a partir de las relaciones vividas por los sujetos. El presente estudio tuvo un carácter cualitativo de investigación, fundamentado en el análisis de contenido de Bardin, en el que tratamos de identificar las representaciones del cuerpo humano en los mensajes, características, estructuras, contenidos y figuras presentes en los libros. Para ello, montamos una matriz analítica con preguntas orientadoras relacionadas con las maneras de entender el cuerpo, presentes en los libros de texto. Los resultados demuestran que los contenidos siguen el mismo patrón en los diferentes libros, es decir, un cuerpo dividido en partes, como si el cuerpo humano estuviera solo formado por miembros, órganos y tejidos. Se presenta una división minuciosa del contenido, desde la organización celular, conceptos, estructuras, y aun, las imágenes son todas presentadas de manera fragmentada, siguiendo siempre patrones normativos. Los libros analizados traen en sus capítulos espacios para discusiones sobre el cuerpo biosocial, en forma elaborada, contemplando diferentes visiones, como la sexualidad más allá de la reproducción humana. Creemos que estas cuestiones deben formar parte de los proyectos políticos pedagógicos (PPP) de las escuelas y del sistema de enseñanza como un todo, pues de este modo se realizarán más proyectos contemplando esta temática. Sin embargo, entendemos que corresponde al profesor(a) realizar este enfoque, y si, tales cuestiones no están contempladas en los libros, es el profesor quien debe tener en mente que, si somos seres pensantes, nuestro cuerpo es mucho más que componentes orgánicos, y así buscar los medios para realizar este enfoque.

Palabras clave: cuerpo didáctico, cuerpo biosocial, libro de texto.


Introdução

O Livro Didático (LD) tem sido desde sua criação uma forte ferramenta auxiliando os educadores (as) na elaboração de suas aulas, apresentando os mais diversos conteúdos que são organizados para atender os diferentes níveis em seus variados propósitos. A legislação que ampara o uso do LD foi criada no ano de 1938 pelo Decreto de lei 1.006, porém ele era considerado nessa época uma ferramenta em que o Estado era o detentor de seu uso SINGANSKI, FRISON, BOFF (2008). Sendo assim, o LD era basicamente o único material didático disponível e considerado detentor do conhecimento, com conteúdos selecionados e expostos de forma segmentada, fazendo pouca relação com a vivência dos alunos (as).

Com o passar do tempo várias modificações foram ocorrendo, e em 1985 foi criado o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) com o objetivo de dar suporte pedagógico aos (as) educadores (as) através da distribuição das coleções didáticas aos (as) alunos (as). O Ministério da Educação (MEC) faz a publicação do Guia Nacional do Livro Didático (GNLD) e o mesmo é distribuído às instituições de ensino para que as mesmas façam a escolha das obras mais adequadas ao seu público (BRASIL, 2006).

Desde então, para chegar até a escola, o LD vindo de várias editoras é analisado pelo Ministério da Educação (MEC) que faz uma seleção e a publicação de suas resenhas, o Guia do Livro Didático das obras aprovadas. A partir desta etapa, escolas e educadores (as), tem a função de fazer a escolha da obra que seja mais adequada para atender seu propósito e público alvo. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (PCNEF) o LD exerce grande influência na educação, e nesse sentido, é necessário que os (as) educadores (as) atentem-se a sua qualidade e suas restrições em relação aos objetivos. Ainda, vale ressaltar que o LD não deve ser o único material didático a ser considerado, pois o que prevalece é a quantidade de fontes de informações para ampliar o conhecimento (BRASIL, 1998 p. 67).

Nesse sentido, é possível enfatizar a importância de considerar o contexto escolar para a escolha do livro a ser adotado, pois ele ocupa um lugar de destaque no cenário da educação e cultura brasileira, sendo um artefato pedagógico. A partir de então, o LD enquanto artefato pedagógico e cultural educacional tem uma função primordial na construção do corpo, identidade e subjetividade dos sujeitos presentes na escola. Porém, segundo LUCKESI (2004) “o LD é um meio de comunicação através do qual os (as) alunos (as) recebem a mensagem escolar” que é refletida pela sociedade que estão inseridos. Ainda, para OLIVEIRA (2008, p. 95) se no LD estão às potencialidades de reprodução do conhecimento do mundo em função da sociedade, ele também deve apresentar formas de transformar e apresentar alternativas para o que a sociedade deve vir a ser.

Conforme o exposto se percebe as várias discussões que podem ser realizadas a partir do LD, não apenas conceituais, mas também questões sociais importantes na formação dos alunos (as). Cabe ressaltar a sua não neutralidade, pois como toda obra ele é uma construção humana, e como tal tem uma intencionalidade que traz consigo as características de seu autor. SANTOS, et al. (2016) em seu trabalho citam Monteiro, (2012), e ressaltam a importância do LD e o seu papel norteador no processo de ensino-aprendizagem, porém nos dizem ainda que ele não deva ser utilizado como o único recurso.

Ainda, a mesma autora em outro trabalho que analisa a Saúde enquanto Tema Transversal em Livros Didáticos de Ciências para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, ao citar autores como CARNEIRO, SANTOS, MÓL (2005); OSSAK, BELLINI (2009) nos diz que, “apesar dos avanços tecnológicos e da enorme variedade de materiais curriculares atualmente disponíveis no mercado, o livro didático, por uma série de dimensões políticas da escola, é o instrumento básico mais utilizado no ensino de Ciências” (SANTOS, et al. 2015).

Especificamente sobre os LD de Ciências, VASCONCELOS, SOUTO (2003 p. 93) falam que nele deve-se perceber claramente a presença do método científico. Eles se diferenciam dos outros livros devido a sua função que é a aplicação do método científico, as hipóteses e as conclusões. O LD deve proporcionar o entendimento científico, filosófico e estético, dando suporte para a formação dos sujeitos.

Dessa maneira, pensamos no LD de ciências como fomentador da formação humana, estimulando o pensamento crítico sobre os fatos cotidianos, instigando o aluno a construir sua própria aprendizagem. No entanto, ainda segundo os autores, grande parte dos LD que são distribuídos revelam certa linearidade nas informações e uma fragmentação que limitam as possibilidades das abordagens interdisciplinares. Sua tradicionalidade fomenta a seleção dos conteúdos que serão estudados, estimulando a criação de atividades baseadas na memorização (VASCONCELOS, SOUTO, 2003).

Ao refletirmos sobre as falas dos autores percebemos a necessidade de mais discussões não tão lineares, abordando o lado social e os valores que permeiam uma construção humana de valores. Enquanto mediador desse processo faz-se necessário considerar todo contexto de vida dos alunos (as), tornando-os (as) parte dessa aprendizagem. Sendo assim, fica clara a importância de considerar que os (as) alunos (as) devem aprender para a vida e com a vida, e que a aprendizagem deve ter intencionalidade e significado, e não ser entendida como um processo de memorização fragmentada, como percebemos na abordagem de vários conteúdos exposto nos LD.

Citamos ainda como exemplo os LD de Ciências do 8º ano do Ensino Fundamental, concordando com KINDEL (2012) quando fala que, o corpo humano é um dos seus objetos de estudos e quase sempre tem uma abordagem baseada em modelos que contemplam os sistemas biológicos, que são apresentados de maneira fragmentada. Desse modo, o corpo é apresentado como se não fizesse parte de “nós mesmos”, como se fosse apenas partes anatômicas, desconsiderando a construção social, histórica e cultural da identidade dos sujeitos.

Baseados nessas perspectivas de construção entendemos como pertinentes todas essas discussões que se fazem presentes nos currículos escolares sobre o corpo humano, pois se percebe cada vez mais os limites que são impostos sobre os corpos presentes na escola. Sobretudo, presentes no currí- culo oculto, em que as normativas adotadas como forma de opressão, tomadas de poder que fogem a realidade fazem cada vez mais os (as) alunos (as) se sentirem como meros coadjuvantes nesse processo de aprendizagem.

A partir dessas inquietações surge a necessidade de analisar a abordagem sobre o corpo humano presente nos LD de ciências, adotados por uma Escola Municipal da cidade de Uruguaiana/RS. Essa escrita inicial é parte de um projeto mais amplo que investiga como essa temática é trabalhada no contexto dos (as) educadores (as) e quais suas concepções acerca da corporeidade e as relações de poder sobre corpo humano no ambiente escolar.

No segmento de nossa pesquisa apresentamos algumas discussões sobre as representações do corpo humano, suas subjetividades de interpretações, normativas escolares e o poder exercido em seu ambiente.

Entre os limites do corpo e a escola

A escola enquanto instância da sociedade diretamente ligada à formação dos sujeitos tem usado diversos mecanismos para sua hierarquização. MICHEL FOUCAULT (2012) no seu trabalho, “Vigiar e Punir”, discute o papel da escola sobre os corpos presentes em seu ambiente. Segundo o autor, a escola é soberana, vigia e disciplina como forma de poder sobre os corpos, corpos manipulados, modelados, corpos que obedecem seguindo padrões impostos pela sociedade.

Sendo assim, disciplinar o corpo é impor limites na construção da identidade, assim como impedir o caráter individual dos sujeitos e sua formação, e isso fica evidente, por exemplo, quando e escola proíbe o uso de adornos, como bonés, celulares e toucas, como se esses acessórios fossem interferir na aprendizagem dos sujeitos. Essas regras de conduta estão claramente visíveis no currículo oculto, que se fortalece na intenção de estipular regras de convívio cotidiano em espaços coletivos.

Nesse sentido, CAMACHO (2010) define o currículo oculto como, o indicador de práticas e mudanças educacionais que orientam e resultam na aprendizagem, atitudes e valores na formação moral. Ou seja, deve-se ficar atento, pois ele pode ser utilizado de maneira nociva pelos (as) professores (as) por não estar especificado em nenhum documento educacional, visto que suas práticas fazem parte da formação de uma sociedade futura.

Assim sendo, cabe ao (a) professor (a) a reflexão sobre as regras que são impostas e de que forma abordar assuntos que ainda são considerados como um tabu dentro da escola. Ressaltamos a importância desse profissional estar preparado para tais abordagens devido ao seu papel enquanto adulto de referência na construção da identidade dos sujeitos envolvidos nesse processo. Em trabalho publicado sobre Educação sexual na escola MOREIRA et al. (2011) definem como adultos de referência, os (as) professores (as), os (as) pais (mães), e os (as) profissionais da saúde. Ainda, nos falam do papel desses profissionais na transição da infância para a vida adulta e suas dificuldades em abordar temas como a sexualidade.

Assim como a sexualidade, o corpo em sua formação é extremamente complexo, e sua abordagem deve ser assegurada levando em conta vários aspectos, como todo o contexto social dos adolescentes. A partir do corpo se expressa à sexualidade e as múltiplas identidades vividas pelos sujeitos durante a vida, por isso não devemos negá-lo, mas sim, entender que ele é subjetivo e traz consigo uma história.

Na escola, as crianças e adolescentes vivem diariamente proibições, regras que as aprisionam em um mundo de reclusões, seguindo uma cultura que os leva ao conformismo, determinado pelo tempo e a sociedade. KOFES (1994) fala que o corpo aprende especificamente em determinados momentos de sua existência, e assim com cada experiência vivenciada. Então, na escola se aprende a ser e agir como a sociedade determina, reproduzindo atitudes e gestos que sufocam um “EU” interior, formando sujeitos retraídos e muitas vezes agressivos.

ALVEZ (1985) afirma que todos sabem que o objetivo da educação é transformar as crianças para que se esqueçam dos prazeres que vivem em seus corpos com a intenção de domesticá-las conforme a sociedade. Para ele, cada criança é um meio para essa sociedade que não pensa em suas alegrias, prazeres e direitos. “Não é para isto que se organizam escolas, para que as crianças se esqueçam dos seus próprios corpos, e aprendam o mundo que os adultos lhes impõem?” (ALVEZ, 1985 p. 103).

Nas entrelinhas do referido autor entende-se uma escolarização uniforme, fundamentada na formação de sujeitos padronizados, pensando no mercado de trabalho e esquecendo a valorização e realização humana. Assim, em decorrência, perde-se a expressão do corpo, inibindo as individualidades tão importantes para demonstrar as condições de seres humanos tomados de desejos, tornando-os seres sem intencionalidade, meramente biológicos.

O corpo e suas dimensões: Corpos que falam

No contexto deste trabalho entendemos os corpos em sua “dualidade”, produções entre a biologia e a cultura que são definidas pelas representações sociais. As representações sociais, segundo MOSCOVICI (2002) são os conhecimentos práticos desenvolvidos nas relações vivenciadas cotidianamente que são formadas pelas ideias de vida cotidiana estabelecidas entre os sujeitos em suas interações. O corpo em sua singularidade traz uma história biológica, cultural e social que são inseparáveis MENDES, NÓBREGA (2004). Também, concordamos com BARBOSA, COSTA, MATOS (2011) quando dizem que, “o corpo não se revela apenas enquanto componente de elementos orgânicos, mas também enquanto fator social, psicológico, cultural e religioso”, assim, o corpo está em nossa vida diária, em nossas relações, é um meio de expressão.

Deste modo, todo corpo tem uma história que é reinventada conforme são vividos ao longo do tempo em diferentes momentos. Através do corpo nos expressamos e contamos um pouco sobre nossa existência, o que queremos, como pensamos, ou seja, quem somos. Para GOELLNER, um corpo é também seu ambiente, não apenas músculos, ossos, reflexos e sensações, mas também suas vestias e acessórios. O corpo não tem limites e vive constantemente infinitas possibilidades de se reinventar (GOELLNER, 2003, p. 29).

Segundo MARTINS et al. (2012), para realizar uma abordagem do corpo precisa-se ir além da dimensão biológica de um organismo, é necessário realizar uma abordagem em relação aos acontecimentos que o construirão como ser humano dotado de gênero, etnia, sexualidade e comportamento. Assim, pensando além das palavras do autor, em uma subjetividade de interpretações, deve se considerar a essência da natureza do corpo, relativo à corporeidade, o contato com o mundo e tudo que dele faz parte.

JOÃO, BRITO (2004) definem a corporeidade como uma constituição das dimensões física, emocional, mental e sociocultural. Para ele, essas dimensões são indissociáveis para o ser humano e são elas que constituem a corporeidade. Nesse sentido, o corpo em suas muitas capacidades se expressa, fala de “si”, não pode ser entendido de forma fragmentada, carne e vísceras. Ele liga o ser humano ao mundo, permitindo uma interação com o “outro” através do meio em que está inserido e das relações sociais de seu contexto atual.

Freire aponta que o corpo são minhas atitudes e que minhas ações fazem meu corpo. Para ele, sua importância é evidente, pois o corpo vive lutando por sua libertação, ele deseja, protesta, se movimenta e refaz o seu mundo. “Nenhum de nós, nem tu, estamos aqui dizendo que a transformação se faz através de um corpo individual. Não, porque o corpo também se constrói socialmente” (FREIRE, 2006, p.92).

Nessas entrelinhas, entendemos a liberdade do corpo como fundamental na formação de sua essência corporal, na interação com a natureza e no convívio livre em sociedade, se expressando, agindo, sentindo e pensando. Se através “dele” nos (re) significamos, falamos de nosso contexto, contamos sobre nós, sua abordagem precisa ser mais “humana”, é preciso deixá-lo “falar”. O corpo humano precisa interagir e construir sua história, estando bem e sentindo-se bem à medida que se expressa através de seu modo de ser. Precisamos entender que tudo que faz parte do corpo, faz parte do meu próprio corpo, e assim, realizar um estudo integrando, considerando as relações vividas e construídas no decorrer da vida.

Corpo Didático: Que corpo é esse?

Um dos conteúdos do currículo a ser trabalhado na 7ª série/ 8º ano do Ensino Fundamental é o corpo humano, e considerando as orientações dos PCN de Ciências Naturais, sua abordagem deve ser realizada considerando o corpo como um todo. Todos os aspectos, biológicos, culturais, sociais e afetivos refletem sobre o corpo humano.

O corpo humano não é uma máquina, cada ser humano é único e sendo assim, o ensino de Ciências deve contribuir para a formação integral da pessoa e da sua autoestima, do respeito ao próprio corpo e ao corpo do outro. Ainda, “para o entendimento da saúde como um valor pessoal e social, e para a compreensão da sexualidade humana sem preconceitos.” (BRASIL, 1997 p. 22).

Porém, não é o que se percebe, pois na abordagem desse conteúdo do currículo presentes nos LD estão as figuras ilustrativas, que seguem sempre um padrão científico e segmentado, o “Corpo Humano Didático”, aquele presente nas ilustrações dos livros e materiais escolares MORAES, GUIZZETTI (2016). Nesse cenário e em sua totalidade estão divididos em temáticas, em um saber fragmentado, o que nos leva a concordar com VARGAS, MINTS, MEYER (1988) apud MORAES, GUIZZETTI ao falarem que, o “corpo humano didático” que se faz presente nos LD de Ciências em sua maioria representados por analogias é preocupante, pois com ele diminui a curiosidade do aluno com seu próprio corpo.

O autor LE BRETON (2012) nos diz que, o corpo como é apresentado e estudado biologicamente traz apenas informações genéticas, tornando-se completamente impessoal, ou seja, não pertencendo à pessoa alguma. Ainda, sobre essa abordagem biológica do corpo humano, o autor fala que da maneira que a biologia ensina desaparece o que aprendemos com a sociedade. Ressaltamos as palavras de GOELLNER (2003) quando nos diz que, somos construídos pela sociedade e cultura e não por nossas características biológicas. Para a autora o corpo se “transforma”, modificando-se conforme suas vivências em determinados grupos sociais e assim, formando suas peculiaridades e construindo sua identidade.

Metodologia da Pesquisa

Neste trabalho investigamos as representações do corpo humano presente nos LD de Ciências Naturais de uma escola da Rede Municipal do RS. A referida escola esta localizada na periferia da cidade e atende a alunos do Ensino Fundamental I e Fundamental II nos turnos manhã e tarde, sendo que, sua clientela é composta quase em totalidade por alunos de classe média baixa. A escolha de analisar os LD desta escola se deve ao fato da mesa ser considerada como referência na cidade em atividades de experimentação, feiras de ciências e trabalhos ambientais envolvendo toda comunidade escolar. Além disso, nela estão inseridos os (as) alunos (as) do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Docência/ PIBID-Subprojeto Ciências da Natureza.

Classificamos esse estudo como tendo um cará- ter qualitativo, e para sua efetivação foi realizada uma análise de conteúdo baseada em BARDIN, (2011,), que a define como um conjunto de técnicas de análise para obter indicadores que permitam a obtenção de conhecimentos sobre a produção, recepção das mensagens. A análise de conteúdo trata as informações a partir de um roteiro específico, que são: pré-análise, na qual se escolhe os documentos, se formula hipóteses e objetivos para a pesquisa; A exploração do material, na qual se aplicam as técnicas específicas segundo os objetivos; E o tratamento dos resultados e interpretações que liga os resultados obtidos ao escopo teórico, e permite avançar para conclusões que levem ao avanço da pesquisa.

Na presente pesquisa analisamos o LD adotado pela escola no ano de 2016 e na sequencia o livro utilizado em 2017 e assim, procuramos identificar nos mesmos, mensagens, características, estruturas, conteúdos e figuras sobre as representações do corpo humano biossocial. Para tanto, montamos uma matriz analítica apresentada no quadro1 a seguir com perguntas norteadoras que orientaram nossa pesquisa, facilitando a análise das representações de corpo humano presente nos LD.

Quadro 1. Matriz analítica composta por perguntas que nortearam a pesquisa.

Segundo MALLMANN, uma matriz analítica nos permite aperfeiçoar sua reescrita como estratégia investigativa-analítica. Ainda, não se desvincula da temática inicial, permitindo uma seleção mais correta dos aspectos pertinentes para avaliações retrospectivas e prospectivas MALLMANN, (2015, p. 17). Deste modo, concordando com o autor, a pesquisa não foge ao foco inicial e possibilita uma sistematização dos resultados, organizados previamente e dando sentido as respostas.

O primeiro passo foi analisar os conteúdos sobre o corpo humano e de que forma eles estão presentes nos LD, para isso, fizemos uma leitura minuciosa nos capítulos e unidades apresentadas. Deste modo, tentamos compreender se os mesmos permitem aos (as) professores (as) realizar uma abordagem diferenciada se seguirem a sequencia proposta nos livros. Logo após, através das imagens ilustrativas apresentadas do corpo humano buscamos verificar a possibilidade de discutir todas as construções sociais vivenciadas pelos sujeitos no convívio em sociedade, e se, a partir delas o (a) aluno (a) se sente parte dessa construção e se os mesmos se reconhecem nestas imagens.

No seguimento da pesquisa, ainda em relação às imagens, ao analisá-las procuramos entender se as mesmas condizem com os (as) alunos (as), presentes na escola ou se elas seguem apenas um padrão social de construção do corpo. Procuramos por imagens reais, corpos de diferentes estereótipos, cor, raça, etnia e que representassem diferentes classes sócias, condizentes com os corpos presentes na escola.

O último critério foi procurar em todas as unidades dos LD por espaços para discussões relacionadas ao corpo humano biossocial, como a sexualidade, gênero, identidade dentre outros. Deste modo, analisamos todos os textos e fragmentos presentes em todas as unidades dos LD, e assim, buscamos perceber a possibilidade ou não de realizar essas abordagens.

Achados e discussões

No âmbito da pesquisa analisamos os LD de ciências utilizados pelos (as) professores (as) em 2016 e 2017, e seguimos a ordem cronológica das perguntas organizadas na matriz analítica proposta na pesquisa. Os LD analisados estão divididos em capítulos e estruturados em unidades, começando pela célula e terminando nas bases da hereditariedade, dividindo o conteúdo sobre o corpo humano em segmentos e consequentemente, o corpo em partes puramente biológicas.

No quadro 2 a seguir, apresentamos os resultados iniciais da pesquisa:

Quadro 2. Resultados das questões da matriz analítica

A partir dos dados iniciais, e fundamentados em pesquisadores da área que abordam tais temáticas nos aprofundamos nas discussões e realizamos as seguintes colocações a respeito da análise realizada nos livros.

Em relação ao item inicial, que trata na matriz analítica, observamos que na primeira unidade, “Como nosso corpo é dividido”, do LD de 2016 estão presentes os conteúdos sobre a célula e os tecidos, e na página introdutória o seguinte pará- grafo, descrito no quadro 3 que é exposto a seguir chamou-nos atenção.

Quadro 3. Parágrafo descrito na página introdutória da primeira unidade do livro.

No entanto, ao realizarmos uma análise mais profunda neste capítulo percebemos uma divisão minuciosa do conteúdo, esta divisão começa pela organização celular, conceitos, estruturas e nomenclaturas até as imagens apresentadas. Os livros analisados seguem um mesmo padrão, no que se referem aos conteúdos apresentados, sendo todos expostos de maneira fragmentada, partes isoladas de um todo, dificultando a compreensão dos conteúdos, como se os órgãos e funções não fossem partes conectadas do ser humano, um corpo puramente anatômico.

Os autores Janeiro e Pechula, em trabalho publicado sobre a anatomia do corpo nos dizem que a partir da anatomia foi possível visualizar o corpo em partes que se associam e são dependentes umas das outras. Segundo os autores pode-se perceber que a ciência não satisfeita em apenas pesquisar sobre o corpo foi se aperfeiçoando e suas buscas pelas estruturas orgânicas foram substituídas por funções orgânicas (JANEIRO, PECHULA, 2016, p. 14)

A partir de então, percebe-se que a abordagem do corpo tem seguido padrões orgânicos, como se o corpo humano fosse composto por peças, como em de um tabuleiro, que se encaixam formando um ser meramente estático, depreciando o corpo. Para LE BRETON (2012), o corpo é visto por um lado como limites de fronteiras entre o ser humano e o meio, por outro, é visto como dissociado do homem, por isso um acessório, ou, tem-se a concepção de homem máquina.

Sobre as imagens ilustrativas que acompanham os conteúdos presentes nos LD, percebe-se que todas elas são minuciosamente divididas e apresentadas de uma maneira mecânica, dificultando o sentimento de pertencimento dos (as) alunos (a). Citamos aqui como exemplo o conteúdo sobre o “sistema circulatório” observado no livro utilizado em 2017, em que as imagens do coração humano representam apenas válvulas, e o conteúdo em sua totalidade está segmentado de uma maneira tecnicista, como no parágrafo descrito no quadro 4 a seguir.

Quadro 4. Parágrafo exposto sobre o sistema circulatório.

Deste modo, desconsidera todas as discussões que podem ser realizadas sobre o emocional dos alunos e todas as alterações que o (a) aluno (a) passa em momentos diferentes da existência humana. Cabe ressaltar que os alunos acreditam que todas as emoções provem do coração, considerando que ele é o órgão responsável pelas emoções. A maneira de se vestir, falar e se expressar se modifica com as emoções vividas, são as expressões do corpo evidenciadas e sujeitas a inúmeras interpretações, em diferentes fases da vida. LAWRENCE apud BRUHNS (1994) nos diz que o corpo vive as sensações e emoções, sente necessidades reais e que todas as emoções pertencem ao corpo e que a mente apenas o reconhece.

Nos demais capítulos, percebemos a mesma sequência de organização, conteúdos, nomes científicos, e imagens ilustrativas dos conteúdos fora da realidade, em que os corpos ilustrados presentes nos LD seguem um mesmo padrão. As ilustrações do corpo são apresentadas sem nenhuma expressão, padronizado, como uma máquina sem história ou identidade, ou seja, um corpo puramente didático. Ainda, podemos perceber certa disciplinaridade, etapas de um processo mecânico de aprendizagem sobre os conteúdos, tornando o corpo um mero objeto a ser estudado

Em relação ao segundo item, da matriz analítica, não conseguimos identificar em nenhuma das unidades dos dois LD essa interação, corpo e sociedade, pois em nenhum momento se percebe uma construção a partir das interações que o ser humano perpassa durante sua existência e o convívio com o meio. Segundo DAOLIO (1995) “no corpo estão inscritas todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica, por ser ele o meio de contato primário do indivíduo com o ambiente que o cerca”.

Essas relações, corpo e sociedade podem ser esclarecidas como, por exemplo, segundo as palavras de GROSSI (1990, citado por FERRERIA, 2010):

Mas, qual é a diferença entre o organismo e o corpo? Uma mão é organismo enquanto estiver simplesmente sendo vista como um pedaço de alguém. No momento em que fizer um gesto de adeus ou um gesto de OK, já não é mais organismo; trata-se de uma manifestação do corpo. O corpo é a forma como o organismo atua. Pode-se comparar o organismo a uma tela e o corpo, à imagem que a inteligência e o desejo projetam sobre essa tela. (GROSSI, 1990 p. 48, apud FERREIRA, 2010 p. 4).

Para SOUZA, CAMARGO, (2011), se compreendermos o corpo a partir de sua história não negamos sua matéria biológica, mas sim o relacionamos com suas práticas e culturas. Assim, concordando com os autores, acredita-se na realização dessa abordagem, considerando o contexto social, pois entendemos essa inseparabilidade do corpo. Ainda, entendemos o corpo como guardião de todas as suas memórias, ele tudo sabe e traz consigo fatos e marcas da famí- lia e da sociedade. Vale ressaltar o entendimento de MERLEAU-PONTY (2006) que para ele o corpo é um espaço de expressão evidenciando as modalidades de sua existência.

Em relação ao terceiro item citado na matriz, observamos que no primeiro LD as imagens são estereotipadas, um corpo que se constrói pelas exigências sociais e pelas regras de consumo. Lembramos que é difícil para um (a) aluno (a) de escola pública se identificar com as figuras apresentadas, pois a realidade que se vive não condiz com a presente no LD, como roupas boas, pessoas apenas com a pele clara, corpos magros, entre outros.

Enfatizamos que na escola estão presentes os corpos com uma diversidade enorme de características, e não podemos ignorar este fato, e como exemplo, cita-se o “corpo gordo”, que foge a todos os padrões sociais. Este fato também está diretamente ligado à questão de saúde pública, e discutir este aspecto se faz importante para sua promoção, como afirmam Santos e colaboradores ao dizerem que, “a educação para a promoção da saúde nos últimos tempos tem se tornado um objeto de estudos constantes, principalmente sobre a sua repercussão no contexto escolar” (SANTOS et al. 2016 p. 87).

Outros autores como Lanes e colaboradores, nos dizem que “a adolescência é um período de intenso e rápido desenvolvimento físico, psíquico e social, demandando um aumento das necessidades nutricionais” LANES et al. (2011 p. 2). Nesse sentido, reafirmam a necessidade de tais abordagens, tendo em vista o zelo pela saúde e bem estar dos alunos que seguem cada vez mais hábitos de alimentação pouco saudáveis.

Nessa mesma linha de pensamento, LARA et al. (2016) dizem que, os hábitos de alimentação saudá- vel são de grande relevância social e preocupação atual, por isso sua abordagem deve ser discutida promovendo um ensino voltado para a promoção da saúde do escolar. Porém, o tema saúde é geralmente abordado de forma transversal, o que para o autor GAVIDIA (2002) acaba sendo apresentado do mesmo modo que nas disciplinas tradicionais. Reiteramos ainda que estas discussões sejam valiosas na luta contra o bullying, que está cada vez mais presente na escola, tornando vítimas todas (as) que não seguem um determinado padrão de beleza, ou que por vezes sofrem de alguma doença ou deficiência.

Outro aspecto que merece destaque é a questão do modismo, como o uso de bonés, roupas largas, capuz, e adornos em geral, e esse (a) aluno (a) não se faz presente no livro didático analisado. Destacamos que na maioria das escolas o uso de adornos como os bonés não são permitidos, justificando seu uso como indisciplina, gerando tumultos e algazarras, justificativa essa que não se sustenta pelo fato dele ser peculiar do aluno (a). Muito embora não seja permitido na escola, eles deveriam estar presentes nos LD, pois os mesmos apresentam imagens de situações cotidianas que não acontecem somente na escola, e sim em toda a vida social.

Já no segundo LD analisado o autor traz imagens de diferentes culturas em diferentes fases da vida, demonstrando a importância da subjetividade do corpo. Segundo MARINHO (2004) apud MORAES, GUIZZETTI (2016), “as imagens possuem uma expressão discursiva que está nas expressões faciais e corporais, nas representações de sons, atitudes, indo além das palavras, e que contribuem para a compreensão da ideia a ser passada”. Deste modo essa aproximação que as imagens proporcionam são favoráveis a aprendizagem real dos (as) alunos (as), pois ele consegue se ver nessas representações, tornando-se personagens de seus estudos. Entendemos o corpo enquanto superfície dos acontecimentos, e através dessas superfícies onde os fatos acontecem, vamos construindo um ser dotado de ações, e essas ações procuram um espaço na construção de sua história.

Na última questão proposta na matriz nos deparamos nos dois LD com inúmeras possibilidades para essa discussão, tais como no parágrafo já descrito anteriormente da primeira unidade do livro utilizado em 2016, exposto quadro 1. Consideramos que o mesmo pode fomentar muitas discussões sobre o corpo biossocial, levando em consideração o contexto que o aluno está inserido e as relações vividas em sociedade. BUSSOLETTI, MOLON (2010) apud MORAIS et al. (2014) apontam que, sob um outro olhar eu terei uma nova visão sobre mim mesmo, complementando-me de maneiras antes não imaginável. Além disso, sugerimos que sejam realizadas discussões sobre as características que formam a identidade, pois somos seres sociais que vivemos em constante transformação, na medida em que aprendemos com os outros nos construímos e (re) construímos.

Apontamos outro parágrafo do mesmo livro que merece destaque, descrito na quarta unidade que fala sobre “Sexo e reprodução”, exposto no quadro 5 a seguir.

Quadro 5. Quadro descrito na quarta unidade sobre sexo e reprodução.

Ressaltamos que através do corpo também se expressa a sexualidade dos sujeitos, e essa abordagem necessita de muito cuidado, principalmente em ambientes educacionais. MOREIRA et. al (2011) nos falam da importância de percebermos que o desenvolvimento biológico é mais rápido que desenvolvimento psicológico, e que o adolescente adquire um corpo de adulto com maturidade infantil. Nessa fase, os hormônios estão aflorando com mais intensidade, e esse momento é propício para tais abordagens com adolescentes, principalmente pelos conflitos vivenciados na fase em questão. Para realizar tal abordagem é necessário entender que as diferenças devem ser respeitadas e também, as questões de corpo e gênero devem ser discutidas, deixando claro que todos passam pelos mesmos processos, porém em momentos diferentes em tempos diferentes.

HEERDT, BATISTA (2011) em seu trabalho citam FAUSTO-STERLING (2000) e dizem que, a distinção entre hormônios masculinos e femininos ainda são questões naturalizadas no Ensino de Ciências, fortalecendo a ideia de que a testosterona só existe no corpo masculino e o estrogênio no corpo feminino. Ainda, citam NEHM, YOUNG (2008), que em sua pesquisa em LD nos Estados Unidos demonstram que este enfoque faz a mesma distinção entre hormônios masculinos e femininos. Destacamos ainda que não basta entender que os hormônios, testosterona e estrogênio estão presentes em meninos e meninas, homens e mulheres, e sim todas as mudanças pessoais e sociais que giram em torno de suas manifestações.

Assim sendo, as questões sobre “a educação sexual” deveriam iniciar com a família e ter continuidade na escola e nos serviços de saúde, porém temos percebido a dificuldade dos pais, dos professores e dos profissionais da saúde em abordar este tema MOREIRA, FOLMER (2015, p. 2). Assim, os autores apontam a necessidade de um adulto maduro e acolhedor nessa fase de vulnerabilidade e conflitante dos adolescentes, para que os mesmos possam começar uma vida saudável e prazerosa. Portanto, acredita-se que estes espaços disponíveis para discussões são valiosos na formação dos sujeitos em transformação social, momentos de trocas de experiências em que se reproduz o que se vive em sociedade, ademais, o tema sexualidade ainda é um tabu a ser vencido. A respeito da abordagem sobre a sexualidade, LANES et al. (2013, p. 3) citam PRADO, RIBEIRO (2010), e dizem que a sexualidade é um tema complexo que pode ser compreendida como a união do biológico, crenças, desejos, ideologias, desejos e manifestações de práticas sexuais.

Presente ainda na quarta unidade do livro, embora todo conteúdo, como a genitália masculina e feminina estejam expostos de maneira fragmentada, com a intenção de serem abordados focando a reprodução e doenças sexualmente transmissíveis está um texto sobre o sexo. O texto discute a relação sexual além da reprodução humana, esclarecendo que o ato em si deve ser praticado no momento certo, com a pessoa certa, sempre respeitando a individualidade de cada um. Ele traz dois tópicos interessantes, um que fala sobre a rejeição, deixando claro que caso isso aconteça não quer dizer que tenha algo de errado com o “outro”, mas que cada um tem uma preferência e um sentimento que deve ser respeitado.

O outro tópico fala sobre a homossexualidade e como ela está presente em nossa sociedade, assim como em muitas outras. O livro explica toda questão cultural que giram em torno de amizades entre meninas e meninos, e fala da confusão de sentimentos causada pela fase da adolescência. Esclarece a questão do caráter, que não se julga pela sexualidade, mas sim pelas atitudes diárias com o próximo. Destacamos que essas discussões são fundamentais para que haja respeito em relação aos outros, principalmente nesse momento de transformação que o corpo passa, trazendo consigo dúvidas e curiosidades que devem ser esclarecidas, de maneira que proporcionem aos (as) alunos (as) uma fase mais prazerosa e responsável.

No segundo LD, em tópicos o autor possibilita uma abordagem do corpo sobre um viés histórico, social e cultural, favorecendo a aprendizagem e vida em sociedade, como os descritos nos quadros 6 e 7, que no livro estão ao lado da pintura de Carybé, Vadiação, exposta a seguir. Nesse sentido podemos perceber a intencionalidade do autor reservando estes espaços para que se possa discutir a construção do corpo através da cultura, da arte, das imagens, dos povos, do tempo e através das interações humanas.

Segundo Ricardo e colaboradores que falam sobre a importância das relações humanas na educação, as relações humanas são permeadas por várias vivências ao longo da vida, que perpassam por diferentes momentos em família, em sociedade e na escola. É essencial investir na formação de valores humanos para buscar uma sinergia para todas as vivências. (RICARDO et al., 2015 p. 11).

Além disso, no LD se propõe que seja realizada uma conversa em sala de aula sobre a história do nosso corpo, a fim de aprofundar o conhecimento dos alunos sobre as unidades básicas que o compõem assim como, a interação entre todos os órgãos.

Carybé, Vadiação. 1965. Óleo sobre tela.

Fonte: http://tvratimbum.cmais.com.br/tracandoarte/imagens/ quadros-de-carybe.

Quadro 6. Tópico exposto ao lado da pintura de Carybé, Vadiação.

Quadro 7. Tópico exposto ao lado da pintura de Carybé, Vadiação

Esses questionamentos seguidos das imagens aproximam o corpo-biossocial do corpo-didático, pois a partir dos tópicos se percebe um corpo em constante transformação, um marcador de identidades. Esses fatores já foram destacados na literatura por BARBOSA, MATOS, COSTA (2011), os quais em seu trabalho, “Uma visão sobre o corpo: O corpo de ontem e hoje” discorrem sobre as transformações sofridas com o passar do tempo, e nos dizem que nossa existência está no contexto relacional e cultural e através de nossas relações são construídas (2011 p. 9).

Desta forma, a abordagem do corpo em suas dimensões no ambiente escolar é imprescindível, pois nele encontramos as múltiplas características construídas e vivenciadas. Nesse espaço começam as dúvidas e curiosidades, e nele os adolescentes começam a mostrar suas características sociais em construção e (re) construção, assim como, desejos, afetos e emoções. Se na escola a abordagem do corpo humano social nos faz pensar em questões centrais dessa formação, outras formas para essa abordagem devem ser consideradas. Sugerimos uma articulação entre escola, família e profissionais da saúde, e assim a criação de projetos que possibilitem mais informações sobre tais temas tão relevantes na construção humana. Dessa maneira, podem-se romper os discursos hegemônicos que existem a cerca do corpo biossocial, fazendo com que essa abordagem seja realizada de maneira que perpasse por todas as disciplinas do currículo escolar, indo além das salas de aula.

Sugerimos que estas questões se façam presentes nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das escolas e no sistema de ensino como um todo, pois deste modo serão realizados e desenvolvidos mais projetos contemplando a questão. Contudo, ainda cabe ao professor (a) realizar essa abordagem, e se, tais questões não estão contempladas nos LD, ele deve ter em mente que, se somos seres pensantes, nosso corpo é muito mais que componentes orgânicos, e assim, buscar os meios para essa abordagem. Deste modo, finalizando esta etapa questionamos o fato de que, se a sociedade modifica o corpo, que seja um corpo pronto para a vida social, um corpo livre para construir sua história, sem que a ele sejam atribuídos padrões normativos de uma sociedade.

Considerações finais

A importância do LD no atual cenário educacional é indiscutível, o livro é a primeira fonte de informações sobre os conteúdos que serão ministrados, tanto para os (as) professores (as), quando para os (as) alunos (as). Sendo assim, sua escolha deve ser cuidadosa e deve ser levando em consideração a comunidade escolar que estará envolvida nesse processo de aprendizagem. Tão importante quanto o LD, são as questões sociais a serem discutidas, e uma delas é o corpo humano em suas dimensões, sociais, históricas e culturais.

Nosso estudo evidenciou que em relação aos conteúdos apresentados sobre o corpo humano, os dois livros analisados seguem o mesmo padrão, ou seja, um corpo dividido em partes, meramente corpo-didático. Esse fato desconsidera todo contexto social da construção humana e o corpo enquanto biossocial, construído nas relações interpessoais e com o meio externo. Concordamos que os conteúdos específicos são de suma importância e fazem parte do currículo escolar, porém eles poderiam ser apresentados como partes de um todo, familiarizando o aprendente que o objeto a ser aprendido.

As representações do corpo em imagens apresentadas no primeiro LD analisado são poucas e estereotipadas, seguindo padrões normativos impostos pela sociedade. Ainda, não identificamos corpos condizentes com os (as) alunos (as), pois na escola encontramos uma diversidade de estilos, comportamentos e linguagem corporal. Já no LD utilizado no ano de 2017 as imagens são apresentadas em grande diversidade, contemplando diferentes culturas. O LD traz imagens de crianças, adultos e idosos em diferentes contextos e situações, aproximando o aprendente da realidade que se vive. É importante entender que as escolas públicas atendem um publico carente, e muitas das representações presentes nos livros não fazem parte de seu dia a dia, como roupas boas, alimentação diversificada e acesso a tecnologias.

Apesar de apresentarem conteúdos segmentados, os dois LD trazem em seus capítulos espaços para discussões e dúvidas sobre corpo, de maneira bem elaborada e contemplando diferentes visões. Abordando temas relacionados, como a sexualidade além da reprodução humana e abrindo espaço para discutir a formação social do corpo presente na escola. Contudo, cabe aos (as) professores (as) realizarem essas discussões, e entender que na escola existe uma enorme diversidade cultural e assim, adaptar o que for possível para realizar esta abordagem, contemplando o corpo além do viés biológico, abordar todos os aspectos sociais que fazem parte de sua história.

No entanto, é necessário saber se esses profissionais se sentem preparados para realizar essa abordagem, e é nesse sentido que nossa pesquisa tem sequência, analisando através de suas narrativas quais suas concepções sobre o corpo humano biossocial, assim como suas possíveis dificuldades de abordagem. Após essa análise, a pretensão é realizar cursos de formação continuada, proporcionando subsídios para essas discussões tão importantes no contexto atual da educação brasileira.

Ressaltamos, sobre a abordagem do corpo humano nos LD que os mesmos devem trazer em seus conteúdos uma linguagem mais clara e não linear, conteúdos menos segmentados e mais integradores das partes do corpo humano, valorizando assim as diferentes culturas e realidades presentes no âmbito escolar.


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